Alaíde do Feijão, matriarca do movimento negro na Bahia

Cozinheira, reunia políticos e artistas em seu restaurante

FONTEFolha de São Paulo, por Cristina Camargo
Imagem: Heitor Salatiel

O movimento social negro da Bahia perdeu no último dia de janeiro a sua matriarca, conselheira e articuladora: Alaíde da Conceição, mais conhecida como Alaíde do Feijão, a cozinheira que transformou o restaurante de mesmo nome em ponto de encontro de ativistas, políticos, intelectuais e artistas.

Localizado no Pelourinho, no centro histórico de Salvador, o restaurante Alaíde do Feijão conquistou páginas em guias turísticos por causa do tempero de seu prato principal, da qualidade do serviço e, principalmente, do talento da cozinheira para receber as pessoas, com quitutes e afeto.

Aos 72 anos, Alaíde sofreu uma parada cardiorrespiratória devido a sequelas da Covid-19. Ela estava internada em um hospital da capital baiana e não resistiu.

“Trata-se de uma perda irreparável, que deixa órfão todo o movimento negro brasileiro”, lamentou, em nota, o Coletivo de Entidades Negras. “Foi no seu estabelecimento, conhecido pela feijoada e outros quitutes, que nasceram acordos políticos históricos e surgiram movimentos novos de luta por direitos.”

Entre os movimentos citados pelo coletivo está o “Eu quero Ela”, que estimulou, em 2020, o lançamento de candidaturas de pessoas negras à Prefeitura de Salvador.

Os ativistas e políticos que fazem articulações nas mesas do restaurante são conhecidos em Salvador como “bancada do feijão”.

A tradição do feijão, da rabanada e do mocotó começou em frente ao Elevador Lacerda, um dos mais famosos pontos turísticos baianos. A mãe da cozinheira, Maria das Neves, vendia quitutes em um tabuleiro na rua e assim cuidou dos 12 filhos. Alaíde herdou o tempero e o ponto comercial e ali ficou até 1992, quando mudou para o Pelourinho. Passou por vários espaços até chegar ao atual, na rua das Laranjeiras, hoje administrado pelas filhas.

Os turbantes, os grandes brincos e o sorriso eram marcas registradas da cozinheira e empreendedora. É assim que ela aparece em fotos que registram os diversos encontros ocorridos no local. É para lá, por exemplo, que correm os artistas nos dias de festa no centro histórico.

O restaurante, além de caldeirão político e social, é um espaço de reuniões musicais e carnavalescas. E também de eventos solidários, como o Quitanda do Saber, festa culinária e cultural que durante uma década arrecadou recursos para projetos sociais.

Em nota de despedida, o Olodum chamou Alaíde de visionária. “Sentiremos saudades de cada momento, cada conselho e cada alegria que nos trouxe”, escreveu o grupo, nas redes sociais.

Artistas como o ator Lázaro Ramos e a apresentadora e humorista Maíra Azevedo, a Tia Má, também já frequentaram o restaurante e conheceram a matriarca.

“Uma figura ímpar, que eu tive a honra de bater a cabeça e pedir a bênção e ser abençoada”, lembrou Tia Má. “Me sinto privilegiado por ter conhecido e convivido com seu sorriso, com suas palavras, com sua sabedoria, com seu feijão”, afirmou Lázaro.

Por causa dos protocolos de segurança da pandemia, o sepultamento de Alaíde não foi aberto ao público. A família promete para breve um ato de homenagem para receber clientes e amigos.

Ela deixou três filhas, sete netos e seis bisnetos.

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