As escrevivências como ferramenta de cura

FONTEPor Rebeca Queiroz, enviado ao Portal Geledés
Foto: Stock/Adobe

Pensar escrevivências é indiscutivelmente fazer memória a existência de Conceição Evaristo e junto a ela, de Maria, Natalina, Zaita e tantas outras que vieram antes –e se fazem presentes-, as que estão, ou as que virão, seja pelas brechas da ficção, pelas veias da realidade, ou pelo conjunto que escancara sem piedade o que  se é. A lembrança de todas essas mulheres se mistura ao agito das águas oceânicas fundidas as gotas salgadas que  escorriam dos olhares cansados, doídos, temerosos, sequestrados…. Potentes. Nessa imensidão de desagues, não se esperava pela surpreendente transformação dos ceifamentos em fertilização pulsante, incessante e ininterrupta para os novos olhos que se abririam no porvir. As escritas de Mulheres Pretas sempre serão palpáveis, já que não se fala sobre outrem, na verdade, presenteia “o outro, do outro, do outro” com o Estilhaçar. Assim, sempre que penso em escrevivência, tenho em mente tessitura, levando em consideração que a vida do lado de cá sempre foi “costurada com fios de ferro”, e há quem pense que a imaleabilidade impossibilita a costura, não se pode negar que ela fere, feriu e possivelmente ainda ferirá, no entanto, o contornar da liga sempre será incompreensível a quem se limita a uma observância superficial. As palavras saídas das más línguas ou dos punhos outrora acorrentados, possuem por natureza a intenção de desagradar e transpassar as máscaras que insistem em mantê-las inaudíveis. No emaranhado das coisas não ditas as Sujeitas ocupam a posição verbal e incidem poder de cura, corroendo a estrutura pouco a pouco e unindo-se umas às outras em xirês marcados pelo desejo de honrar as imensidões extintas por caras, corpos e sistemas bem pretensiosos. A partir das Escrevivências, entrevejo a vida se envolver e a partir disso permito que meus olhos-esperança se tornem “cor de olhos d’água”, refletindo no espelho banhado a ouro a interferência das minhas ancestrais no caminhar da minha alma-poesia que teima em querer ser a filha capaz de “reunir todas as vozes mudas, caladas, engasgadas nas gargantas, na intenção de se fazer ouvir a ressonância do Eco da Vida-Liberdade”.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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