Amigos criam grafite para homenagear jovem negro morto pela Polícia Civil no Morro do Piolho, na Zona Sul de SP

Imagem de Gabriel Araújo, baleado em abordagem da Polícia Civil, foi pintada em frente ao local onde ele foi morto. Família disse que agentes confundiram marmita com arma e atiraram.

FONTEDo G1
Grafite em homenagem a Gabriel Araújo no Morro do Piolho, Zona Sul de SP (Foto: Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio e Mochileiros de Cristo)

O jovem Gabriel Augusto Hoytil Araújo, de 19 anos, morto com três tiros disparados por policiais civis que teriam confundido uma marmita com arma, segundo testemunhas e familiares, foi homenageado no Morro do Piolho, na Zona Sul da capital no último sábado (30).

Um grafite com o rosto de Gabriel foi feito pelo artista Plínio Junior em frente ao local onde ele foi morto. Amigos do rapaz e moradores também fez cartazes pedindo justiça. O ato foi organizado pela Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio e pelos Mochileiros de Cristo.

O jovem morreu na última quarta-feira (20) durante durante operação de combate ao tráfico de drogas. De acordo com parentes e testemunhas ouvidas pelo g1, ele estava comendo uma marmita quando foi baleado.

O rapaz não morava na comunidade e tinha ido ao local para se alimentar depois de vender água para motoristas numa rua próxima, segundo familiares.

Homenagem a Gabriel Araújo no Morro do Piolho, Zona Sul de SP (Foto: Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio e Mochileiros de Cristo)

“Como confunde uma marmita com um revólver?”, perguntou a mãe de Gabriel, Fabiana Hoytil da Silva, de 41 anos, que trabalha no serviço público de Saúde, na última quinta (21) ao g1.

“Ele [Gabriel] não precisava ser morto daquele jeito. Nem chegou a comer a marmita. Atiraram no meu filho sem defesa para ele. Não perguntaram nada. Me disseram que os policiais confundiram uma marmita com um revólver e atiraram. Que mundo é esse que matam primeiro para depois perguntar?”.

Segundo a família, Gabriel tinha deficiência intelectual e residia com ela, o padrasto, dois irmãos gêmeos de 12 anos e o avô materno no bairro do Jabaquara, também na Zona Sul.

Segundo boletins de ocorrência do caso, dois dos seis policiais civis do 96º Distrito Policial (DP), Brooklin, que participavam da operação no Morro do Piolho, disseram que dispararam contra Gabriel, segundo eles, para se defenderem depois de verem o rapaz traficando, ameaçando atirar com uma arma e ouvirem tiros de “criminosos” na comunidade. Posteriormente os policiais disseram que a arma que estava com o jovem era de brinquedo (leia mais abaixo).

Parentes e testemunhas falaram à reportagem que Gabriel não estava armado nem envolvido com entorpecentes quando foi baleado por três tiros na cabeça, na coxa e na nádega. E também que não houve troca de tiros.

A Corregedoria da Polícia Civil apura a conduta dos agentes na ocorrência que resultou na morte de Gabriel. A Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio acompanha o caso defendendo os interesses dos familiares do jovem.

O que dizem os policiais

O caso foi registrado como “homicídio simples”, sendo “morte decorrente de intervenção policial”, e tráfico de “entorpecentes” no 96º DP e no Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). O DHPP investiga o caso porque ele envolve policiais na ação que deixou um suspeito morto.

De acordo com o registro policial do DHPP, Gabriel estava com uma arma de brinquedo e um bala de arma de fogo. Também foi apreendido o relógio que ele usava, segundo o boletim de ocorrência (BO).

O documento do 96º DP informa que ele tinha passagens policiais anteriores por infrações cometidas quando era adolescente: roubo e tráfico de drogas. E menciona que foram apreendidos com Gabriel: 58 invólucros, 4 tubos e 209 supositórios de cocaína; 81 papelotes e um invólucro de maconha; e 146 papelotes de crack. Além disso, também encontraram com ele uma bolsa, dois porta-moedas e R$ 128,25, segundo o registro.

Segundo o BO do 96º DP, o jovem foi baleado depois que os policiais viram Gabriel vendendo drogas. “Os policiais tentaram abordá-lo, ocasião em que esse reagiu, exibindo uma pistola preta, sendo efetuado disparos pelos policiais, bem como sendo ouvidos outros disparos oriundos da comunidade”, informa trecho do documento, no qual constam as versões dos agentes.

O histórico da ocorrência do DHPP, no entanto, informa que o caso é, “em tese”, de “resistência” e “morte decorrente de intervenção policial ocorrida às 14h29, especificamente na Rua Cristóvão Pereira”, no bairro do “Campo Belo”.

Após uma semana, parentes, amigos e manifestantes levaram nesta terça-feira (26) 200 marmitas de isopor com areia vermelha dentro para a frente do Museu de Arte de São Paulo (Masp), no centro da cidade, em protesto contra a ação da Polícia Civil que matou um jovem negro durante abordagem no Morro do Piolho, Zona Sul da capital.

O ato ‘Era um marmita – Justiça por Gabriel’ foi organizado pelo Rio de Paz e pelo Mochileiros de Cristo num dos locais mais movimentados da cidade, o Masp, na Avenida Paulista. Cerca de 15 pessoas participavam da manifestação nesta manhã. Entre elas a mãe de Gabriel, Fabiana Hoytil da Silva, de 41 anos, que deixou o local após passar mal para ser levada ao Hospital das Clínicas. Ela foi medicada para controlar o nervosismo e seria liberada em seguida.

O que dizem as testemunhas

“Os policiais entraram, o menino estava de costas, com uma marmita na mão. Mandaram parar e deram dois tiros. Não foi tiro de distância, foi tiro de pertinho. Foi muito triste. Eles não deixaram socorrer, impediram de moradores passarem, bateram em moradores”, falou uma mulher da comunidade, que pediu para não ser identificada pela reportagem.

Uma outra testemunha que não quis dar o nome falou que viu Gabriel baleado. “Sem nenhuma arma próxima, só uma marmita cheia de sangue no chão do lado dele. Mas sei que não houve troca de tiros, que ele não estava armado, não tinha arma, só a marmita cheia de sangue. Ouvi eles [policiais] dizerem ‘olha, ninguém atirou. Vamos dizer que ele tentou tirar a sua arma'”.

“O polícia aqui ajoelhado em cima do outro rapaz [Gabriel], e o outro polícia, o que atirou, estava ali resmungando, e o outro polícia discutindo com ele, falando pra ele ‘não era pra você ter atirado, não era pra você ter atirado'”, afirmou morador da comunidade. “Não, ele [Gabriel] não estava traficando. Ele estava com uma marmitex de isopor, não é marmitex cromada, é marmitex de isopor”.

“O moleque virou de frente, foi na hora que ele foi e deu o tiro na testa do moleque. Aí, eu estava do lado do moleque, eu fiquei desnorteada, o sangue do moleque até voou em mim. Eu fiquei desnorteada, saí com o ouvido fazendo um barulho do tiro”, disse uma mulher apontando o lugar onde Gabriel foi baleado pelos policiais, já dentro da viela.

Moradores do Morro do Piolho chegaram a filmar o momento que os policiais civis cercaram o corpo do jovem e impediam a passagem de outras pessoas que queriam socorrê-lo. Eles ainda fizeram protestos na tarde de quarta pedindo justiça e a punição dos policiais civis que mataram Gabriel.

De acordo com o boletim de ocorrência, dois policiais atiraram. As armas deles, duas pistolas calibre .40, foram apreendidas para análise da perícia da Polícia Técnico-Científica.

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