A morte de Carlos Nobre Cruz escancara nossa pobreza, por Sidney Rezende

Carlos Nobre Cruz. Foto: Arquivo pessoal

Negro, nordestino, sergipano fiel às suas raízes, jornalista, escritor. Um homem interessado por cinema, política, filosofia, antropologia, cultura negra, samba e sociologia. Este poderia ser um dos vários resumos sobre a amplitude do conhecimento de Carlos Nobre Cruz. Para sua grandeza, o descrito acima é insuficiente.

Por Sidney Rezende, do SRzd

Carlos Nobre Cruz. Foto: Arquivo pessoal

Uma parada cardíaca interrompeu a trajetória rica de verdade e busca de respostas úteis para os destinos do nosso povo. Perdemos um estudioso, pesquisador sobre a importância dos negros, as razões do crime no Brasil e a intrincada engrenagem da segurança pública.

Carlos Nobre Cruz morreu no Dia dos Professores. Parece até uma homenagem, se pensarmos que todos morreremos um dia. A despedida impiedosa do nosso Carlos joga luz sobre o quanto desprezamos o pensamento relevante. Com certeza seus 27 seguidores do Twitter sabem das coisas. Mas muita gente não tem ideia do que este jovem senhor deixou para nós. Joia rara.

Amizade eterna

Nossa amizade nasceu na faculdade, na PUC do Rio de Janeiro. O meu livro “Ideário de Glauber Rocha” não existiria sem a ajuda imprescindível de Carlos Nobre. Está lá: “Muitas pessoas contribuíram de forma decisiva na realização dessa tarefa. Por isso, não poderia deixar de registrar a inestimável ajuda de meu amigo Carlos Nobre Cruz. Sua inteligência e lucidez foram-me de grande valia”. Carlos já estava pronto. Era um intelectual desde sempre. Os livros que lia não eram para iniciados. Os textos que produzia sempre foram de ótimo acabamento. Articulado.

Durante sua vida, tanto nas redações por onde passou ou por sua contribuição acadêmica, Carlos Nobre pesquisou a riqueza da cultura afro, os desvarios do crime, a intolerância com nossa cara e nossa cor e segurança pública.

Além de jornalista, pesquisador e professor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, Carlos Nobre tornou-se mestre em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes. Autor de vários livros sobre discriminação racial. Foi autor e coordenador da Coleção de Livros “Personalidades Negras”, da Editora Garamond (RJ). Tudo o que produziu merece ser lido. Principalmente “Mães de Acari”.

Nossa geração formada no início dos anos 80 revelou Marina W, Roberto Faustino, Ayrton Chaves, Ali Kamel, Marilene Lopes, Waldir Leite, Lilian Maffei e outros tantos. Todos de uma mesma turma. Mas de todos eles, o que eu mais encontrei afinidade foi Carlos Nobre. Andávamos de baixo para cima discutindo política e como melhorar o Brasil. Carlos era o único negro da sala. Não me recordo de nenhuma hostilidade ou preconceito por parte dos nossos colegas, mas sabia, – e como sabia -, o peso da discriminação racial que continua solta por aí até hoje.

Professor Sócrates, o bom de bola

Meu irmão Renato, Eugênio Bessa, Carlos e eu jogávamos nossa peladinha na praia de Copacabana. E também o chamado “gol pequeno” nos jardins da então mansão que abrigava o consulado japonês, entre Laranjeiras e o Largo do Machado.

Carlos tinha o estilo assemelhado ao de outro professor, Sócrates, o da seleção brasileira, o irmão do Raí. Alto, passos compassados quando estava com a bola, e uma visão de jogo conjugada a uma habilidade incontestável. Ele era o melhor. O nosso Ademir da Guia. Elegância em estado puro.

A dor da perda

Soube da morte do Carlos por uma mensagem curta da Lilian Maffei, consternada, como todos ficamos. Em seguida, pela página do Waldir Leite nas redes sociais: “Uma lágrima para o professor Carlos Nobre. Ele morreu exatamente na data em que se comemora o dia do mestre. Um grande sujeito. Um talentoso jornalista, que produziu excelentes trabalhos nas redações dos jornais O Dia e Jornal do Brasil. A última vez que o vi foi no lançamento do meu livro. Gentil, como sempre, fez questão de me dar seu abraço, seu apoio. Um humanista autêntico que vai fazer falta. Descanse em paz”.

Entrei em contato imediato com Roberto Faustino tentando que ele me dissesse que a informação não estava correta. “Carlos sofreu uma parada cardíaca pela manhã. Estou devastado”, disse-me Faustino. E completou: “Muito triste, cara. Estava louco para ver o desfile da Grande Rio baseado no livro dele. Falei com ele no domingo.”

Carlos Nobre escreveu artigos para o SRzd e os reuniu carinhosamente na sua página no Twitter. Ainda está lá a compilação. Um presente para nós.

Do currículo oficial, relembrei que ele ministrou aulas no curso de pós graduação lato sensu “História e Cultura Afrodescendente”, do CCE da PUC-Rio. Ex-pesquisador do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Cândido Mendes (CEAA-Ucam). Membro-consultor da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra da OAB-nacional. Entre seus livros, se destacam: “Guia Patrimonial da Pequena África” (Portal Cultural, RJ, 2014), ” Um abraço forte em Zumbi: pensamento e militância no front racial da Áfrika Carioka” (Multifoco, RJ, 2015), “O negro na Polícia Militar: cor, crime e carreira no Rio de Janeiro” (Multifoco, RJ, 2010) e “Direto do front: a cobertura jornalística de ações policiais em favelas do Rio de Janeiro” (Multifoco, RJ, 2006).

Estou muito triste. Principalmente porque nós sonhamos juntos tantas vezes ajudar a construir um país justo, democrático e mais humano. Carlos Nobre Cruz se foi, e nossos problemas se multiplicaram nestes últimos anos. O dramático é que ele não estará mais aqui para nos dizer qual a melhor saída.

Recomendo a leitura deste texto da ABI.

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