Apenas UM: a tokenização no mercado de trabalho

FONTEPor Jeane de Jesus Bispo, enviado para o Portal Geledés
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Por várias questões que me cercam e quem se sente como eu entenderá, inicialmente é necessário fazer uma observação: este texto passeia pela superficialidade. Ele nasce a partir do contexto que estamos vivendo e das reflexões que tenho feito nas últimas semanas. Portanto, não espere questões super acadêmicas e profundas. Me permita ser superficial para falar sobre um iceberg, afinal já sabemos o perigo que se esconde por baixo das águas.

Asseguro que, mesmo sob essas condições, esta leitura pode ser um gatilho para observar, repensar e agir.

Vamos juntos?

Inclusão e diversidade no ambiente de trabalho não são temas que começaram a ser discutidos no ano de 2020. Sabemos que o pouco conquistado até o momento vem de lutas que começaram há décadas (e por qual motivo não falarmos séculos, considerando a luta da população negra desde que chegou nas Américas?).

Aqui, sinalizo o meu lugar de fala: sou uma mulher cis, negra, heterossexual e bacharel em Letras. Identificação necessária para pontuar que quando falo de inclusão e de diversidade da população negra no mercado de trabalho não penso naqueles espaços que nos foi condicionado devido ao histórico escravocrata do Brasil.

Aliás, nas funções e nas atividades menos prestigiadas o que menos vemos é diversidade. A população preta é sim maioria. Para que isso seja constatado, faça o famoso teste do pescoço. Olhe para um lado e para o outro e analise quantos negros existem nos espaços que você frequenta. Observe quantos deles estão ocupando funções de prestígio e quantos estão em atividades braçais ou que não exigem um certo nível intelectual.

É um problema pessoas negras serem maioria nesses espaços? Sim! E isso tem relação direta com a história deste país. Não finja que não sabe!

Então, ao intitular este artigo “Apenas UM: a tokenização no ambiente de trabalho”, eu quero chamar atenção para a escassez de pessoas negras em posições de prestígio. Eu quero que haja uma reflexão sobre a tokenização que as empresas fazem para se justificar como uma empresa não racista e que defende a diversidade.

Na significação deste texto, o termo “token”, segundo algumas pesquisas feitas na Internet, foi utilizado pela primeira vez pelo Martin Luther King no ano de 1962. Para ele, utilizam da integração de 01 pessoa negra nos espaços para justificar a ausência do racismo. (O termo token também é utilizado por outras comunidades de minoria quando alguém utiliza 01 “representante” do grupo para tentar se eximir de ser preconceituosa).

A tokenização, na forma mais comum de uso, refere-se à prática que pessoas brancas fazem para justificar ou não se sentirem racistas. Neste artigo, utilizamos tal termo para refletir sobre a sua utilização implícita pelas empresas.

Ser a única pessoa negra a ocupar um cargo alto em uma empresa, sem dúvidas, é uma conquista que inspira e motiva várias pessoas que se enxergam naquela pessoa. Porém, existem tão poucos negros competentes que não podem ocupar os cargos mais altos das empresas? Por que em um universo de 10, 20 pessoas da alta gestão encontramos apenas 01 ou 02 negros? Quando encontramos, ?

Sabemos que 20 anos após a adoção da política de cotas, algumas questões estão sendo resolvidas. Por exemplo: não se pode mais afirmar que não existem profissionais negros com diplomas; que não falam outros idiomas ou que não fizeram intercâmbio. Se os requisitos mudaram, nos avise, porque estamos nos qualificando frequentemente para atender ao que o mercado de trabalho está pedindo.

Retomando ao nosso último questionamento sobre a pouca representatividade racial nos altos cargos das empresas, o que queremos chamar atenção é: será que a presença de uma pessoa negra no alto de uma empresa a torna antirracista e diversa?

A resposta é simples e direta e, talvez, até aqui você já saiba a resposta: não.

Não, porque simplesmente não é suficiente. Assim como não basta que seja contratada uma equipe para falar sobre diversidade e respeito às minorias se dentro dessa empresa não há a prática de considerar currículos daqueles que formam esse grupo.

Sabe a análise que fazem do endereço da pessoa? 

Pense: Quem mora mais distante dos centros urbanos? Quem, na história deste país, foi “liberto” e jogado nas ruas para achar um lugar para chamar de seu? O local que essas pessoas foram viver após a tal “libertação” recebe qual nome hoje? Sabe qual a maior parte da população que vive nele? É esse currículo que a empresa descarta por causa do bairro.

Sabe sugerir que seja colocada uma foto no currículo ou pedir que a pessoa tenha boa aparência para a vaga? 

Pense: Qual a construção social que essas duas palavras “boa aparência” tem no Brasil? Isso remete a uma ideia de um estereótipo presente nas capas de revistas, nas novelas etc. E pasmem! Até quando aparecemos por lá somos exceções, não o padrão. E esse padrão que muitas empresas ainda buscam.

Vale destacar que pensar em pessoas negras dentro de um estereótipo para ocupar UMA vaga também é uma prática de tokenização. “Ok. Contratamos negros, mas que tenha cabelo X a cor Y”.

Inclusão não é ter uma pessoa que vai representar cada grupo de minoria, mas a normalização de contratar pessoas desses grupos. É importante que a empresa se conscientize de que essa é uma prática necessária. Fugir do que a estrutura social sempre pregou como padrão estético de contratação é uma das maiores revoluções que pode acontecer dentro de uma empresa, mas que ressoará além das suas paredes.

Essas questões me remetem a uma determinada empresa que até ganhou prêmios por contratar pessoas negras, tal… Mas sabe a observação que eu fazia quando tinha apenas 16 anos? Ok. Realmente, tem muitos negros na operação dessa empresa, mas por qual motivo eles não chegam à gerência? Os trainees que recebíamos (e olha que eu passei quase 03 anos por lá) e que, provavelmente, se tornariam gerentes eram todos brancos.

Uma vez questionei a pessoas que estavam nessa empresa há quase 10 anos e elas afirmaram que nunca tinham visto trainees negros, ou seja… Inclusão até a página 02. Depois dela, os requisitos não podem ser conquistados em uma faculdade, em um intercâmbio ou com a famosa me-ri-to-cra-cia. Passar da página 02 exigia, digamos, algo que vem de berço.

Por fim, o que me fez refletir sobre essas questões não foi apenas as minhas experiências profissionais, mas a observação que faço do mundo, as análises que faço dos perfis do LinkedIn, as empresas de seleção que se dizem inovadoras e inclusivas (mas em uma fotografia dos seus funcionários você percebe um ctrl + c/ctrl +z de gente) e a minha vontade de convidar a todos para refletir, questionar e tentar fazer a diferença sempre que possível.

Acho válido destacar, também, que há a possibilidade de questionar a tokenização em vários aspectos. Aqui, optei por ser mais genérica pensando na questão racial, mas posso reaparecer interseccionando o tema.

Convido você para ler 03 textos que utilizei para me ajudar na formulação dessas ideias:

Onde você esconde seu racismo? Porta dos Fundos e o token nosso de cada dia

Existe racismo no Brasil? Faça o Teste do Pescoço e descubra

Como a Academia se vale da pobreza, da opressão e da dor para sua masturbação intelectual

 


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