Ações Afirmativas no MP: sinalizações para o enfrentamento ao racismo estrutural?

O Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aprovou, na terça-feira última, 13 de junho, por maioria, duas propostas de resolução que instituem, respectivamente, reserva aos negros de 20% das vagas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos no CNMP e de ingresso nas carreiras do Ministério Público brasileiro. O procedimento administrativo teve como parte interessada a organização Educafro e contou com manifestação da Articulação Justiça e Direitos Humanos – JusDh.

Por Allyne Andrade e Sheila de Carvalho Do Justificando

A adoção da resolução, em especial, no Ministério Público é mais uma fronteira transposta no campo de democratização do sistema de justiça.

Informações prestadas pelos Ministérios Públicos locais ao CNMP demonstram a flagrante ausência de representatividade negra na carreira. A título de ilustração, o Ministério Público do Rio de Janeiro declarou que, entre 910 promotores, apenas quatro são negros. O MP do Distrito Federal alegou ter dez negros entre seus 370 promotores. O MP de Minas Gerais afirmou possuir 87 promotores negros num universo de 1003. Chegando até mesmo ter locais onde não há nenhum promotor negro, como no caso do Rio Grande do Sul onde, de acordo com o declarado pelo MP-RS, não há nenhum promotor negro entre os seus 700 promotores.

O processo seletivo das carreiras jurídicas vem sistematicamente produzindo o resultado perverso de favorecer um mesmo perfil de candidatos que, em geral, são aqueles que não pertencem e nunca pertenceram aos grupos sociais excluídos e marginalizados. Os concursos acabam medindo mais investimento financeiro do que acúmulo de conhecimento. Leia-se: quem se escolhe são os detentores dos privilégios – selecionando à exaustão homens, brancos, de classe média.

A reserva de vagas permitirá o recrutamento de profissionais detentores de experiências diversificadas, o que se apresenta não só como solução para diversificar a carreira em termos numéricos, mas para de forma qualitativa ampliar horizonte interpretativo social dos promotores.

Espera-se que esse seja um passo na reversão de um processo ainda mais perverso que tem o Ministério Público com um dos atores principais: a seletividade racista do sistema penal brasileiro. Isso se percebe tanto pela inação perturbadora do Ministério Público no que tange aos assassinatos cometidos por policiais encobertos pelos “autos de resistência”, pela sofrível (ausência de) atuação no controle externo as polícias, bem como pelo papel que exerce no encarceramento em massa.

A seletividade racista da justiça criminal, apesar de ignorada pelos integrantes do sistema de justiça, é facilmente comprovada. A população carcerária do Brasil chegou ao número de 622.202 presos, dos quais 61,6% são negros (pretos e pardos), segundo dados do Infopen/Ministério da Justiça.

Uma pesquisa feita pelo Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) aponta que o número de negros mortos em decorrência de ações policiais para cada 100 mil habitantes em São Paulo é três vezes maior que o registrado para a população branca. Dados da Anistia Internacional informam que quatro a cada cinco vítimas de homicídios decorrentes de intervenção policial na cidade do Rio de Janeiro são homens negros.

O sistema de justiça tem operado como um braço instrumentalizador do racismo estrutural brasileiro, reproduzindo em sua lida diária, com todo o peso de suas institucionalidades, a desigualdade racial. Embora, na letra fria das legislações, o Sistema de Justiça seja um local de resguardo dos direitos humanos de todas e todos, na prática ele reforça a desvalia da vida humana dos homens e mulheres negras para o estado brasileiro.

Espera-se que a adoção de ações afirmativas faça a instituição refletir sobre o racismo institucional que a permeia também nos seus métodos e instaure-se um círculo virtuoso necessário à verdadeira democratização do país, de seus espaços de mando e decisão e de construção de narrativas oficiais.

Allyne Andrade é Supervisora de Educação do Ibccrim, mestre  e doutoranda em Direitos Humanos pela USP.

Sheila de Carvalho é Advogada e Militante de Direitos Humanos. Mestranda em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade do ABC. Ambas integram a Articulação Justiça e Direitos Humanos – JusDh.

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