Afrofuturismo e uma plataforma web de voo artístico

“Dúdús” em iorubá significa “escuros, negros, pretos”, explica o arte-educador Gabriel Hilair. Também é o nome da plataforma criativa no Facebook e no Instagram que ele idealizou para reunir talentos negros. É que os criadores afrodescendentes do mundo das artes em geral, e do mundo digital em particular, não têm tanta visibilidade e, apesar de o universo virtual continuar a significar a possibilidade de um futuro (imediato) de novidades, termina por repetir as barreiras, tabus e preconceitos do mundo real.

por Denise Mota no Preta, Preto, Pretinhos

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“Em grupos no Facebook e no Instagram, jovens negros não acadêmicos ou profissionais criativos compartilham suas ideias de trabalho pedindo a opinião de outros irmãos e rola um engajamento real da comunidade, até com pedidos e orçamentos”, conta Gabriel, também escritor, stylist e produtor cultural. “Mas o processo acaba aí e essas ideias se perdem. Então na Dúdús podemos compartilhar ideias de arte e produto, pedir opiniões, aperfeiçoá-los e concluir o processo com a realização do projeto na forma de protótipo, seguido de uma campanha de financiamento coletivo para a produção do material.”

A plataforma está aberta a “qualquer pessoa negra”, afirma o rapaz mineiro de 18 anos, que se mudou para São Paulo há pouco mais de um mês. “A arte é um importante meio de resistência e ação política. Quando um artista negro chega ao ponto de expor sua indignação em protesto, ele já passou por uma série de mazelas cotidianas alimentadas pelo racismo. A arte é uma via para compartilhar um sentimento que está atrelado a uma revolta de outros pretos no mesmo contexto sociopolítico. Isso potencializa os laços de irmandade entre nós e influencia a variação das táticas de intervenção do movimento negro”, comenta.

“Estamos cansados de assistir”

A Dúdús também combate as dificuldades de inserção de homens e mulheres negros no universo tecnológico, como conta ao blog Vitória Cribb, estudante de design e colaboradora da plataforma.

“Imagine uma montanha, onde na base não há nada e no cume há tudo. Agora imagine que você é uma mulher negra escalando essa montanha lisa, escorregadia e sem pontos de suporte. Difícil, não? Sobretudo com a tirania de que um desvio bobo pode te fazer cair no limbo. Assim eu enxergo a caminhada do negro na arte e na tecnologia. Diz-se muito que a geração Z veio para revolucionar, mas do que tratam é da geração Z branca. Os negros da mesma geração não possuem o mesmo acesso a essas tecnologias”, afirma.

“O jovem negro está inserido nas novas tecnologias apenas como espectador. Um aluno negro de baixa renda que não domina inglês, por exemplo, encontra uma imensa dificuldade em aprender determinadas ferramentas que auxiliam a produção artística digital e tecnológica. Estamos cansamos de assistir e queremos produzir novos conteúdos, somar com o cenário criativo brasileiro, sermos representados e representar. Representamos os ancestrais de um povo futuro que poderá desfrutar da liberdade de criar, produzir e ser humano de forma plena.”

O mais recente eixo de trabalho na plataforma é uma série de materiais que verão a luz nos próximos dias e cujos primeiros resultados ilustram este post. São criações sobre “afrofuturismo”, como um micrometragem de Vitória Cribb (veja imagem abaixo) sobre a inserção do negro “na chamada nova tecnologia”, conta Gabriel.

Afrofuturismo? O inventor da Dúdús explica: “É um movimento pluridisciplinar que utiliza a arte para estabelecer o encontro entre o resgate da história, da ancestralidade, da mitologia e da cosmologia africanas e diaspóricas com a tecnologia, a ciência, o novo e o inexplorado, é a utilização de elementos contemporâneos por jovens negros para manifestar características atuais do nosso povo, conectando o passado que nos permitiu evoluir para o que somos hoje às propostas do que desejamos para o nosso futuro e tendo a arte como potencial para que essas relações sejam transpassadas através das gerações”.

Ao longo deste mês de outubro, a Dúdús vai mostrar outras duas iniciativas. Uma delas é o projeto gráfico para o single “Madrugada”, da cantora, dançarina e coreógrafa Leona, com styling de Gabriel e peças da marca Cemfreio, de Victor Apolinário, com fotografias de Murillo José no apartamento e ateliê do artista plástico Thomaz Rosa. Outra série trará o modelo Liuthab Felício com styling de Gabriel e fotos de Murillo José.

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