A população periférica e favelada construindo um novo futuro para o Brasil

FONTEECOA, por Anielle Franco
Anielle Franco (Foto: Bléia Campos)

Essa semana lançaremos a parte final do projeto Mapa Corona Nas Periferias, uma parceria entre o Instituto Marielle Franco e o Favela Em Pauta que acontece desde abril, no início da pandemia, e que agora se encerra com um compilado de histórias em formato de reportagens, feita por jornalistas e pesquisadores de todas as regiões do Brasil. Juntos, esses jornalistas vão apresentar os principais problemas que ficaram em evidência em suas regiões durante a pandemia de COVID-19 e também a potência que foi a atuação de movimentos sociais e organizações na construção de respostas para as populações locais.

Ao longo de todo nosso ano de trabalho em 2020, reforçamos que os problemas enfrentados pela maioria da população brasileira durante a pandemia como o desemprego, a escassez de serviços públicos de saúde de qualidade, o medo da fome e da ausência de moradia, eram problemas que sempre rondavam a população mais pobre de nosso país e que em um contexto de crise, apenas se potencializou. Ao mesmo tempo, visibilizamos quem sempre esteve buscando por soluções e dando respostas a essa população, impedindo que o pior acontecesse: as mulheres negras, a população de favela, os movimentos sociais e ativistas comprometidos com justiça social e racial em nosso país.

Em nosso último lançamento do ano envolvendo o Mapa Corona Nas Periferias, vamos apresentar os diferentes “Brasis” que existem em nosso Brasil e ampliar a noção de periferia, uma vez que queremos trazer não apenas questões inerentes aos territórios, mas também as pessoas, entendo nossos corpos como territórios que sofrem com as desigualdades presentes em nossa sociedade, mas também como espaços políticos, de resistência e ação.

Entre os diferentes aspectos potentes nesse projeto, a possibilidade de discutir e pautar temas tão caros para nossa sociedade mas que ainda são tão invisibilizados, sem dúvidas é o principal. Além disso, ouvir histórias e análises a partir da perspectiva de quem vive diariamente essas realidades, também será um diferencial. Questões que passaram como secundárias na pandemia, mas que hoje já sabemos que precisam ser postas no centro dos debates de construção de respostas para o impacto da COVID-19, já que afetam milhares de brasileiras e brasileiros.

Trabalhadores invisibilizados perante as políticas públicas como trabalhadores rurais, autônomos, trabalhadoras domésticas, pescadores, profissionais do sexo, artesãos, atores independentes e tantos outros precisam ter suas histórias contadas. As comunidades pesqueiras do Nordeste, que após o derramamento de petróleo no fim do ano passado nas áreas litorâneas, que manchou areias, matou peixes e deixou centenas de trabalhadores sem sustento, além de terem gerado uma série de danos para saúde mental e consequentemente física desses homens e mulheres que dependiam da pesca, do turismo e da vida litorânea para sobreviver.

O descaso do governo federal naquele momento e no início da pandemia e a demora para propor soluções efetivas para aqueles trabalhadores informais que foram ainda mais afetados, apenas agravou a situação. Problemas como a impossibilidade de recebimento do auxílio emergencial, por parte de trabalhadores da pesca que já recebiam uma ajuda de custo (insuficiente) por parte do governo federal desde o derramamento de petróleo, seguido por uma série de impedimentos burocráticos é apenas um dos fatos que levou grupos da região Nordeste a proporem e implementarem soluções para seu sustento durante a pandemia.

O desafio das crianças que ficaram sem poder frequentar as escolas e projetos sociais que ocupavam seu dia e permitia que mães e responsáveis pudessem trabalhar, conforme já discutido nesta coluna, também apareceu nas reportagens produzidas. Dessa vez, foram apresentados projetos como o Telas Em Movimento, de Belém, no Pará que atende crianças e adolescentes e atuou ao longo de toda a pandemia não apenas com projetos culturais, mas também coletando e distribuindo alimentos para famílias periféricas impactadas financeiramente pela crise da Covid-19.

Ainda debatendo o Norte do país, as violações de direitos e a exploração existente em terras indígenas que durante a pandemia não apenas não cessaram como se potencializaram com o governo federal alinhado a garimpeiros, foi retratada a partir da perspectiva de lideranças indígenas. Vale lembrar, que nos últimos meses uma série de violações contra indígenas vieram a público, como por exemplo o caso das bebês da etnia Yanomami em Roraima, que morreram em um hospital após contraírem COVID-19 e tiveram seus corpos enterrados sem a permissão das mães em um cemitério da cidade de Boa Vista. Essa violência sofrida por essas mães e toda sua comunidade, chocaram ativistas e outros grupos uma vez que para a etnia Yanomami em hipótese alguma um corpo pode ser enterrado, e por isso o ato do hospital e do Estado foi algo sem precedentes para aquelas mulheres. Episódios se e outras análises de violações, além de dados importantes sobre o impacto da COVID-19 na vida de indígenas são apresentadas em nosso projeto.

O debate relacionado a população LGBTQIA+ durante a pandemia e em especial das mulheres trans e travestis durante a pandemia também chama atenção. Os projetos voltados para o atendimento desse grupo específico mostram não apenas a rede de solidariedade que a cada dia mais se forma ao redor de mulheres trans e travestis, que comumente são lideradas por elas mesmas ou outras pessoas LGBTQIA+, mas também o significado político da produção de respostas para esse grupo e também de ações focado nos desafios enfrentados por essas mulheres, independente de seu território. Na primeira fase do Mapa Corona Nas Periferias, isso ficou evidente nas ações cadastradas que ou não definiam seus locais de atuação, ou definiam apenas como foco o atendimento da população de trans e travestis em situação de vulnerabilidade social, correspondendo a quase 7% do total de ações cadastradas.

Todas essas histórias, experiências, iniciativas e projetos que foram construídos ao longo do ano de 2020, impactaram e marcaram a vida de centenas de pessoas que se viram sem apoio durante a pandemia de Covid-19. Ao mesmo tempo que essas iniciativas ocorriam de maneira emergencial, urgente e com tudo sendo “para ontem”, elas vislumbravam e apontavam também para um futuro possível diante da crise e no pós-crise. No próximo ano e daqui em diante, temos o desafio de fazer valer o desenho de sociedade que esses grupos de pessoas negras, periféricas, quilombolas, indígenas, LGBTQIA+ e tantas outras colocaram em prática em meio a crise e sem dúvida enfrentaremos mais esse desafio, juntos.

Para ler todas as reportagens do projeto Mapa Corona Nas Periferias, a partir de amanhã (15) acesse as redes sociais do Instituto Marielle Franco e do Favela Em Pauta. Não perca!

-+=
Sair da versão mobile