Ficar em casa nem sempre é seguro para um jovem negro

FONTEPor Ashley Malia, A Tarde
(Foto: Getty Images/iStockphoto)

No momento, muitos órgãos, empresas e autoridades se unem para mandar um recado para o mundo: “Fique em casa, é o lugar mais seguro. Precisamos salvar vidas”.

Ficar em casa é sinônimo de segurança para quais vidas? A pandemia do coronavírus paralisou grandes setores do mundo inteiro, mas não foi o suficiente para impedir o Estado de continuar assassinando jovens negros inocentes. A crise mundial em saúde acabou se tornando um somatório a todas as opressões sociais, que assolam, principalmente, a população negra e periférica, as mais vulnerabilizadas neste momento.

Em casa, o jovem João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, assim como vários adolescentes pretos e moradores de periferia, não teve direito à segurança. Na noite desta segunda-feira, 18, ele foi baleado e morto durante uma ação conjunta da Polícia Federal (PF), com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Desde o acontecimento, a família de João Pedro estava sem notícias do adolescente, pois ele fora levado por um helicóptero e os policiais não deram informações de qual seria o destino dele. Mas a gente já sabia, mesmo torcendo para estarmos errados, pois essa história se repete diariamente, de forma silenciosa, nas comunidades do Rio e de outros estados brasileiros. A família só teve notícias sobre o garoto após muitas horas depois do ocorrido, quando o corpo de João Pedro foi encontrado no Instituto Médico Legal (IML) local.

Acordar com esse tipo de notícia, em meio a uma pandemia, é reflexo da crueldade do Estado com corpos pretos, pois a periferia encontra-se esquecida pelas autoridades, que só lembram que essas pessoas existem quando é para trata-las como alvos.

Absorver a violência contra corpos negros e manter um luto está se tornando tarefa impossível, pois quanto mais tentamos caminhar para frente e conquistar direitos básicos, mais vemos essas histórias se repetindo e toda a dor vai se transformando em indignação e revolta, porque o procedimento padrão deles é nos matar.

Ontem foi Ágatha, hoje foi João Pedro, amanhã quem será? Quantas crianças e jovens pretos precisam ser assassinados pela polícia para que o genocídio da nossa população passe a ser uma pauta tão urgente quanto o coronavírus?

Nossas vidas importam, mas para isso é preciso que primeiro nos enxerguem como seres humanos e não como alvos. É preciso que a nossa casa signifique conforto e segurança e não passe-livre para policiais entrarem e retirarem nossas vidas. É preciso ainda que mais pessoas questionem o porquê de os mortos serem sempre negros, o porquê de as casas invadidas serem sempre os lares dos favelados e, mais ainda: o porquê de eles terem o direito de decidir que nós merecemos morrer.

Deixo aqui meus sentimentos para a família do jovem João Pedro e desejo muita força nesse momento. Espero que um dia as mães pretas parem de chorar pelos seus filhos mortos e passem a comemorar com mais frequência a vitória deles e uma vida bem vivida. João Pedro teve a vida interrompida, mas essa história não acaba por aqui… Ele e tantos outros meninos pretinhos merecem justiça.

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