A supremacia branca vai continuar se saindo vitoriosa pelo tempo em que continuarmos calados

FONTEPor Jon Caramanica, do O Globo
O produtor Ryan Lewis e o rapper Macklemore lançam seu segundo disco, 'This unruly mess I’ve made' (Foto: BEN RAYNER / NYT)

NOVA YORK — A todo tempo, Macklemore & Ryan Lewis são observados de perto. O mais significativo nome do hip hop branco surgido desde Eminem, esse duo de Seattle se tornou um fenômeno pop, uma curiosidade do mundo rap e um para-raios sociocultural em 2012, a partir do single “Thrift shop”, do álbum de estreia “The heist”. Violenta e fora da ordem, a faixa se tornou a primeira de uma série de quatro hits computados no top 15 da Billboard, sendo que dois deles atingiram o topo das paradas.

O sucesso do rapper Macklemore (nascido Ben Haggerty) e do produtor Mr. Lewis foi considerado um reflexo da dissolução do centro do hip hop, e o alcance de seus limites mais externos — tínhamos ali um duo de hip hop preocupado em se opor à ostentação e com a igualdade das relações no casamento, uma combinação que se provou palatável para o público branco, que ajudou “The heist” a se tornar álbum de platina.

Mas o sucesso levou a momentos de fricção, como na cerimônia do Grammy 2014, quando o duo conquistou quatro prêmios — três deles em categorias vinculadas ao rap — e Macklemore proferiu um famoso discurso ao rapper Kendrick Lamar: “É estranho e é uma droga que eu tenha roubado de você”.

Após a polêmica, o duo se manteve à distância, em parte devido à recaída nas drogas de Macklemore. Mas agora eles estão de volta e acabaram de lançar o segundo disco de carreira, “This unruly mess I’ve made”, que segue a linha cabo de guerra do álbum de estreia. De um lado há canções excêntricas e atrevidas como “Let’s eat”, “Spoons” e “Downtown”, e por outro faixas confessionais, como as narrativa de “Kevin” e “White privilege II”, como o próprio Macklemore explicou na entrevista abaixo.

Até agora há três músicas de destaque: “Downtown”, “Kevin” e “White privilege II”. Duas são essencialmente pop. Você acha que, se não tiver um disco com faixas do mesmo nível de “Thrift shop”, “Same love” ou “Can’t hold us”, isso seria uma falha?

No ter um single agora talvez seja a melhor coisa para as nossas carreiras. Se “Downtown” tivesse vendido tipo cinco milhões, e tivesse em todas as estações de rádio o tempo todo, eu acho que isso seria mais problemático do que bom.

Acha que as críticas negativas irão diminuir caso você não tenha quatro grandes hits? Se a sua presença formenor, talvez você se torne menos ameaçador para os outros.

Faz algum sentido. Mas hoje eu estou mais calejado, de um jeito bom, em relação às percepções do público. Dizer que eu não me importo seria mentira. Mas seria bem acertado dizer que eu estou no meu melhor momento desde “The heist”.

Você se sente apoiado, de modo privado, por pessoas que não te apoiariam publicamente?

Entendo. Acho que eu sempre vou ser um artista que polariza muito em termos de opinião pública. Eu também não sou o tipo de pessoa que sai espalhando para todo mundo o que alguém que eu realmente admiro, por exemplo, acabou de dizer sobre mim. Mas você quer saber se existem momentos em que eu gostaria que o que me dizem privadamente fosse publicado? Sim, certamente. Mas eu também consigo entender isso de um jeito que não me deixa ressentido.

Alguma colaboração acabou não acontecendo para este disco?

Adele.

Para qual música?

“Growing up”. Ela deixou passar. É claro que, no começo, não recebíamos retorno de empresários de alguns artistas, mas na maioria das vezes não era assim.

O que você aprendeu com aquele episódio do Grammy? Tanto com a conquista dos prêmios como pelo que aconteceu depois?

Eu acho que foi uma reação meio fora de lugar, por medo. Ser capaz de enxergar para o que serve toda aquela máquina e então continuar sendo beneficiado por ela. Sabendo quem organiza os comitês, quem é o diretor do programa, qual é o público alvo, o sucesso mainstream, a América branca: olhar para tudo isso e ver como uma coisa é somada à outra me fez entrar em conflito com essa conquista. Eu provavelmente ainda acredito no que se baseava aquele sentimento, mas acho que foi um erro dizer aquilo num espaço público.

Pode soar estranho, mas vi naquilo algo como um “White privilege 1.5″, um momento de transição. A confusão do primeiro verso de “White privilege II” parece com o tipo de confusão que você deve ter sentido, imagino eu, com a repercussão gerada pelo seu texto. O que parecia ser o modo mais responsável de lidar com aquilo se tornou, na verdade, o modo menos responsável de lidar com aquilo.

“White privilege II” é uma conversa sobre a questão racial nos Estados Unidos, apropriação cultural, privilégio, supremacia branca. É realmente um assunto complicado, problemático, com diversas áreas do tipo “Ó, não pisa ali, não diz isso, não faça aquilo”. Então as pessoas ficam em silêncio, e o sistema todo se perpetua. A supremacia branca vai continuar se saindo vitoriosa pelo tempo em que continuarmos calados.

“White privilege II” é uma faixa de nove minutos, o que não é bem pop.

Bom, falar de supremacia branca, privilégio, brutalidade policial ou apropriação cultural é algo que pode ser condensado em nove minutos, mais do que em três minutos. A ideia era criar uma peça de áudio que operasse em vinhetas.

Eu não sei se foi deliberado, mas ela me fez pensar em “Stan”, do Eminem. É uma peça narrativa, mas ainda assim é pop. Como “By the time I get to Arizona” ou “____Tha police”, que são guiadas por mensagens mas continuam dentro da estrutura pop.

Eu não queria me conformar. Era para ser desconfortável. É possível ser desconfortável?

Você não acha que poderia ter feito o que fez com “Same love”?

Não, acho que não.

Você acha que ser um rapper branco é algo implicitamente político?

Não. Inúmeros rappers brancos não estão a fim de falar de política, ou de expor a sua branquitude em entrevistas.

Você acha que podia ser um rapper branco sem ser um rapper político?

Sim, eu poderia.

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