Autoestima ajuda a driblar crueldade do racismo na infância

Crianças e empresária dona de loja de bonecas falam das partes legais e difíceis de serem negras

FONTEPor Marcella Franco, da Folha de S. Paulo
Joyce Venâncio, que criou uma loja de bonecas negras baseada na frustração de infância de não encontrar bonecas parecidas com ela (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress)

“Ser negra é algo que vai muito além da cor da pele.” Essa frase é da Gabrielly. Ela tem 13 anos e já entende muito sobre como funciona o mundo em que vive —para o bem, e para o mal.

“Ser negra significa ter que aguentar comentários ofensivos e idiotas, aguentar a desigualdade social, o racismo, as pessoas sempre acharem que o negro vai furtar ou roubar. É uma coisa que nós negros temos que carregar para o resto da vida”, enumera Gabrielly. “Mas, independentemente disso, temos que ter orgulho da nossa cor.”

Quando era criança, a empresária Joyce Venâncio tinha uma consciência tão profunda de si mesma quanto a que Gabrielly tem hoje. Ela lembra que, mesmo tendo crescido em uma família que conversava muito sobre preconceitos e crueldades, ainda assim viveu momentos ruins.

“Era difícil enfrentar vários tipos de xingamentos, piadas. Nós vivemos num país onde a maioria das pessoas é negra, mas é um país onde também tem muitos racistas. E essa situação do racismo dói demais.”

Uma vez, Joyce questionou em casa por que não havia bonecas da mesma cor que a sua. A avó não teve dúvidas: comprou uma cabeça de boneca (branca), revestiu com uma meia-calça tingida (porque naquela época também não havia meias das cores de todas as peles), e fez para a neta uma boneca parecida com ela.

Muitos anos depois, Joyce abriu em São Paulo uma loja de bonecas como a que ganhou na infância. Na Preta Pretinha, há brinquedos de todas as cores, mas as bonecas negras são maioria.

“Minha avó sempre fortaleceu a autoestima de todas as crianças. A Preta Pretinha hoje existe por conta dela, é uma extensão da história da minha família”, resume.

Para Joyce, ser negra é maravilhoso. “Eu me amo, gosto de me olhar no espelho. Gosto desse cabelo, do meu tom de pele. É muito bom saber que você é referência para muitas pessoas. Ser negra é força, coragem, sabedoria. É ter fé, é conquistar. Para mim, o céu é o limite.”

A Larissa, de 11 anos, acha que uma das coisas mais legais de ser negra é dar entrevistas. “Já fiz uma antes, e agora essa”, disse à Folhinha. “Ser negra para mim é ser uma pessoa muito forte, cheia de conquistas e amor para dar para as outras pessoas.”

Uma das coisas mais legais que já aconteceram à Barbara, de 11 anos, foi receber elogios sobre seu cabelo. “E a pior coisa foi me sentir excluída em algumas situações de pessoas brancas”, lembra.

“Em uma foto, se você é negra você se destaca mais que as outras pessoas porque você tem uma cor diferente, e às vezes é legal, às vezes não é. Aconteceu uma vez comigo e não gostei”, conta Maria Paula, 11 anos.

“Se for parar pra pensar, se você for numa escola que não é pública, não vai ter tantas pessoas negras. Na minha classe, por exemplo, tem um menino negro”, diz.

Maria Eduarda tem 13 anos e gosta muito de ser negra, mas sabe que há quem não compartilhe desse seu ponto de vista. “Como os racistas, que acham que nosso cabelo é feio”, explica.

“Tem argumentos horríveis que já falaram pra mim como ‘cabelo ruim’, ‘cabelo de bombril’, ‘cabelo duro’. Ser negra é ser seguida em todo lugar que você entra, se sentir inferior. Um segurança te seguir com medo de você roubar algo.”

Mas, mesmo com o mundo lá fora tão bruto, Maria Eduarda mantém a autoestima. “Minha pele é uma das coisas mais bonitas que existem. Tenho traços lindos que lembram minha cultura, e essa é uma marca que vou carregar até o final da vida”, fala.

Joyce, dona da Preta Pretinha, gosta de contar uma história sobre quando se candidatou a miss primavera na escola. Eram 29 meninas concorrendo, e só 3 delas eram negras —Joyce, sua irmã e uma terceira aluna.

“Algumas garotas se colocavam como vencedoras desde o começo, mas eu estava muito segura. Ganhei e minha irmã ficou em terceiro lugar. Muitas famílias racistas não aceitaram o resultado e mesmo assim foi incrível”, lembra.

“É importante você como criança negra olhar esse cabelo maravilhoso e saber que podemos fazer vários tipos de penteado, deixar blackpower, cacheados, preso, fazer trança”, ensina. “É fundamental se gostar, se olhar no espelho, e se enxergar como uma pessoa linda, cheia de potencial.”

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