Aprender-te

(Foto: Lucíola Pompeu)

Eu tinha quinze anos quando a ditadura militar forçou meus pais a se mudarem do Rio para São Paulo. Naquele nascer dos anos 1970, nem se imaginava a internet e seus filhotes. Então era possível alguém trocar de cidade sem deixar muitos rastros. Assim, a família pegou um ônibus na Novo Rio e desembarcou na antiga Rodoviária de São Paulo, em frente à Estação Júlio Prestes, na região da Luz. De repente eu, carioquinha da gema, acostumada com a praia e a bossa nova, pisava na terra da garoa (sim, garoava sempre em São Paulo) e distante oitenta quilômetros do mar.

Por Fernanda Pompeu  Do Yahoo

Como bem poetou o baiano Caetano Veloso: E foste um difícil começo. Lembro-me adolescente caminhando na parte inicial da avenida Nove de Julho com lágrimas nos olhos, porque achava tudo medonhamente feio. Cadê o Pão de Açúcar? O verde da Tijuca? O Cristo Redentor? Cadê Copacabana, Estação Primeira de Mangueira, Aterro do Flamengo, Central do Brasil? Cadê o povo que falava alto nos coletivos, naquele jeito de conversar com desconhecidos como se fossem velhos amigos? São Paulo era diferente da minha experiência urbana. Naquele momento, a cidade representava a Medusa de sete cabeças.

Se Rio e São Paulo subissem ao ringue para lutar boxe: ele venceria por nocaute, ela ganharia por pontos. Pois é fácil amar a terra carioca, para cada lado que se olhe a beleza nos acolhe. Zona sul, zona norte, subúrbios. Há sempre um presentinho da natureza. O oceano, a baía, as montanhas, a luz do sol. É possível morrer de beleza no Rio de Janeiro.

Em São Paulo também. Só que nesta cidade (de onde escrevo e de onde não penso sair) o olhar precisa ser educado! Ou seja, tem que admirar a beleza humana. Acreditar que milhões de pessoas juntas, com origens muito diversas, conseguem uma espécie de energia vital. Descargas elétricas de improvisação criativa. A todo dia uma lição. Por exemplo, a São Paulo de 2015, nos obrigando a repartir o espaço público. Pois tome carros, bicicletas, motos, ônibus, caminhões, transeuntes. Tome marginais, Radial Leste, 23 de Maio, Paulista, Dr. Arnaldo. Tome agora a falta d’àgua. Tome nervoso, tome ritrovil. Mas, principalmente, tome mergulho de histórias e de gentes. Tantas, meu Deus! Dá até vertigem pensá-las. O fato é que esta cidade (de onde escrevo e de onde não penso sair) me ensinou que o amor não é um dom, uma estrela, uma dádiva. O amor se aprende.

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