Universitário, que é filho de empregada doméstica e se sensibilizou ao ver a morte da colega de profissão da mãe, já recebeu mais de uma centena de mensagens de outros filhos preocupados. ‘Liberá-los, neste momento, é um gesto de humanidade’.
Por Gabriel Barreira, G1
Marcelo Rocha estava no Rio a trabalho quando soube do primeiro caso de morte com sintomas de coronavírus no estado: uma diarista, de 63 anos. Ligou para a mãe, empregada doméstica, e ouviu que ela continuaria trabalhando. “Preciso fazer alguma coisa”, concluiu.
O universitário e arte-educador de 22 anos escreveu nas redes sociais um manifesto pelo o que chamou de “quarentena remunerada” a empregados e empregadas domésticas. Ou seja, o direito de continuar recebendo, mesmo sem trabalhar.
Centenas de mensagens aflitas de outros filhos de empregadas foram enviadas nas redes sociais. Todos preocupados com a chance de contaminação em meio à pandemia.
“A quarentena remunerada não está prevista em lei, mas é um gesto solidário. Porque a maioria dos chefes conseguem fazer um home office. Essas mulheres não conseguem, até porque trabalham no lar de outros. Liberá-los, neste momento, é um gesto de humanidade”.
No caso da diarista morta no Rio, a doença foi contraída da patroa que acabara de voltar da Itália – um dos dois países mais afetados pela crise sanitária, ao lado da China.
No Brasil, são 6,3 milhões de domésticas, segundo dados de janeiro do IBGE.
Marcelo conta que sua mãe, Maria Soledade, trabalha desde os 6 anos de idade. E lembra que, durante esse tempo, os domésticos costumam passar semanas em casas que não as suas.
“São essas mulheres que cuidaram das pessoas como filhos. No meio de uma pandemia mundial, elas não podem sequer ter direito a um benefício para que elas possam ser cuidadas? Então, cuide de quem cuida de você.”
Estudante de Ciências Sociais na FMU, em São Paulo, Marcelo garante que a profissão da mãe foi o que lhe proporcionou o estudo e uma visão crítica do mercado de trabalho.
O cientista social considera que o Brasil mantém uma cultura escravocrata e que, durante a crise do coronavírus, põe ainda mais em risco os pobres – amontoados em favelas.
“É um processo colonial que ainda hoje vai trazer muitos riscos às pessoas de comunidade e de baixa renda. A maioria mora nas comunidades e os riscos são muito altos porque há maior contato com as pessoas. A maioria não mora em grandes casas e eles podem contaminar seus filhos”.
Ao menos, Marcelo pode considerar que o seu manifesto começa a render frutos. Além de filhos de domésticas que assinaram embaixo, alguns empregadores também já entraram em contato se dizendo tocados e aderindo ao movimento.
Em Mauá, onde moram no interior de São Paulo, só há um registro da doença. Na próxima quinta-feira os ônibus vão parar de circular. E Maria Soledade vai ficar menos exposta às aglomerações.
“A partir do dia 26, a patroa da minha mãe vai pagar um Uber pra ela ir e voltar.”