Alunos da PUC-Campinas denunciam esquema de violência que envolve veteranos e médicos formados na instituição

Na CPI das universidades da Alesp, estudantes detalharam esquema que teria estrutura de poder baseada na hierarquia, na qual a ponta superior teria a participação ou anuência de professores da faculdade

Por Eduardo Maretti No Operamundi 

Em depoimento na CPI instalada na Assembleia Legislativa para apurar violações dos direitos humanos e outras ilegalidades nas universidades de São Paulo, alunos da Faculdade de Medicina da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Campinas denunciaram ontem (07/01) um esquema de intimidação, ameaças, violências física e moral e trotes humilhantes.

O esquema tem a participação de alunos veteranos e mesmo médicos formados. Segundo os alunos, a Associação Atlética Acadêmica Samuel Pessoa é um dos pilares do esquema, cuja estrutura de poder seria baseada na hierarquia na qual a ponta superior teria a participação ou anuência de professores da instituição. A entidade destina-se a promover e coordenar eventos esportivos e “integração” dos alunos da faculdade, organizando festas e outras atividades.

Os veteranos e alunos, de modo geral, são submetidos a um sistema de hierarquia e a todos são atribuídos apelidos, que são dados numa data específica, o “Dia do Apelido”. “A pessoa ganha um apelido e perde a identidade”, disse um dos depoentes. O sistema de intimidações e trotes violentos envolve alguns veteranos conhecidos por alcunhas como Castor, Cebola, Xoxota e Boner, alguns dos citados na audiência. É comum que um veterano se especialize em um tipo de trote.

O apelidado Boner, por exemplo, é conhecido por ter preferência pela “esternada”: esse trote consiste simplesmente em um soco desferido no esterno, osso situado acima do estômago. De acordo com os alunos, o veterano conhecido como Castor tem o hábito de urinar nos calouros. Castor já é formado e faz residência médica em pediatria, segundo os depoimentos, mas mesmo assim participa dos trotes. “Os trotes não são feitos só para humilhar, mas para a pessoa entrar na estrutura”, contou um dos depoentes. Afinal, os calouros serão os futuros veteranos responsáveis por aplicar o “batismo” às novas turmas.

No alto da hierarquia, segundo a reportagem apurou, estariam os médicos Carlos Osvaldo Teixeira, o Caiá, chefe do departamento de Clínica Médica da PUC-Campinas e fundador da Associação Atlética Acadêmica Samuel Pessoa, e Maria Aparecida Barone Teixeira, a Cidinha, responsável por indicar o formando que vai entrar na clínica médica. Caiá seria adepto de ter sua mão beijada. Os alunos contaram que “todo mundo da família tem que adorar Cidinha e Caiá”.

As violências não são fatos isolados. Os membros da “sociedade” formada a partir da Associação Atlética se autointitulam “a Família”. As meninas são submetidas a situações humilhantes, como ser obrigadas publicamente a simular sexo oral com bananas ou pedaços de pau. A “Família” obriga os alunos a decorarem hinos de teor misógino, machista e de estímulo à violência sexual. Eles são forçados a aprender esse hinário sob ameaças, como em exercícios militares.

Os alunos que se recusam a participar das atividades sofrem ameaças não apenas de violências física ou moral, mas de terem inclusive sua vida profissional prejudicada. O medo de retaliações faz com que os alunos evitem denunciar o esquema. Os alunos mais jovens costumam ouvir frases como: “se você não é da família, eu não vou poder te ajudar (quando o aluno se formar)”. “Isso assusta muito quem está no primeiro ano, começando uma vida na faculdade. O medo de ficar seis anos na faculdade e depois não conseguir trabalhar”, disse um dos depoentes.

Entre outras obrigações a que os “bixos” (calouros) são submetidos, está a de furtar lençóis do hospital (fornecidos pelo SUS) para serem usados em festas.

“Não posso acreditar que numa universidade possa acontecer isso. A igreja católica não pode respaldar, acolher coisas que acontecem na Faculdade de Medicina da PUC de Campinas. Eu sou um homem de esquerda e minha formação é católica. Estou totalmente agredido, isso é uma barbárie”, disse o deputado Adriano Diogo (PT), presidente da CPI da USP. A comissão vai convocar professores e membros da instituição da faculdade para depor. “Nosso objetivo aqui é formar médicos mais humanizados. Se as coisas não mudarem, daqui a dez anos vamos continuar ouvindo as mesmas histórias”, disse um dos alunos na CPI.

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