Assa-peixe

FONTEPor Bianca Santana, do Ecoa
Bianca Santana, jornalista, cientista social e pesquisadora - Foto: Bruno Santos/Folhapress

“Mas um punhado de folhas sagradas pra me curar, pra me afastar de todo mal. Para-raio, bete branca, assa peixe abre caminho, patchuli.” Banho de Folhas, de Luedji Luna

O arbusto de assa-peixe — também conhecido como chamarrita, cambará- guaçu, cambará-açu, cambará-branco — existe em abundância da Bahia a Santa Catarina. Aqui na Serra da Mantiqueira, no pedacinho do sul de Minas de onde escrevo, pode-se encontrar as folhas ásperas e pequenas flores brancas por todo lado. As abelhas atraídas por sua florada produzem um mel leve. Pecuaristas consideram a espécie invasora ou daninha, por atrapalhar o pasto. Eu, por minha vez, cantarolo Luedji Luna quando o vento traz seu perfume doce.

Banhos de limpeza energética e espiritual costumam ser preparados com suas folhas e flores. Chás de suas folhas são indicados para tratar tosse e bronquite. Compressas aliviam dores musculares, reumatismo e problemas na pele. A infusão das raízes é considerada diurética, ajudando em problemas renais. Saber popular propagado por essas montanhas, mas também científico registrado em obras como “Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas”, de Harri Lorenzi e Abreu Matos.

A pesquisadora e artista afrotransfeminista Walla Capelobo publicou, neste 2021, o belíssimo artigo “Assa-peixe e inhame: a descolonização da medicina e a autonomia do cuidado na pandemia de covid-19”, na Revista Espaço Acadêmico. No trabalho, Walla narra experiências e ensinamentos de sua avó. “Ela me contou sobre o poder das folhas de assa-peixe, erva mato encontrada com grande facilidade em quase todo território brasileiro. Me disse de como sobreviveu a uma pneumonia em sua infância com o xarope e compressas da planta no peito”.

Walla analisa a importância de retomarmos tais saberes como possibilidade de cuidado, resistência, sobrevivência: “A colonialidade estruturou o poder e o saber de forma a privilegiar os colonizadores e subalternizar os colonizados. A pandemia covid-19 que estamos submetidas no momento nos evidencia mais uma vez as marcas do colonialismo e suas estruturas necropolíticas. A sobrevivência dos povos pretos está na troca contínua de informações de fugas e na produção de vida. Aqui escrevo um exercício tecido com minhas mais velhas sobre medicina, cuidado e saúde. Defendo no artigo a potência epistêmica ancestral existente nesse diálogo contínuo entre pessoas de cor sobre as sobrevivências do Coridiano”.

A demanda é por vacina para todas e todos, além de isolamento social, máscara PFF2, água, sabão, álcool gel, comida. Mas se o Estado não entrega condições para a manutenção das nossas vidas, busquemos as soluções próprias, a ação comunitária, as folhas sagradas. Assa-peixe para auxiliar na respiração e limpar a energia para que sigamos vivas.

Bianca Santana é jornalista. Autora de “Quando me descobri negra” e organizadora de coletâneas sobre gênero e raça, foi convidada da Feira do Livro de Frankfurt em 2018 e da Feira do Livro de Buenos Aires em 2019, quando também foi curadora do Festival Literário de Iguape. Pela UNEafro Brasil, tem contribuído com a articulação da Coalizão Negra por Direitos. No doutorado em ciência da informação, na Universidade de São Paulo, pesquisou a escrita e a memória de mulheres negras. Foi professora da Faculdade Cásper Líbero e da pós-graduação em jornalismo multimídia na Faap. Atualmente, está escrevendo uma biografia sobre Sueli Carneiro.
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