Atenta aos sinais por Flávia Oliveira

Foto: Marta Azevedo

Vibro com datas que trazem reflexões sobre temas, pessoas, História. Pois 2018 guarda uma profusão de efemérides

por Flávia Oliveira no O Globo

Foto Marta Azevedo

Dos pequenos segredos que já revelei nos escritos deste espaço, está a fixação por sinais. Por hábito, temperamento ou religiosidade, costumo reparar em cenas, pessoas, palavras, números – e buscar significado. Também gosto de datas comemorativas. Favor não confundir com o calendário comercial, assentado no retorno financeiro. Vibro com datas que são norte e provocam discussões sobre temas, personalidades, fatos históricos. Pois calhou de 2018 guardar uma profusão de efemérides. Sinal de quê?

Ainda ontem, sul-africanos caminharam em celebração ao centenário de nascimento de Rolihlahla Mandela, eternizado como Nelson, o prenome de origem inglesa que lhe foi imposto por um sistema educacional inimigo da identidade africana. Planeta afora, o líder antiapartheid, preso por 27 anos, primeiro presidente não branco da chamada nação arco-íris, Nobel da Paz em 1993, foi reverenciado como ícone da luta pela liberdade e pela igualdade racial, ancorada na reconciliação pela História revolvida, não no passado soterrado. “Perdoar, mas não esquecer” foi lema que ouvi – e absorvi – nos 40 dias de cobertura da Copa do Mundo 2010, na África do Sul. Conhecer o passado é senha para livrar o futuro de velhas injustiças, grandes erros, regimes criminosos.

Mandela começa sua autobiografia referindo-se a fatos históricos de seu ano de nascimento. Cita o fim da Primeira Guerra Mundial, o início da pandemia de gripe espanhola, que vitimou ao menos 50 milhões de pessoas em todo o mundo. O 2018 de seu centenário enfileira outros aniversários que dignos de reflexão. Maya Angelou, poeta e ativista americana, faria 90 anos. Ela completou 40 no dia em que Martin Luther King, líder do movimento pelos direitos civis dos negros nos EUA, foi assassinado, há meio século.

Pelo calendário, estão Mandela, Maya, Martin a nos lembrar que a luta política por inclusão é longa e pavimentada de brutalidade. A execução da vereadora Marielle Franco, quatro meses atrás e ainda sem autores nem mandante identificados, não deixa esquecer. No Brasil, faz 130 anos da abolição da escravatura, que pôs fim ao cativeiro, mas não permitiu aos negros a vivência plena da liberdade. A Constituição Brasileira, que assegura a igualdade, criminaliza o racismo, prega a laicidade, se compromete com o Estado democrático de direitos, completa três décadas. Encontra um país mergulhado em fragilidade institucional, desalento político e retrocesso social.

Este ano, faz 40 anos que morreu Candeia, inspetor de polícia truculento tornado ícone do samba. O compositor, fundador da Portela, reconhecido como inventor das comissões de frente nos desfiles das escolas de samba, faleceu dias antes do lançamento de “Axé – Gente amiga do samba”, seu quinto e último álbum. Uma das faixas é “Dia de graça”, cuja letra exorta os negros a buscarem a mobilidade socioeconômica, até então, restrita ao carnaval: “E deixa de ser rei só na folia/ E faça da sua Maria uma rainha todos dias/ E cante o samba na universidade/ E verás que seu filho será príncipe de verdade/ Aí então tu jamais voltará ao barracão”.

Tantas coincidências de datas redondas num ano de crescente intolerância, xenofobia, extremismo e desesperança – no Brasil e no mundo – só podem ser indícios de algo a aprender ou resgatar. Não bastassem esses, em 2018 uma seleção francesa multiétnica ganhou a Copa do Mundo. Na Rússia. Sinais.

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