Arquiteta, mestre em Urbanismo e feminista, Tainá de Paula, não se desconecta da origem, em uma favela da Praça Seca, para conduzir sua trajetória pública. À frente da Secretaria Municipal de Ambiente e Clima do Rio de Janeiro, ela puxa as comunidades populares para o debate e atendimento das demandas, historicamente dedicados aos ninhos dos ricos cariocas. Ela desfia ao #Colabora planos, realizações e angústias no cargo. “Sou o acumulado de sonhos, conquistas, enfrentamentos – só por isso estou aqui. Não posso desanimar, mas precisamos de grandes viradas de chave”, alerta.
Filiada ao PT, Tainá, 40 anos, guarda no escurinho da carteira de identidade o último sobrenome: Kapaz. Pela história que vai construindo como vereadora e, agora, na secretaria, está totalmente baseado em fatos reais.
#Colabora – A ministra Marina Silva defendeu, em sua posse, a transversalidade nas demandas do meio ambiente, que precisa permear toda a gestão pública. Como aplicar isso à esfera municipal? O prefeito concorda com essa tese?
É o único caminho da pauta ambiental, porque precisamos articular os orçamentos. Um exemplo: estamos trabalhando muito nas favelas – mas como inseri-las numa rede ambiental e socialmente referenciada, somente a partir da governança da Secretaria de Ambiente, sem articular Secretaria de Habitação, Comlurb, setores de infraestrutura e conservação? Se nos territórios ditos urbanizados temos a incidência de diversas pastas, por que não levar às favelas o trabalho intertransdisciplinar?
#Colabora – E o status? O meio ambiente, nos governos, continua abaixo de saúde, educação, fazenda, segurança?
É uma das chaves do processo de reestruturação da secretaria. Estamos na reconstrução da pauta ambiental no Brasil, que foi não só massacrada do ponto de vista teórico, pela narrativa bolsonarista, mas do prático, de desmonte também. Estou refletindo aqui não só um retrocesso nas resoluções nacionais, mas na negligência da fiscalização de proteção dos territórios, ecossistemas e biomas. E isso se entranhou nas gestões estaduais e municipais. Existe agora um contexto e um colegiado de ações e de programas, uma agenda programática muito consolidada que posiciona a Secretaria de Ambiente e Clima em outro lugar no ranking inclusive internacional das gestões públicas municipais. É um grande holofote vocalizar uma agenda urbana sustentável, para nos aproximar de fundos internacionais, agentes e financiadores. Fazer a gestão ambiental mais qualificada vai nos aproximar do modelo de cidade que
#Colabora – Qual é o principal desafio?
Reposicionar a pauta ambiental no Rio de Janeiro tanto do ponto de vista político como do financeiro. O prefeito vem atendendo nossas convocações e reivindicações. Lançamos projeto robusto de educação ambiental e governança dos resíduos sólidos com mulheres de favelas, as guardiãs das matas, tudo antenado com a chave das soluções locais e com foco nos territórios vulneráveis. O programa “Cada favela uma floresta” entende que uma e outra precisam caminhar juntas com o novo modelo de cidade ambientalmente referenciado. Aqui entram os saberes e soluções locais tradicionais.
#Colabora – Porque as urgências estão aí, aos gritos.
No reflorestamento, no saneamento básico, mas principalmente nas soluções tecnológicas de resiliência. O Rio não é uma cidade adaptável e a temperatura irá gradualmente aumentar, o nível do mar vai subir, e choverá mais. É muito importante, claro, mitigar os impactos, mas também formular uma cidade que consiga se adequar a este momento novo da emergência climática.
#Colabora – Nas reuniões do executivo municipal, você sente sinceramente que são pautas prioritárias? Ou o buraco da rua ainda está ganhando?
Ainda é uma conquista a ser atingida, mas percebo de forma muito concreta a mudança de entendimento da população. Hoje, há um entendimento da importância de discutir a perda financeira e econômica decorrente das chuvas. Vêm daí a canalização e as obras de contenção do rio Joana, a grande obra na Praça da Bandeira, clássico ponto de alagamento, e da Lagoa.
#Colabora – Mas as reivindicações vêm do aumento de consciência pela crise climática?
Dá no mesmo. Os avanços surgem das demandas da população. A urgência carrega a pauta. Por isso, entendo que uma das minhas tarefas é garantir que o Rio tenha uma grande comitiva na próxima COP. Que a gente vá para Dubai com uma hiper-representação, para formar melhores gestores na pauta da governança climática. Devemos construir também um ecossistema na sociedade civil, que deverá estar organizada, antenada. Sabemos muito bem os gargalos da democracia de baixo alcance. A mudança do ecossistema de pensamento e reivindicação coletiva é fundamental. Estou muito focada nisso.
#Colabora – A preocupação com o clima ainda precisa se popularizar?
Sou uma gestora de passagem, né? De mandato. Então se conseguir um ciclo de popularização da pauta climática e ambiental, será um golaço. Hoje o assunto ainda é debatido por um setor minoritário na sociedade. É muito importante que territórios populares, dos comuns, reivindiquem isso de forma muito potente, assim como se pede creche, água, outro modo de vida, trabalho, acesso à renda, lazer. Isso precisa ganhar fôlego, chegar à boca do povo.
#Colabora – Os aplicativos de transporte são vilões ambientais?
É utopia pensar em removê-los do cotidiano, já era. Seria como fazer greve contra o e-mail e querer as máquinas datilográficas de volta. O transporte individual é um vilão ambiental e estamos perto de um colapso se nada for feito em relação a ele. O prefeito optou pelo modal de média capacidade, que é o BRT, entendendo como uma etapa para os transportes de alta capacidade.
#Colabora – Quais?
