Empresas que compram os direitos do nome de celebridades como Beyoncé para perfumes só tem dois modos de criar e colocar no mercado tais fragrâncias: tentando a fórmula batida, que é doce e floral para os femininos, ou a fórmula condimentada e metálica para os masculinos. Eles podem também contrariar expectativas ao produzir uma fragrância que ninguém imaginava que poderia existir dentro do portfólio de uma celebridade. Em ambos os casos, seja a empresa licenciada Arden, Lauder, Coty ou outra, a sabedoria popular sabe que a celebridade em questão não tem nada a ver com o perfume.
Neste caso, com o Beyoncé Heat, primeiro imaginei que o processo criativo na Coty seguiria por algum caminho mais ou menos assim: as equipes de criação e marketing da empresa escolheriam a direção a ser tomada e fariam seus pedidos para os perfumistas. Então, os perfumistas produziriam a fragrância e a batizariam de “Beyoncé”. Isso pode até ter um fundo de verdade, mas a cada reunião de criação que eu vou, fica mais evidente que as empresas licenciadas tem, no fim das contas, cada vez menos controle sobre as fragrâncias.
As celebridades que realmente possuem controle criativo não têm conhecimento sobre o que é importante em um perfume: matérias-primas usadas na perfumaria, tendências de mercado, sucessos e falhas comerciais do passado ou história das fragrâncias (originais versus piratas). Os diretores de criação das licenciadas – no caso de Heat, Ruth Sutcliffe, da Coty – podem, diplomaticamente, fazer e desfazer. Mas no fim, os contratos negociados geralmente permitem que as celebridades dêem o aval final. “Gosto deste aqui” – e é ele que vai para o mercado.
Entretanto, há um vasto número de sutis alavancas das quais as licenciadas podem se valer. Beyoncé Heat se mantém fiel à fórmula batida: um feminino doce e floral. Diríamos que algo como 80% doce e 20% floral. Mas se Beyoncé bateu o pé e escolheu o que iria parar no mercado, foi Sutcliffe que deu forma às suas opções. A licenciada determina um fator fundamental, aquele que as celebridades geralmente não sabem que existe: o preço por mililitro da fórmula, ou o quanto de dinheiro é investido na fragrância, o que determina em grande parte sua qualidade.
Será que Sutcliffe explicou isso para Beyoncé? Acredito que não. Popstars não têm o perfil de quem perde tempo aprendendo química orgânica. Imagino que em seu primeiro encontro de criação, Beyoncé descreveu o perfume que desejava, provavelmente com adjetivos ou imagens: macio, luxuoso, “feminino mas independente”… e por aí vai. Sutcliffe passou esta informação adiante – tenha em mente que o intérprete possui um poder interpretativo imenso – para os perfumistas, esperando ganhar a concorrência.
Neste caso, os vencedores foram Claude Dir e Olivier Gillotin, e eu consigo imaginar como foi o processo todo. Dir e Gillotin experimentaram algumas ideias. Beyoncé sentiu os cheiros com Sutcliffe, escolheu a que estava indo por um bom caminho, mas “será que ela pode ficar um pouco mais quente?” Como aquele pôr do sol de verão de que ela se lembra, na infância. Ah! E claro, um pouco mais de rosa. Sua avó adorava rosas. Sutcliffe pediu para os perfumistas acrescentarem rosas.
Como Sutcliffe determina o preço, eles devem ter usado um orpur (nome que se dá à matéria-prima inalterada e de altíssima qualidade] de rosa iraniana, que é incrivelmente caro. Ou o tão caro quanto extrato de Rose de Mai búlgaro a hexano CR-18789, óxido de rosa, linalol e geraniol – talvez até todos eles, dependendo do briefing de Sutcliffe. Coube a eles criar a melhor fragrância possível dentro daquele orçamento.
Com Heat, Sutcliffe, Dir e Gillotin criaram um perfume decente. Esteticamente falando, Heat é um produto valioso dentro do gênero familiar das celebridades. A doçura de sua agradável interpretação, uma fragrância de framboesa e ameixa maduras, com um buquê estival. Se ele sai do caminho das fragrâncias com personalidade, o Heat também evita qualquer resquício de química ou de falhas em sua superfície macia e refinada. Tecnicamente falando, Sutcliffe, Dir e Gillotin apresentaram qualidade. O perfume evolui com consistência, e seu brilho tênue e agradável se mantém perfeito na pele durante horas.
Se você comparar o excelente Paris, de Yves St. Laurent como uma balada pop muito bem produzida, você deveria ir atrás do Heat. É agradável.