Bem na foto – Por Fernanda Pompeu

Enfim mudei da vila Madalena para a vizinha Beatriz. Como a mudança é provisória, enquanto a casa antiga é reformada, estou com olhar de turista. Minha primeira providência foi checar a padaria da esquina. O nome dela é Leão Coroado. Para quem não sabe, o Leão Coroado foi um recifense que morreu esquartejado por querer a República, por volta de 1817.

Me preparei para a degustação probatória. A textura do café expresso, a morenice do pão francês, a qualidade da manteiga. Pelos meus critérios os itens ganharam nota 7. Enquanto estava nesse jogo, minha atenção foi atraída para uma imensa fotografia – pregada em uma das paredes da padoca.

A data, 1956. A legenda, comissão organizadora da igreja Nossa Senhora da Aparecida da Vila Beatriz. Lá estão mais de vinte pessoas sobre a laje da construção. Todas com cara de orgulho, olhando diretamente para a câmera do fotógrafo. É uma bela foto.

Fixei em uma personagem. No único bebê. Está no colo do pai, ou do tio? Hoje ele ou ela terá exatamente a minha idade. Se, como eu, vivo estiver. Aliás, cinquenta e sete anos passados, muitos dos fotografados devem estar posando no céu para a câmera de Santa Clara, padroeira da televisão.

Essa igreja da Vila Beatriz tem um coral. Ouço-o da minha janela quando das missas de domingo. Acho aconchegante vozes coletivas. É uma certidão de comunidade. Qualquer dia, prometo, vou visitá-la. Quero ver os rostos que cantam.

Mas enquanto não faço isso, volto a pensar na foto da Leão Coroado. Ela me faz lembrar de outras fotografias com anônimos. Por exemplo, quando minha mãe mostra fotos da sua infância. Ela vai rememorando: “Esse é meu avô Heronides Cassiano. Essa é minha tia Augusta. Aquele, meu irmão Térbio. Já a garota à esquerda não faço ideia de quem seja.”

Quem será a menina à esquerda? Pois sei da história do Heronides, da Augusta, do Térbio. Sei como eles morreram. Mas nada sei sobre a anônima da foto. De repente, posso inventar qualquer vida e morte para ela. Curioso, é a ausência de nomes e de fatos que alucina nossa imaginação.

 

 

Fonte: Yahoo 

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