“Aquela mulher lutou muito para não morrer”

Estou sem tempo, mas não posso deixar de registrar essa notícia pavorosa. O crime, daqueles bem típicos que a mídia chama de “passional” — em vez de chamar pelo nome correto, que é feminicídio — aconteceu no dia 13 de outubro.

Francisco das Chagas Filho, ou Alan Terceiro, como é conhecido, 47 anos, ex-vereador em Fortaleza pelo PTdoB, atual suplente, matou a facadas a ex-mulher, a pedagoga Andréia Jucá, 39 anos. O assassinato aconteceu dentro da casa, no bairro Rodolfo Teófilo, numa tranquila tarde de domingo.

Nada de novo no front: a estatística que conheço é que 28% das mulheres assassinadas são mortas dentro de casa, o que reforça a violência doméstica (entre os homens, este índice é de menos de 10%). Mas há estatísticas que dizem que 40% das vítimas de feminicídio morrem em casa.

Faz um mês, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) lançou um estudo provando que a Lei Maria da Penha sozinha, sem a infraestrutura necessária, não é suficiente para conter os feminicídios. 15 mulheres continuam sendo mortas por dia no Brasil. São mais de 5 mil mortes por ano, 50 mil vítimas nos últimos dez anos. Essas mulheres são mortas por serem mulheres. Em 40% dos casos, o assassino é o companheiro (só 6% dos assassinatos de homens são cometidos pela companheira).

Alan Terceiro e Andréia ficaram juntos durante 18 anos e tinham três filhos menores de idade. Haviam se separado um mês antes. Como tantos homens que veem a mulher como posse, Alan não aceitam a separação. Ele premeditou o crime: levou os três filhos ao shopping e depois voltou à casa, alegando ter esquecido a carteira.

Andrea recebeu vinte golpes de faca. “Sou pessoa de bem e fui traído”, disse o ex-vereador após ser preso em flagrante.

Como sempre, essa não foi a primeira agressão de Alan à mulher. As brigas eram frequentes. Segundo uma vizinha, “Numa das últimas brigas que eles tiveram, [Andréia] gritou muito por socorro. Os filhos deles estavam lá e houve muita quebradeira”.
Mas o que mais me chocou foi a notícia que saiu hoje, que mostra bem o desespero dos vizinhos naquela tarde. Andréia não foi morta passivamente. Ela lutou, gritou por socorro. A rua foi tomada por berros, e os vizinhos ligaram para o 190. A primeira ligação foi registrada às 14:14. A operadora escreve que há uma “briga de família” e uma “mulher gritando por socorro”. Ela tenta mandar uma viatura pra lá, mas todas estão indisponíveis (embora haja um posto policial próximo daquela rua).
A mesma vizinha liga de novo, e de novo (no total, foram cinco ligações só dela), dois minutos depois. Desta vez um operador registra: “solicitante pede, muito nervosa, uma viatura. Ela informa que a vizinha está gritando por socorro”. Ele registra também que há outras ligações denunciando o mesmo crime em andamento.
Numa dessas ligações, um outro vizinho alerta para “uma briga de casal próxima ao número 1190” e “pede uma viatura para local, pois o marido está batendo muito na mulher”. Depois, para o jornal, o vizinho diz: “a covardia de Alan Terceiro transformou aquele domingo quieto num dia de terror. Aquela mulher lutou muito para não morrer”.
A vizinha que ligou cinco vezes para o 190 sai gritando pela rua. Só depois do silêncio na casa de Andréia, os vizinhos decidem arrombar a porta. A polícia chega a tempo de impedir que Alan seja linchado.
A Segurança Pública alega que levou 23 minutos para chegar ao local. Segundo os vizinhos, foi mais de 40.
Até quando?
E isso que o Ceará é um dos estados que matam menos mulheres… Ele está na 7a posição entre estados com a menor taxa de femicídios. São “apenas” 5,26 mulheres mortas por cada grupo de 100 mil. No Brasil, uma mulher é morta a cada hora e meia. 19% das mortes acontecem no domingo.
 
 
 
Fonte: Escreva Lola Escreva

 

 

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