África, não!

África, não!

Namíbia, fica no sul da África e foi um território colonizado por alemães e uma das opções para a deportação dos brasileiros de “melanina acentuada” num futuro próximo. Esta iniciativa do governo brasileiro foi nesta ficção, uma medida tomada depois que um advogado exigiu a indenização de R$ 900 bilhões de reais pelos quase 400 anos de trabalhos forçados.

Para os agentes do governo identificar quem possui “melanina acentuada” não foi um problema, esta questão aparece na peça como na vida real como um problema para quem não construiu uma identidade afirmativa, apesar das marcas da origem africana. Mas estas marcas nunca serão suficientes como ouvi na saída, uma mulher jovem dizendo que ela não era “apenas afrodescendente”, mas também tinha outras misturas. No tempo da peça seu dilema já estaria resolvido.

Muitos talvez não queiram ir para a Namíbia, já que lá, se fala o alemão. Quem sabe Angola ou Moçambique entre os países africanos de língua portuguesa? Ou simplesmente a África? Não, já nascemos aqui e mais do que isso, trabalhamos aqui, temos nossos parentes, amizade, construímos juntos parte da riqueza da qual poucos se beneficiam.

No texto da peça, nem se fala das delícias do samba entre outras coisas que se devem a nossa criatividade e são parte da nossa resistência que se tornaram símbolos da nação (e de diversão!). O que fica mais em evidência são mesmo algumas conquistas recentes como as cotas raciais como mecanismos compensatórios para os séculos de trabalho escravo. Aí, o questionamento segue firme, aponta sua legitimidade contrapondo a proibição dos negros em frequentarem as escolas destinadas apenas aos filhos de imigrantes, e as cotas de terras para europeus embranquecerem a nação.

Mas e a África, ir ou voltar? Abrir mão de tudo o que se construiu aqui?

“Eu não conheço ninguém lá!”, “Eu sou parda!” “Eu não sou africano!” algumas vozes, alguns pensamentos sempre podem interferir na hora dessa decisão, mesmo diante da medida do governo.

Poderíamos também perguntar: e tudo o que construímos depois da escravidão, as perseguições ainda sofridas, o mau atendimento médico, a invisibilidade, a chacota racista, as perseguições, etc,etc. continuamos culpados, criminalizados pelo “defeito de cor”?

A peça, o texto, é um convite à reflexão, assim ela é finalizada pelos atores em agradecimento ao público. Nem tanto drama, nem tanto comédia, mas a peça transcorre leve e reflexiva com dois excelentes atores negros Aldri Anunciação também autor do texto e Flávio Bauraqui dirigidos por Lázaro Ramos.

Em alerta, Lázaro observa no folheto da peça para o perigo da ‘história única’ feito pela escritora nigeriana Adichie. Certamente, ele quer dizer da chamada história oficial que se insin(u)a ainda nas escolas e na mídia, apesar da lei do ensino afroindígena em respeito à diversidade dos povos que constroem o Brasil.

Por fim, o apelo é para que não nos deixemos enganar pelo diversionismo do retorno à África, ainda que não devamos deixar de reclamar por todos os direitos subtraídos e negados pelos quase quatro séculos de trabalho forçado que ajudaram a construir este nosso país. Aqui é a nossa África (“a África mora em nós!”) para horror dos que sonham em transformar este país numa Europa tropicalizada. Ou para alguns do outro lado da fronteira social que teimam em sonhar o sonho impossível!

Fonte: Atabaque Blog

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