A verdadeira mulher africana

FONTEPor Fabiane Albuquerque
Foto de Bintou Mariam Traoré- fonte Jeune Afrique

A jornalista da Costa do Marfim, Bintou Mariam Traoré, assistindo a um programa televisivo ouviu a seguinte frase: “Uma verdadeira mulher africana deve parir naturalmente, sem anestesia”. Foi então que ela teve a ideia de lançar a hashtag #Vraifemmeafricaine (Verdadeira mulher africana). A iniciativa provocou um efeito bumerangue nos estereótipos aos quais as mulheres africanas são submetidas diariamente e, em todos os países que falam o francês, fez discutir os papeis de gênero e fez emergir as tradições patriarcais, sacudindo os homens que, geralmente, usam a ocidentalização e a colonização dos costumes, para recusar discutir gênero. As mulheres africanas soltaram a voz e, o que escreveram, é um material precioso para analisar a luta feminista no continente:

 “Uma #VraieFemmeAfricaine pede desculpas quando o marido bate nela, porque ela merecia”, 

 “Uma #VraieFemmeAfricaine deve lavar os pés do marido e massageá-los todas as noites ou não entrará no paraíso”,

“Uma #VraieFemmeAfricaine cultiva a terra”, 

“Uma #vraifemmeafricaine fica atrás de seu marido quando eles andam pela rua. Andar ao lado dele é desrespeitoso.”

“Uma #vraifemmeafricaine não se incomoda com suas ondas de calor. Estamos na África, o calor é para todos!”

“Uma #vraifemmeafricaine, com a pele mais clara é melhor. Ei, mas não pense que você é branca!”

“Uma #vraifemmeafricaine não ri, pois ela pode parecer inteligente. (Provérbio africano: mulher que ri, homem que transpira).

“Uma #vraifemmeafricaine não apresenta queixa contra o marido para não arruinar a vida dele”.

“Uma #VraieFemmeAfricaine não conhece a rebelião, apenas o reenquadramento.”

“Uma #VraieFemmeAfricaine é como o franco CFA: a emancipação nunca chega”.

“Uma #VraieFemmeAfricaine sabe que o dia 8 de março é o dia da tanga para as mulheres.”

“Uma #VraieFemmeAfricaine não conhece a menopausa. Tem “pausa” no nome…”

“Uma #VraieFemmeAfricaine deixa sua filha buscar água das 4h às 16h, enquanto seu filho dorme ou assiste ao futebol.”

 “Uma #VraieFemmeAfricaine não deixa seu filho na creche.”

“Uma #VraieFemmeAfricaine é: Se o seu marido te violar ou aos seus filhos, não deve apresentar queixa nem se divorciar dele. Deve publicar anonimamente em grupos de mulheres para que elas a encorajem a ficar e lhe dêem Salmos para rezar contra o diabo.

“Uma #VraieFemmeAfricaine se ajoelha para falar com o seu marido ao telefone, não importa onde ele esteja.”

 “Uma #VraieFemmeAfricaine em casa, se a tua licença maternidade dura mais de 48 horas, você não é uma verdadeira africana.”

“Uma #UneVraieFemmeAfricaine não deve herdar terras do seu pai, isso traz má sorte.”

 “Uma #VraieFemmeAfricaine não diz o nome do seu estuprador, para não estragar a vida dele.”

“Uma #VraieFemmeAfricaine deve morrer antes do marido se ela quiser paz na família”.

“Se você está lendo isso, você não é uma #VraieFemmeAfricaine porque as africanas autênticas não vão à escola”.

“O único verbo que uma #VraieFemmeAfricaine tem que saber conjugar em todos os tempos é mougne. Que significa “tudo suportar” em wolof”.

“Se você dá muito tempo entre um filho e outro por causa de sua saúde e da saúde de seus filhos, você não é uma #VraieFemmeAfricaine, você é uma criminosa enviada pelo Ocidente para cometer genocídio!”

 As publicações dividiram a opinião dos homens, houve os que se ofenderam com as críticas às “práticas ancestrais” e aqueles que nada entenderam, continuando a opinião de que as tradições precisam ser mantidas. No Brasil, do outro lado do oceano, há a tendencia a considerar a “verdadeira mulher negra”, aquela ligada aos mesmos estereótipos que as africanas levantam e, mais, a considerar aquela que jamais levanta a questão de gênero, que coloca a raça na frente (ou seja, o homem da raça na frente) e, se outra mulher negra denunciar ou expor um homem negro abusivo ou machista, ela será banida da comunidade das “verdadeiras mulheres africanas” 


Fabiane Albuquerque é socióloga, escritora e feminista. 

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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