Abandono

Deitado na calçada, um menino. Uma CRIANÇA. Profundamente adormecido. Apagado. Podia ser consequência da fome, da cola ou, simplesmente, tristeza. Estava VIVO. Respirava. Notei. Uma criança NEGRA, largado no tempo, desamparado. Sozinho. O sentimento de impotência foi devastador. Ainda tentei, timidamente, falar com ele, acordá-lo.

Torci para que abrisse os olhos e ao menos soubesse que alguém tinha parado e visto que ele estava ali. Imaginei oferecer algum dinheiro para que fosse comer algo e beber uma água, um suco, um refrigerante. O sol estava forte, a calçada devia estar quente, ele devia estar com fome e sede depois de um sono, um ABANDONO, tão profundo. Mas ele não acordou.

Contemplei o menino por mais alguns instantes e segui meu caminho. “Estou atrasado”, pensei, tentando acalmar minha consciência, “não posso perder o voo”. Mas o menino não saiu da minha cabeça, ficou ali martelando. A profundidade de seu sono se configura no retrato acabado de nossa desgraça: a normatização da INDIFERENÇA, o rebaixamento de nossa própria humanidade, uma sociedade cada vez mais desprovida de compaixão e solidariedade.

EU não fui capaz de fazer nada por ele (nem por tantos meninos que cruzam o meu caminho todos os dias). Agora sinto essa tristeza profunda, envergonhada, inútil, flutuando no espaço. Com a certeza acachapante de que perdi a oportunidade de fazer a diferença no momento raro em que UM menino se fez visível no meu caminho.

por Atila Roque, do Opinativas

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