Artista paulistana Val Souza quer combater racismo no Brasil dançando

Vestindo shorts curtos e um top que deixa a barriga à mostra, Val Souza adentra a área de convivência do Sesc Pompeia em um sábado de novembro trazendo uma caixa de isopor decorada com luzes de LED verde e rosa. Ao fundo, ouve-se um funk carioca ecoando pelo pátio.

Por Carlos D. Williamson Do Do Folha

Antes de começar seu show, puxa de dentro do cooler improvisado uma garrafa de vodca, serve uma dose em um copo e entrega a um confuso espectador. “Bebe comigo.”

Ela, então, começa a dançar, rebolando até o chão, causando reações diversas em quem a acompanha. Enquanto alguns balançam a cabeça negativamente, outros se juntam a ela no funk.

Ao passar pela artista, uma senhora decide expressar seu descontentamento com a cena: “Eu não quero te ver, sai pra lá”. O insulto, no entanto, lhe dá mais energia para continuar. “Por que as pessoas querem criminalizar a bebida, a periferia, o corpo negro?”, diz a paulistana. “Meu corpo é um corpo que dança.”

A apresentação de Val, que se repetiu no dia seguinte e foi batizada de “Can you see it?”, aconteceu como parte do projeto “Gritem-me Negra!”, realizado ao longo de novembro em homenagem ao Dia da Consciência Negra (20).

“Sobre nós, mulheres negras, ainda pesa uma relação de objetificação, de ser usada”, diz ela, sobre o tema da performance. “Minha intenção não era atuar. Sou eu mesma, celebrando meu corpo como uma negra.”

“A gente acha lindo o Brasil ser assim, acha a mulher negra linda e tudo mais. Mas não dá espaço para ela”, afirma.

A artista, que é mestranda em dança pela Universidade Federal da Bahia, começou sua carreira na performance em 2015, um ano após se formar em dança na Escola Técnica de Artes do Estado de SP. “Naquele ano, comecei a pensar mais sobre o corpo feminino negro, a afetividade desta mulher. Comecei a reparar que muitas delas são sozinhas, não fazem parte da sociedade, são sempre marginalizadas. Isso me incomodou muito”, conta.

“E eu não queria só falar isso para meus amigos”, diz. Decidiu, então, que suas inquietações deveriam fazer parte da vida artística, de suas criações. “De lá para cá, tenho partido dos incômodos que ser mulher negra me traz. A minha trajetória artística tem uma questão importante: eu saber que eu sou negra. E o quanto ser negra traz questões para mim que não são comuns.”

Arquiteta e militante do movimento negro, Joice Berth diz que as performances de Val impactam sua audiência porque ela é uma mulher negra comum, expressando sua dor de uma forma que faz com que os outros se identifiquem.

E, segundo Berth, são mulheres como a artista que devem tratar do tema. “Não poderia ser uma mulher branca fazendo o que a Val está fazendo”, afirma. “Eu não estou dizendo que elas não podem ajudar, mas elas veem tudo de fora. Você precisa ouvir a pessoa que está sofrendo.”

A artista, porém, rejeita o título de ativista do movimento negro. “Eu sou uma artista, o que eu faço é arte,” afirma. “As pessoas costumam dizer que eu sou uma artista negra, e eu não sou. Eu sou uma mulher negra que faz arte, que é bem diferente.”

“Ser negra faz com que eu me relacione com essas questões. Eu tenho uma visão afrocentrada das coisas”, diz.

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