Backlash: Desvendando o Contra-ataque Antifeminista

Definição comum de backlash: Reação antagonista a uma tendência, acontecimento ou evento.

Por Cely Couto Cafe Feminista

A partir da definição do termo backlash enquanto “reação contrária”, a jornalista e feminista Susan Faludi publicou o clássico “Backlash: o contra-ataque na guerra não declarada contra as mulheres” em 1991, nos EUA. Leitura essencial para feministas, essa obra analisa a onda conservadora que lutou para destruir as conquistas feministas da década de 1970, povoando os anos 80 de mitos que culpavam o feminismo pela suposta infelicidade das mulheres Americanas.

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O lançamento do livro foi um escândalo e acabou com a reputação de vários intelectuais, médicos e colunistas dos principais jornais e revistas do país, revelando fraudes e estatísticas distorcidas após uma pesquisa vasta e rigorosa. Susan decidiu escrever o livro em 1986, ao desconfiar de uma reportagem na revista Newsweek segundo a qual “É mais fácil uma mulher de 40 anos ser baleada por um terrorista que se casar”, e a partir daí encontrou as evidências de que precisava para denunciar os preconceitos e mentiras antifeministas que eram propagadas em áreas como jornalismo, publicidade, moda, beleza, livros, cinema, seriados de televisão, medicina, psicologia e políticas públicas.

É incrível como Susan nos prova com documentos e análises minuciosas que o feminismo não foi o responsável pela angústia da mulher americana dos anos 80. Com altas doses de irreverência, ela deixa claro que não foi a “igualdade” (ainda não alcançada) que deprimiu as mulheres, e sim a gigantesca pressão para deter, e até reverter a busca feminina da igualdade. Os setores conservadores do país dividiram a vida das mulheres em duas: trabalho e lar, e então disseram que este último era o único caminho para uma existência completa e satisfatória. Quando as mulheres, obviamente, resistiam a essa imposição, rapidamente sofriam punições psicológicas e materiais – que mais tarde eram estrategicamente atribuídas ao próprio movimento feminista.

“Se as mulheres americanas são tão iguais, porque representam, então, dois terços de todos os adultos pobres? Porque 80% das mulheres que trabalham em período integral ganham menos que 20 mil dólares por ano, porcentagem duas vezes maior ao número de homens pobres? Por que qualquer mulher com formação universitária continua ganhando menos que um homem que tenha apenas o curso secundário? […] Se as mulheres são tão “livres” porque suas liberdades de reprodução estão mais ameaçadas hoje do que há dez anos? (pág.13)”

Convém explicar que o backlash não é uma conspiração, como um conselho secreto emanando ordens para destruir as feministas. Muitas vezes as pessoas envolvidas na onda não estão conscientes de seus papéis, ou até se consideram defensoras das mulheres. Seria até mais fácil culpar uma “elite” ou um grupo de pessoas pelos esforços em combater as conquistas femininas, mas trata-se de algo maior, um fenômeno que revela o medo generalizado da transformação social. Com a emancipação das mulheres, o papel da mãe e esposa submissas e o trabalho gratuito das mulheres nos lares aos poucos desaparecem, levando consigo a segurança da ordem social fundada no direito do homem sobre a mulher. É assustador para os privilegiados testemunhar a ascensão de suas subordinadas, como se lhes escapasse entre os dedos a servidão que julgavam natural e merecida.

É claro que é preciso contextualizar o estudo de Faludi na realidade dos E.U.A., mas o que ela fez por nós foi criar um conceito poderoso que nos serve como instrumento para denunciar as mentiras antifeministas que ainda são propagadas. Uma vez que nós conhecemos e nos apropriamos do termo BACKLASH, temos mais uma ferramenta para compreender nossa realidade, e assim identificar manobras desonestas que tentam culpar o feminismo ou as próprias mulheres e seus avanços pelos problemas enfrentados atualmente. O que Susan fez foi nomear o fenômeno da reação antifeminista que tentou mandar as mulheres americanas de volta para o fogão na década de 80, mas muito além disso, ela abriu nossos olhos para reconhecer a mesma situação em qualquer outro lugar do mundo, tornando o backlash parte do nosso vocabulário de militantes e pensadoras. Uma simples palavra carregada de significado político pode mudar completamente um ponto de vista, e depois de Faludi ler uma notícia ligeiramente incômoda na imprensa nos convida a uma análise bem mais aprofundada.

No Brasil, não temos uma publicação do porte de Backlash (1991), mas algumas notícias corriqueiras podem revelar que também enfrentamos pequenos golpes diários. Em um país considerado conservador, e que ao mesmo tempo assiste a mudanças na estrutura familiar, econômica da informação, é curiosa a ênfase dada a certas matérias.

Recentemente, testemunhamos um estupro veiculado ao vivo em um “reality show”, e muitos veículos da imprensa se aprofundaram no tema e questionaram os limites éticos da mídia, se realmente havia ocorrido um crime e quais seriam as penalidades adequadas. Para ilustrar essa crítica, uma revista (Veja, 25.1.2012) veiculou na capa a imagem da moça que sofreu o abuso em uma posição bastante sugestiva – basicamente uma foto da bunda da participante obtida pelo programa de TV com a frase “Passou dos limites” estampada -, ainda que o conteúdo da matéria fosse voltado à responsabilidade da emissora. Qual a intenção? Nas entrelinhas, podemos entender que a mulher em questão, com sua exposição do corpo e liberdade “excessiva”, é a responsável pela “decadência” do conteúdo televisivo ao nível do imoral e caricato, sendo ainda a real culpada pela violação do colega enquanto dormia.

