Abusos provam que estamos por nossa conta

Paraisópolis (Lalo de Almeida/UOL)

Projeto brasileiro de extermínio da racialidade indesejada se escancara em situações como a vivida em Paraisópolis

Por Bianca Santana e  Douglas Belchior, na Folha de S.Paulo 

 

Paraisópolis (Lalo de Almeida/UOL)

“Em nenhum outro momento do pós-abolição o projeto de extermínio da racialidade indesejada se tornou tão evidente no Brasil e com tamanho apoio ou indiferença social, expondo negras e negros a iniquidades sociais como chacinas, extermínios, genocídio, feminicídios e mortes preveníveis e evitáveis.

Estamos por nossa conta”, afirmou Sueli Carneiro na mesa de abertura do 1º Encontro Internacional da Coalizão Negra por Direitos, realizado nos dias 29 e 30 de novembro.

A afirmação contundente ganhou materialidade na ausência de três militantes, que precisaram ficar nos territórios para enterrar nossos mortos.

Na segunda (25), seu Vermelho, 89, líder do quilombo Rio dos Macacos, na Bahia, foi assassinado a machadadas. Rose e Franciele, que participariam do encontro, não puderem compartilhar desses dias conosco. Assim como Miriam, da Amparar, Associação de Amigos e Familiares de Presos, que perdeu seu sobrinho Felipe, na madrugada de sábado (22), por overdose.

No dia seguinte ao evento, recebemos a notícia de que nove jovens foram mortos e outros tantos ficaram feridos em uma ação policial para dispersar um baile funk na favela de Paraisópolis.

Quase todos negros, estavam exercendo o direito ao lazer e à cultura, expresso na Constituição e no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), quando foram encurralados por policiais que disparavam bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e distribuíam garrafadas e pontapés.

Tanto o crescimento anual de 350% no assassinato de quilombolas quanto a urgência de uma nova política de drogas, a letalidade policial e as frequentes ações policiais de criminalização e repressão a bailes funk foram temas do encontro, que reuniu cerca de 700 pessoas na Ocupação 9 de Julho, no centro de São Paulo.

Estiveram presentes convidados de 20 estados brasileiros, além de 14 participantes de outros países —de África do Sul, Togo, Colômbia, Equador, Reino Unido e Estados Unidos.

A Coalizão Negra por Direitos reúne cerca de cem entidades de todo o país na promoção de ações de incidência política internacional e no Congresso Nacional.

Em fevereiro, protocolamos uma denúncia do chamado pacote anticrime de Sergio Moro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

A ação resultou em uma audiência na Jamaica em que 14 representantes da Coalizão testemunharam uma comissária daquele órgão oferecer ajuda aos representantes do Estado brasileiro para a formulação de projetos de lei para segurança pública, já que aqueles não continham uma única evidência científica que balizasse sua efetividade.

Em março, estivemos com 30 representantes na Câmara, em reunião com os parlamentares negros Orlando Silva (PCdoB-SP), Áurea Carolina (PSOL-MG), Benedita da Silva (PT-RJ) e Talíria Petrone (PSOL-RJ), para o planejamento de ações antirracistas.

Na mesma ocasião, nos reunimos com o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que nos garantiu a não tramitação de projetos de lei de revogação das cotas raciais, dada a importância e a eficácia comprovada das ações afirmativas.

Voltamos a Brasília em junho, quando 50 entidades negras se reuniram com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para reafirmar a necessidade de debate amplo do pacote Moro, sem a aprovação rápida esperada pelo governo.

Ao longo de nove meses, participamos de audiências públicas, tanto no grupo de trabalho de análise do pacote como em ações relacionadas ao acordo de salvaguardas tecnológicas entre Brasil e Estados Unidos, que coloca em risco 800 famílias quilombolas de Alcântara, no Maranhão.

Diante da aprovação desse acordo no Brasil, nossa ação internacional se torna ainda mais estratégica. No encontro, foi acordada uma Carta de Princípios da Coalizão, a ser divulgada nos próximos dias.

Preta Ferreira e Carmen Silva, lideranças do Movimento Sem Teto do Centro, estão impedidas, por medida cautelar, de entrar na Ocupação 9 de Julho.

Por isso, duas comitivas fizeram visitas a elas no sábado (30), para demonstrar solidariedade na perseguição política, de criminalização de movimentos sociais, que elas vêm sofrendo, e agradecer pelo acolhimento no espaço —símbolo de resistência, solidariedade e autonomia no exercício do direito à moradia. Afinal, estamos por nossa própria conta.

Mas vale repetir: o que liga a família Bolsonaro ao caso Marielle?

Bianca Santana é autora de “Quando Me Descobri Negra” (Sesi-SP Editora) e colaboradora da UNEafro-Brasil; Douglas Belchior é professor formado em história pela PUC-SP, é militante do movimento negro e membro fundador da UNEafro-Brasil

 

Leia Também:

Apenas política urbana racista explica massacre de Paraisópolis

Nota pública da Comissão Arns

Massacre de Paraisópolis: Não foi acidente. É genocídio!

-+=
Sair da versão mobile