“Bacanal narcisista no Louvre” Um preto no Louvre incomoda muita gente…

imagem retirada do clipe Ape****

Um preto no Louvre incomoda muita gente, um preto e uma preta incomodam muito mais

por Valéria Andrade enviado para o Portal Geledés

imagem retirada do clipe Ape****

Não tenho cacife ainda para analisar um clipe tão profundo com tamanha facilidade e consistência, eu admito. Sou apenas uma moça latino-americana, estudou na escola pública a vida toda, recém formada em jornalismo, nascida num lugar que era subúrbio e agora é cool, mas nem vem o caso tudo isso. O que importa aqui, é que sempre procuro por análises para muitas vezes confirmar o que eu vi ou ter outra visão sobre clipes, discos, filmes, obras, peças e tudo que envolva arte no geral, porque é o jeito que eu arranjei para estudar e conhecer.

Para entender Ape**** do The Carters não foi diferente, tive que procurar por toda a internet, li análises de pessoas que conheço no Facebook, porém, nem tudo são flores. Deparei-me com o texto mais racista que eu li nos últimos tempos. Não vou citar o nome da autora, não vou citar o veículo, quem quiser que procure e lide com tanto preconceito num lugar só. Para facilitar o processo, o título do texto é o mesmo que o meu, só que sem aspas.

Fiquei congelada em frente à tela do meu celular, assustada com o uso de adjetivos como: arrogante, insolente, pretensioso e mais uma gama deles. Além disso, a autora acredita que o significado de Ape**** e é o ato de macacos raivosos arremessarem fezes, mas não vi ninguém raivoso no clipe (nem jogando cocô), apenas ela mesma em sua análise.

Posso não entender muito de arte, contudo, quando vi o clipe, senti orgulho e como não sentiria? Um casal de pretos, ricos de fechar o Louvre, mandando um rap. E é sobre isso o clipe e a música. Todas as análises são importantes, mas nada é mais necessário do que ver pretos e pretas ocupando lugares onde só brancos ocupam (por enquanto). A autora parecia incomodada, já que a mesma chamou de bacanal, reclamou do fato dos Carters permanecerem de costas o clipe todo, chamou-os de brega por causa das vestimentas, sendo que o mais importante é justamente ter gente negra no Louvre.

Nós estamos no auge das produções feitas de negros para negros, de clipes maravilhosos, músicas que dizem muito sobre nós e tudo que a autora enxerga é que Bey e Jay estão de costas para as obras de arte. Nada dela procurar um significado para tal ato. Num lugar onde tem pouquíssimas obras feitas por negros e com baixa representatividade da figura, ficar de costas é o que há de mais inteligente a se fazer, porque poderiam tacar fogo logo e começar de novo. A autora deveria saber sobre esse fato, já que mora em Paris desde 1991 e é conhecedora de arte.

Os adjetivos me incomodaram mais ainda, porque eu já fui chamada de arrogante por querer um pouco mais do que eu poderia ter, por falar sobre negritude e vi se repetindo com outros negros e negras. Engraçado que branco quando faz algo grande é considerado ousado, já negro é arrogante, pretensioso.

E isso não é racismo, ok? Quem enxerga racismo nisso é imbecil, segundo a autora no Twitter. Deus me livre pensar que ela tem um medidor de racismo, porque negro não sabe reconhecer isso e tem que ficar nele. Depois ela mesma veio falar de censura, que o pessoal não poderia desrespeitar a opinião dela assim. Aliás, racismo para autora, é o termo Ape**** usado pelo casal.

A autora-jornalista-conhecedora de arte relembra do This is America do Childish Gambino, usa como referência, escreve outro texto usando o clipe, mas por qual motivo ele incomoda menos que o Ape****? No primeiro, o negro está no lugar onde o branco fetichiza que deva estar, morrendo de tiro, metendo bala, dançando no meio do caos. É gostoso e confortável para muitos brancos tudo isso, desconfortável é ver pretos fechando o Louvre e criticando sobre tudo aquilo estando ali. Ambos os clipes são de protesto, ela que não entendeu nada. Para a autora-jornalista-conhecedora de arte, é uma vingança afroamericana contra a Europa, mas quem disse? Pode ser também apenas pretos ocupando lugares onde só tem brancos, a vingança está na cabecinha dela e nos seus medos mais íntimos.

Existem coisas muito mais profundas no clipe, milhares de referências, podem até encontrar defeitos na feitura, por que não? Ninguém quer arranjar confusão com a autora por simplesmente falar mal, pare de achar que somos histéricos. Reclamamos porque sabemos bem de onde saem comentários do tipo, sentimos o racismo e vivemos isso durante anos, inclusive na arte e isso a senhora deveria saber também, já que eu que não entendo de nada, sei

Ah! Assistam ao clipe, ouçam o álbum e leiam as análises. Vai ser bem legal. Juro.


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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