Barbara Reis fala do racismo na infância: “Não podia gostar dele, pois era preta”

A atriz faz um balanço do que aprendeu com sua personagem de “Éramos Seis” que passeou pelo empoderamento e feminismo do começo do século 20

Por Felipe Carvalho, Da Revista Marie Claire

Barbara Reis- mulher negra, de cabelo cacheado, vestindo camisa de cola alta branca
Barbara Reis (Foto: Lukas Alencar)

Barbara Reis deixou o elenco de Éramos Seis antes do último capítulo quando Shirley foi acometida por uma doença que lhe tirou a vida. A personagem teve forte impacto na trama das 6 e mostrou alguns conflitos em sua trajetória: uma mãe disquitada e uma mulher que se envolveu somente com homens brancos, João (Caco Ciocler) e Afonso (Cassio Gabus Mendes), dois assuntos incomuns para o começo do século 20.

A atriz conta que nunca sentiu preconceito em sua vida pessoal por se relacionar com pessoas de raças diferentes da sua, mas lembra em conversa com a Marie Claire que, ainda na infância, sentiu as primeiras apunhaladas do racismo.

“Tenho uma memória de infância que nunca me esqueço e foi ali que eu senti forte essa questão: fui me declarar para um coleguinha de escola e ele disse que eu não poderia gostar dele, pois eu era preta. Eu fiquei bastante triste”, diz.

Já na adolescência, Barbara conta que, assim como muitas meninas na sua época, também alisava os cabelos por uma questão de padrão. Ela comenta que era moda fazer escova definitiva para manter as madeixas sem qualquer volume.

“Aos 17 anos resolvi deixar meu cabelo ser como ele era por conta da profissão mesmo. Comecei a transição quando ainda nem era a moda. Costumo brincar que eu fui a precursora do movimento da transição capilar (risos). Na época não haviam tantos produtos como hoje e fiz a transição na marra, diversificando os penteados, fazendo tranças na nagô, coques e faixas. Hoje eu amo meu cabelo, adoro meus cachos e o corte mais curto que fiz para a novela me deixou mais feliz ainda”, comemora.

Ainda no assunto capilar, a atriz revela que já sofreu preconceito por assumir sua identidade com os cabelos afro. Ela narra que certa vez colocou tranças rastafári e uma senhora fez um comentário racismo ao ver seu visual.

Ela disse para o meu marido ‘que cabelo feio’, disfarçadamente, mas eu escutei e isso me deixou muito incomodada. Fiquei bastante perplexa com o que ouvi e não consegui falar nada na hora. Não esperava ouvir aquilo. Fiquei surpresa, mas não me abati. Estava adorando meu visual e, no fim das contas, é isso que importa. Sem falar que é um penteado muito comum”, avisa.

Marie Claire: O que aprendeu de mais especial com a Shirley?

Barbara Reis: Que a felicidade está em si e não no outro, como ela cismava em acreditar. Shirley também me ensinou a manter a minha determinação porque ela é muito determinada e focada nas suas convicções, ainda que erradas, mas esse exemplo eu deixo só para ela mesmo.

MC: Na primeira versão e no livro que originou a novela, a personagem não existia. Isso te deu mais liberdade ou insegurança para construí-la?

BR: Isso me deixou mais à vontade para construir a minha própria Shirley, pois nessa versão ela foi trazida para o contexto brasileiro de naturalidade (baiana) e por ser negra, o que deixou mais próxima a mim. No mais, deixei o meu processo livre para criar, dentro do contexto histórico.

MC: A Shirley se separou de seu ex-marido no início do século passado, o que era um verdadeiro tabu. Como foi explorar e estudar isso?

BR: Apesar da Shirley não ter sido casada de fato com o primeiro marido, à vista da sociedade eles eram. Então isso já era motivo para as pessoas torcerem o nariz para sua condição de “desquite”. Tendo uma filha juntos, piorava muito a sua situação. Soube de mulheres que, por conta disso, viveram anos acomodadas com um marido que não as amava e ainda as maltratavam. Aliás, infelizmente, muito parecido com o que vemos hoje em dia ainda.

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