Amelinha, coração vermelho e lilás – por: Fernanda Pompeu

(Foto: Lucíola Pompeu)

Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, é uma cidadã brasileira absolutamente convicta de que só pode existir justiça se as injustiças forem denunciadas. Ela acredita que se as pessoas se esconderem e se esquivarem – nada se transformará. Filha do seu Jofre, estivador no Porto de Santos e mais tarde ferroviário em Belo Horizonte, ela e a irmã Crimeia passaram a infância acompanhado a agitação política do pai comunista e sindicalista. Nas reuniões em sua casa, com o Partido Comunista na ilegalidade, o pai dizia para ela: Fica sentadinha aí no primeiro degrau da escada. Se você avistar a polícia, berra para a gente. Muitas vezes a polícia chegou e o pai e seus companheiros pularam o muro dos fundos da casa. Faziam isso para não serem presos. “Minha mãe, Lúcia, contabilista de profissão, dava todo apoio para o meu pai. Moral da história: eu cresci em meio a discussões de melhores condições de trabalho, organização de movimentos populares, oposição aos patrões e poderosos. Daí a consciência social e o posicionamento político cresceram naturais em mim”, ela rememora. 

O golpe militar de 1964
Ela tinha dezenove anos e trabalhava no escritório da siderúrgica Mannesman, de capital alemão, sediada na capital mineira. “O maior orgulho da empresa era fabricar com exclusividade tubos de aço sem costura. Eu gostava de trabalhar lá. À noite eu ia alfabetizar jovens e adultos, via método Paulo Freire, numa favela próxima de casa. Eu sentia que estava contribuindo para a conscientização dos trabalhadores por meio da alfabetização”, diz Amelinha. Naquele ano, a situação política brasileira estava periclitante. O governo de Jango Goulart acenava com as Reformas de Base, isto é, reformas eleitoral, tributária, bancária, constitucional e agrária. Esta última era explosiva, enchia muitos latifundiários de pânico. Ela conta: “Eu soube que o Jango estava deposto pelo rádio. Meu pai saiu para trabalhar e não voltou. A família só foi encontrá-lo seis meses depois na penitenciária de Ribeirão das Neves. Lá havia uns três mil presos políticos. Os militares chegaram arrasando”. Numa dessas procuras pelo pai, Amelinha e a irmã são presas num quartel. Ela teve que responder a um IPM – inquérito policial militar. Acabou indiciada por subversão e, é logico, foi demitida da Mannesman.

Você vai ver sua filhinha num caixão
Indiciada e demitida, Amelinha e seu companheiro César optaram pela vida clandestina. “Foram oito anos, divididos entre Rio de Janeiro e São Paulo. Tive vários nomes de guerra. Trabalhávamos numa gráfica clandestina e erámos radioescutas. Nesse período nasceram meus dois filhos, Janaína e Edson”, ela conta. Em 1972, auge da repressão militar, Amelinha e César são presos em São Paulo. “Fomos torturados no Doi-Codi de forma implacável pelo coronel Carlos Alberto Ustra. Também sequestraram meus filhos pequenos. Chegaram a dizer que eu ia ver a Janaína dentro de um caixãozinho”, ela relata. Ao sair da prisão Amelinha irá se aproximar das famílias dos mortos e desparecidos. Ela explica: “Até hoje luto para saber o que ocorreu com essas pessoas. Como elas morreram? Onde estão seus restos mortais? É direito sagrado da família enterrar os seus!”. 

Maria Amélia de Almeida Teles
 Maria Amélia de Almeida Teles

Hoje, Amelinha integra a Comissão da Verdade Rubens Paiva. “A verdade só irá aparecer quando o Exército abrir seus arquivos. Está difícil. Veja o caso do coronel Paulo Malhães. Ele falou e logo depois apareceu assassinado. O que a gente faz na Comissão é trabalhar a memória”, ela pondera.


Pulsando com as mulheres

Amelinha Teles é também uma das mais relevantes feministas do país e da América Latina. Foi uma das fundadoras, em 1981, da União de Mulheres de São Paulo – uma das mais longevas organizações pró-direitos das mulheres. Formada em Direito, Amelinha é coordenadora do Curso de Promotoras Legais Populares no estado de São Paulo. “Direito não é como chuva que cai do céu. Você tem que correr atrás. Aprender a acessá-lo”, ela pontua. O feminismo surgiu na vida de Amelinha quando ela ainda tinha uma militância partidária. “Eu observava que na hora de tomar decisões só havia homens. Daí, me perguntava: cadê as mulheres? Ora, elas estavam em casa dando suporte para a luta dos companheiros. Ou quando eram do partido tinham tarefas pouco qualificadas. Achava isso muito desigual”. Hoje, aos 69 anos, Maria Amélia de Almeida Teles não pensa em férias e nem em aposentadoria. Ela acredita que ainda há muito o que contribuir para tornar o Brasil mais justo. Isto é, o país que a maioria de nós queremos.

 

Fonte: Yahoo

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