Metrô e trem, mas quero inserir a barca aqui, porque é ridículo na nossa configuração geográfica o transporte marítimo não ser massificado. Acho irracional as pessoas que moram na Pavuna e em Ramos não usarem o barco para chegar ao Centro da cidade. Niterói e São Gonçalo tinham que ter 12 estações de barca. Têm uma. E não estou nem falando de transporte metropolitano. A gente não investir massivamente em transporte aquaviário nesse espelho d’água beira o crime, a leviandade institucionalizada.
#Colabora – Mas como vencer a vontade individual de se locomover individualmente? Como convencer alguém de Realengo a usar o trem?
Querer que alguém de Nova Iguaçu prefira o parador Morro Agudo-Central é brincadeira. É justamente aqui a chave: o transporte público tem que ser incrível, moderno, precisa de ar-condicionado, fraldário, banheiro limpo, sala de trabalho. A ampla maioria da população brasileira hoje, principalmente a periferizada, tem empregos e estuda de manhã no tempo que dá. Essas estações intermodais precisam entregar muito mais do que simplesmente transportar. O nosso transporte de massa pendular, que vai da periferia até o centro, carregava basicamente classe trabalhadora enegrecida, pauperizada, da favela, que era submetida ao pensamento “pra quem é tá bom”.
#Colabora – Racismo também na mobilidade?
Basta pegar, como exemplo, o controle de qualidade do metrô da linha 1. Por isso, o certo é misturar os setores da população, para que se perca a noção de que se está servindo uma empregada doméstica ou um juiz. Como não há mix social no Brasil, a periferia sofre. O gestor público ganha liberdade de negligência. E uma das principais companhias ferroviárias do planeta, construída pelo Barão de Mauá, foi-se deixando arruinar até chegar no que é a Supervia hoje: uma porta-voz do sucateamento programado do transporte de massa da população periférica brasileira.
#Colabora – Enquanto muitas metrópoles têm ônibus elétricos, o Rio sequer consegue que os veículos sejam refrigerados. Como levar boas práticas ambientais ao setor?
Estamos ficando para trás na discussão de transporte limpo. O setor é um dos principais responsáveis pela poluição e será um dos principais ataques se quisermos avançar. Temos que mitigar a frota existente. Mas perdemos oportunidade no contexto de compra dos últimos 600 BRTs, ainda numa tecnologia fóssil. Precisamos racionalizar nossas compras futuras de ônibus com secretarias de transportes, fazenda e meio ambiente. E conscientizar o próprio setor, no amor e na dor, com agências reguladoras conduzindo as concessionárias.
#Colabora – A mobilidade melhorará num futuro visível?
A solução da mobilidade não está distante. Mas temos defasagem em todas as áreas. O Aterro do Flamengo pauta nossas soluções urbanas há 60 anos. Veja a Barra da Tijuca: do ponto de vista urbano, é um fracasso ambiental. Não há, por exemplo, uma ciclovia que conecte a orla ao Parque de Marapendi, nem transporte hidroviário nas lagoas da Barra e de Jacarepaguá. Não há conexões verdes, pomares urbanos, agroflorestas urbanas nos grandes parques da região. O Bosque da Barra, o Parque de Marapendi e a Reserva da Prainha são grandes unidades de conservação, grandes conjuntos arbóreos, gigantescos pulmões ambientais que não se conectam. A ampla maioria das pessoas sequer conhece. Ou seja, mesmo num lugar com mais dinheiro, visibilidade e poder, tem carência.
#Colabora – E num bairro planejado por Lúcio Costa, um dos maiores urbanistas do Brasil.
O piloto dele é insuficiente e inadequado para o tipo de cidade que a gente tem. Teria que ser atualizado. Em resumo: nossas ideias de progresso e de moderno são conservadoras, retrógradas. O Rio de Janeiro não está alinhado aos avanços e desafios do século 21.
#Colabora – As encostas cariocas são um exemplo de racismo ambiental que salta aos olhos. Aqui, se esbarra na questão habitacional. O que fazer?
A Prefeitura faz trabalho de acompanhamento muito fino de possíveis casos de deslizamento e monitoramento de áreas, mas os moradores mencionam a dificuldade e o tempo curto para sair de suas áreas. Procuramos qualificar isso.
#Colabora – Você é a favor da privatização dos parques? Qual o modelo que defende? Haverá condicionantes ambientais?
Esse tema rendeu um quebra-pau meu com o prefeito (risos). Mas chegamos num modelo interessante. Um dos pontos inegociáveis é que não teremos cobrança em nenhum parque público. A privatização estará concentrada nos serviços. Quiosques, restaurantes, tirolesa, haverá utilização para fins privados. A contrapartida é a preservação das unidades de conservação dos parques. Conseguimos a garantia de gratuidade e o mais importante, a partir do desenho da concessão, ajuda para ações ambientais nas comunidades onde as unidades de conservação estão. Vamos criar conselhos dos parques, com governança tripartite: gestor público, sociedade civil e concessionário.
#Colabora – Você sonha com uma cidade mais ambientalmente correta? Estamos muito longe de um padrão razoável de sustentabilidade?
Ao mesmo tempo em que estou muito angustiada com a proximidade de 2030 e com minha curtíssima presença à frente da secretaria – o tempo eleitoral é muito curto, até a própria gestão do presidente Lula será muito breve -, precisamos pensar ações a longo prazo, continuadas. Pensar no simbólico e nas emergências. Tenho angústia grande de ampliar o debate com mais fôlego, como tocar setores além dos ativistas, sensibilizar colaboradores, formadores de opinião. Juntar um ecossistema de vontades individuais. Desde o incentivo à coleta seletiva até a mudança coletiva, da logística reversa, do lixo zero, do carbono zero, da transição ecológica, são chaves inegociáveis para a mudança.