Relatando o mesmo caso, uma colunista de revista feminina (AnaMaria, 1.2012) chegou a afirmar que odiava mulheres promíscuas que desmaiavam após beber e que estupro já não é realmente uma preocupação (é, já podemos sair de shorts e regata em uma rua deserta sem qualquer preocupação, no máximo um assalto), para despertar tamanha indignação e pedia desculpa às feministas pois não concordava com a insistência delas sobre o tema. Nem vamos discutir como alguém pode odiar mulheres que bebem e são abusadas ao invés de odiar seus abusadores, pois isso é largamente explicado pela nossa cultura machista que culpa a vítima e acusa as mulheres de provocarem a violência sexista dos homens. Mas atentando à argumentação da jornalista, concluímos que a tal “libertação sexual feminina” foi um hediondo erro feminista que transformou a mulher em um ser vulgar, e, conseqüentemente, a fez merecer o estupro, a humilhação e o abuso. Seriam as poucas conquistas da chamada Revolução Sexual (que na realidade é mera reforma) as culpadas pela violência sexual e o assédio contra as mulheres? Seriam a pílula anticoncepcional, o direito ao divórcio e à livre escolha d@s parceir@s afetivos os vilões que rebaixaram as mulheres ao status de presas sexuais? Conhecendo as estratégias do backlash, conseguimos perceber que na verdade a libertação sexual das mulheres ainda está distante de ser alcançada e que os avanços feministas estão apenas no começo, e que a culpabilização da participante do BBB e a patrulha conservadora sobre a sexualidade das mulheres são os verdadeiros sintomas do retrocesso político.

Outra observação que pode ser feita sobre a Veja (20.6.2012) é a respeito de uma publicação de sua seção de entrevistas, em que expõe a opinião de uma controversa filósofa feminista sobre a maternidade. De acordo com a entrevistada, a mulher hoje é obrigada a ser uma “super mãe”, sendo um martírio seguir o que esperam dela: um modelo de dedicação, trabalho e doação, que abre mão da carreira pelo rebentos. Até aí, sem objeções. Entretanto, para embasar seus argumentos, ela afirma que essa situação se deve ao pensamento das feministas da década de 70 (?!), que são as mães da nossa geração. Em sua visão, as mulheres atuais buscam ser a antítese das suas geradoras, optando por uma vida “menos maçante” através da dedicação integral à maternidade, enquanto as mais velhas viveram de forma extenuante dividindo as responsabilidades entre a casa, o trabalho e a família. Em resumo, Bardinter acusa as feministas pelo mito da mãe perfeita com jornada tripla, alegando que tudo o que as mulheres querem hoje é ter tempo para se dedicarem à maternidade.

Bardinter é francesa, e aponta feministas do seu país natal como reprodutoras do discurso essencialista sobre a maternidade, se contrapondo a elas. É fato que algumas feministas que adotam discurso biologizante do materno podem colaborar para o mito da mãe perfeita, mas não é esse discurso o fator decisivo que influencia a realização da maternidade, e sim a estrutura social que não proporciona condições e suporte adequado para as mães. Se as mulheres não encontram tempo e espaço para terem filhos, é primeiramente porque as leis trabalhistas não facilitam a tarefa, não há creches o suficiente e de qualidade e os pais não dividem o cuidado com as crianças conforme esperado – curiosamente as demandas do movimento feminista. Dessa forma, Bardinter se torna agente do backlash, generalizando e culpando o feminismo pela insatisfação feminina, sem considerar o contexto social e político das mulheres e sua origem na opressão.

No livro, Faludi cita diversos exemplos de como a ciência foi usada pela mídia para fortalecer as falácias que constituíram a base do Backlash, e podemos mencionar um exemplo muito interessante na mídia brasileira: a matéria Mulher com nível superior fica mais solteira que homem”, publicada em 15.1.12 pela Folha de SP, citando como fonte dados do IBGE. Analisando a fonte e o discurso tendencioso na reprodução da noticia, percebemos claramente a tentativa de lucrar à custa do “medo de ficar para titia”: Os dados citados, quando observados no relatório do IBGE, fazem referência a mudanças na constituição familiar, constatando que as mulheres com nível superior tendem a passar mais tempo solteiras, buscar companheiros com menor grau de instrução e assumir o papel de provedoras da casa.

Ao ser publicada na Folha, a pesquisa ganhou um enfoque diferente: pontuou a diferença numérica de mulheres e homens solteiros e com ensino superior, indicando que quanto menor a escolarização feminina, maior é a chance de ter um cônjuge. O jornal também optou por evidenciar que quando a mulher tem nível superior e o homem não, a relação pode ser abalada, já que a mulher não aceita mais um papel submisso e o homem pode ver seu posto de provedor da casa ameaçado. Não é preciso mentir para distorcer informações, nesse caso os dados são verdadeiros, mas a mensagem pode ser manipulada pelo veículo. O texto não faz questão de focar a maior quantidade de mulheres com ensino superior, apenas conduz nossa interpretação para um conselho típico do backlash: “segurem seus machos”.

Trazemos esses exemplos para demonstrar a importância de uma leitura crítica sobre as mensagens que recebemos diariamente. Somos bombardeadas por opiniões que buscam justificar nossas angústias enquanto mulheres na sociedade, mas precisamos analisar profundamente as entrelinhas desses discursos para descobrir a quais interesses eles estão servindo. O feminismo não poderia de qualquer maneira ser bem aceito pelos grandes veículos da informação, pois gera receio e medo nas camadas conservadoras pelo seu potencial subversivo e pela profunda transformação social que a emancipação das mulheres representa. Cabe a nós identificar os sinais de backlash, conhecer noss@s inimig@s e fugir das armadilhas do refluxo antifeminista, desconstruindo as falácias que insistem em retroceder a luta contra o sexismo, pois não há verdadeira mudança social sem a garantia dos direitos humanos das mulheres.

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