Baixo nível de participação política e social é fator que contribui para a ampliação das desigualdades no Brasil

Relatório “Democracia Inacabada”, que a Oxfam Brasil lança nesta segunda-feira (9/8), analisa a relação entre democracia e redução de desigualdades no país.

FONTEPor Soraya Aggege, enviado ao Portal Geledés
Foto: Reprodução/Facebook

A história brasileira mostra que há uma relação entre democracia e redução das desigualdades no país. O novo relatório da Oxfam Brasil, Democracia Inacabada: um retrato das desigualdades brasileiras, lançado nesta segunda-feira (9/8), analisa o nível de participação e a representação política brasileira, desde o Império até os dias de hoje, e como essa relação contribui para tornar o país mais democrático.

Para reduzir suas desigualdades, é preciso que o Brasil adote um novo paradigma de políticas públicas, com foco em grupos mais vulnerabilizados, promovendo assim uma retomada econômica e social mais justa. Para isso, entretanto, será necessário enfrentar, de maneira incisiva, também as desigualdades de representação política, para reequilibrar a distribuição de poder político e tornar o ambiente de tomada de decisões mais equitativo.

O novo relatório é dividido em quatro partes: Democracia e Desigualdades, em que se discute o papel da democracia no combate às desigualdades; Democracia e Participação, com foco na discussão sobre a participação social em uma sociedade democrática, com um breve histórico dos sistemas eleitorais de 1822 a 2019 e a criação de Conselhos, Conferências e Orçamentos Participativos pelo país; Democracia e Representação, sobre a importância dos espaços participativos e a representação adequada de maiorias demográficas e grupos vulnerabilizados na adoção de políticas públicas sociais que contribuam para a redução de desigualdades; e Propostas para Melhorar a Democracia Brasileira, com uma agenda de trabalho baseada nos tópicos do relatório, visando um país mais justo e menos desigual.

É importante aprimorarmos e aprofundarmos nossa democracia para que ela funcione para todas e todos, e não apenas para um pequeno grupo de pessoas, que se beneficia dela desde que a República brasileira se formou”, afirma Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil.

Sabemos que a adoção de políticas públicas sociais inclusivas é o meio mais eficaz de combater as desigualdades. Entretanto, entendemos como fundamental para a democracia brasileira que essas políticas públicas sejam discutidas e aprovadas nas instâncias legislativas de direito, em um ambiente com uma participação mais equitativa de pessoas negras, mulheres, indígenas e representantes LGBTQI+ nos espaços decisórios e de poder”, afirma Katia Maia.

O Brasil é hoje um país majoritariamente negro e feminino governado por homens brancos. Estamos evidenciando com este relatório os elementos que impossibilitam uma resposta adequada da política nacional aos desafios que temos: crise econômica, pandemia de covid-19, vulnerabilidade de milhões de negros, mulheres, indígenas e pessoas LGBTQI+”, diz Helio Santos, presidente do Conselho da Oxfam Brasil.

Os picos de desigualdades no Brasil

Ao analisar a história brasileira, dos três picos de desigualdades verificados no Brasil desde a formação da República até os dias de hoje, mostra-se que dois foram em períodos autoritários: fim da República Velha e o Estado Novo (de 1926 a 1945) e a ditadura civil-militar de 1964 (até 1985). O terceiro período foi durante a redemocratização do país a partir da eleição de Tancredo Neves (1985) e durante o governo Sarney (1985-1990).

A análise desses três períodos indica uma relação entre democracia e redução de desigualdades, mas isso por si só não explica as variações de concentração de renda no topo da pirâmide social ou o quão igualitário é um país. Para isso é preciso analisar também a participação social e a representação política.

“(…) as restrições à participação popular que marcam regimes de caráter autoritário tendem a favorecer a adoção de políticas que ampliam as desigualdades, ao fomentar o desequilíbrio político entre os mais vulneráveis e os grupos sociais privilegiados. A concentração do poder político nas mãos da elite política e econômica cria condições para uma captura do Estado em benefício dos interesses daqueles que compõem esse grupo[1], um fenômeno que será tanto mais intenso quanto mais limitada for a participação popular no processo decisório.”

(trecho do relatório Democracia Inacabada)

A participação social se dá por diversas formas, explica o relatório Democracia Inacabada da Oxfam Brasil. Uma delas é por meio do voto. A participação eleitoral no país mudou significativamente ao longo dos anos. O modelo atual que temos no Brasil é graças à Constituição de 1988, que em seu artigo 4º prevê:

“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual e para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I – plebiscito;

II – referendo;

III – iniciativa popular.

Ainda, as políticas de participação e controle social de políticas públicas compõem os diferentes mecanismos vigentes no Brasil. De 1988 para cá, houve aumento significativo de participação (eleitoral ou de controle social), inclusive dos mais pobres, resultando em aprovação de políticas públicas sociais que tiveram grande impacto na redução das desigualdades.

Para ampliar a participação popular nos processos decisórios políticos, foram criadas diversas instituições participativas como conselhos, comissões, conferências e orçamentos participativos. Em 2018, havia no Brasil 40 conselhos ou comissões nacionais de políticas públicas – 75% dos quais criados a partir da Constituição de 1988.

Em abril de 2019, o Governo Federal publicou decreto (9759/19) extinguindo arbitrariamente ou restringindo a existência de colegiados participativos na esfera federal. Isso afetou conselhos e comissões que tratavam de temas variados, como drogas, trabalho decente, pessoas com deficiência, Previdência, política indigenista, segurança pública, direitos dos idosos, população LGBTQI+ e segurança alimentar

Atualmente, a partir desse tipo de medida e aquelas de austeridade fiscal adotadas como meios de recuperação econômica – com o agravamento da crise econômica, principalmente a partir de 2015, e com o início da pandemia de covid-19 – todos esses avanços estão em risco e já apresentam retrocessos em relação ao combate às desigualdades, a fome e a pobreza.

“Neste contexto, a elite política atribui a responsabilidade pelos déficits fiscais aos gastos sociais direcionados principalmente aos grupos mais vulnerabilizados, estratégia que exime essa elite do necessário debate sobre o fortalecimento da capacidade do Estado em implementar políticas capazes de reduzir a desigualdade, como é o caso de uma reforma tributária justa e progressiva.”

(trecho do relatório Democracia Inacabada)

Sub-representação política é uma marca da democracia brasileira

Historicamente, mulheres, a população negra e os povos indígenas sempre estiveram à margem do sistema político brasileiro. A sub-representação desses estratos sociais nos espaços políticos institucionais influencia diretamente (e negativamente) na aprovação e adoção de políticas públicas que os beneficiaria.

O relatório Democracia Inacabada da Oxfam Brasil defende uma agenda de trabalho de seis pontos que reforme e aprofunde a democracia brasileira de maneira a mitigar a desigualdade na representação política de grupos minoritários em espaços de poder, para que a democracia do país tenha um papel mais incisivo na redução das desigualdades.

A agenda prevê:

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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