Ato na Champions une negros e brancos em marco da luta antirracista no futebol

FONTEFolha de São Paulo, por Marcelo Medeiros Carvalho
Neymar acompanha de perto a discussão entre o árbitro romeno Ovidiu Hategan e o atacante Demba Ba, do Basaksehir (Reuters)

A bola parou de rolar, e os olhares do mundo se voltaram à beira do gramado, onde os jogadores discutiam com os árbitros da partida. Aos poucos, as informações foram sendo divulgadas e tomamos conhecimento de mais um caso de racismo no futebol. Desta vez, porém, foi diferente.

No jogo entre PSG e Istanbul Basaksehir, o ato de racismo foi praticado por membro do quadro da arbitragem, algo que não é comum. Aquele que deveria zelar pela aplicação da lei e da ordem cometeu um crime que não passou impune graças à indignação de Demba Ba.

Com o início da confusão, a primeira reação do árbitro da partida foi expulsar o atleta do Istanbul, numa atitude comum aos árbitros quando percebem um jogador exaltado. Mas numa atitude errada, afinal estava deixando em campo o agressor e expulsando as vítimas de atitudes racistas.

Tudo mudou quando os atletas das duas equipes decidiram abandonar o campo se o acusado não fosse retirado da partida. Um marco no futebol mundial.

Em diversas oportunidades, jogadores ofendidos não foram amparados por seus companheiros de equipe, não tiveram a solidariedade dos atletas do time rival e ainda foram expulsos da partida após reagirem aos insultos racistas.

Em todos esses casos, o que mais se ouviu é que esses jogadores deveriam abandonar de fato o jogo e que os demais atletas negros deveriam ser solidários. Na verdade, todos os jogadores deveriam abandonar a partida, e isso aconteceu nesta terça (8).

O dia 8 de dezembro de 2020 ficará marcado como uma data importante na luta antirracista no futebol, o dia que atletas brancos e negros se uniram na luta contra o racismo.

O incidente mostrou que não podemos esperar das entidades que comandam o futebol atitudes severas e fortes, afinal a Uefa tentou que o jogo voltasse. A principal entidade da Europa quis resolver a questão rapidamente e voltar ao espetáculo, mas os atletas mostraram sua força e se recusaram a jogar.

A mudança não virá de quem comanda e controla o futebol. Ela acontecerá a partir da mobilização dos atletas, também dos torcedores, de todos, não só dos negros.

Esse exemplo nós já tínhamos visto da NBA, onde os atletas se mobilizaram, exigiram mudanças e foram atendidos e respeitados pela liga.

Em Paris, o futebol mostrou que a mudança se faz com atitudes e que não é um esporte praticado por alienados. Não é simplesmente o espelho da sociedade, como se o fato de o racismo existir fora dos campos significasse que dentro ele também existirá, e que o jogo precisa seguir.

O futebol é um espetáculo, mas nesta terça a questão financeira não foi mais forte que a de humanidade.

Amanhã, quando um novo caso de racismo acontecer, não saberemos qual será a reação dos atletas, se haverá novamente indignação com o ato e solidariedade com a vítima, mas certamente quem estiver em campo e fora dele lembrará do que fizeram os jogadores do PSG e do Istanbul.

A luta contra o racismo no futebol ganhou um capítulo importante no esporte que não pode prescindir dos corpos negros, mas que ainda não aprendeu a respeitá-los.

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