Black Lives Matter, epistemicídio e o que nós da Psicologia temos a ver com isso?

O movimento negro no Brasil como refere a pesquisadora Lélia Gonçalves, não pode ser visto como único, justamente por ser diversas as suas pautas e ocuparem várias frentes na quais as entidades lutam para assegurar os seus direitos, assim como o movimento black lives matter nos Estados Unidos, ambos lutam por direitos humanos e liberdades fundamentais no que diz respeito a manutenção da vida, seja ela no plano político, econômico, social, cultural ou qualquer outra que se manifeste.

Esta violência coletiva, perpetuada pelo Estado caracterizada pela aniquilação do sujeito a partir da sua exclusão social, restrição e discriminação nos espaços de convivência e oportunidades da vida representa não só o prejuízo da vida, bem como o seu fim, consequentemente causando o seu epistemicídio.

O fortalecimento dos movimentos negros no Brasil, vem de longos passos, me remetendo a frase dita por uma médica negra, feminista e autora do livro Comunicação e cultura e que hoje ocupa um dos lugares de maior prestígio nas lutas pelos Direitos humanos, Diretora da Anistia Internacional, Jurema Werneck “nossos passos vem de longe”.

Esta frase reflete a historicidade dos movimentos negros no Brasil, que vem se constituindo estrategicamente por suas diversas pautas e frentes, dentre elas a dificuldade de acesso à educação, saúde, esporte, lazer e moradia ao povo negro.

Por mais diferenças sociais que exista entre a sociedade brasileira e a norte americana e de que não partimos do mesmo princípio, temos pontos em comum entre ambos os movimentos o principal dele é a urgência em conseguir manter a manutenção da vida dos jovens negros, no qual sua existência é tida como uma ameaça as pessoas privilegiadas.

As estatísticas nos mostram que o racismo contra pessoas negras está de forma violenta estruturado em nossas sociedades, como demonstra o Atlas da violência em pesquisa feita pelo IPEA: “Uma das principais expressões das desigualdades raciais existentes no Brasil é a forte concentração dos índices de violência letal na população negra. Enquanto os jovens negros figuram como as principais vítimas de homicídios do país e as taxas de mortes de negros apresentam forte crescimento ao longo dos anos, entre os brancos os índices de mortalidade são muito menores quando comparados aos primeiros e, em muitos casos, apresentam redução.”

O atlas da violência no Brasil demonstra que a população negra em 2018 está entre os 75,7% dos homicídios dos habitantes brasileiros e pasmem o comparativo em relação as mulheres negras não é diferente, somando 68% do total de mulheres assassinadas no Brasil.

Nos Estados Unidos, segundo o jornal Correio Braziliense em matéria publicada em 14 de junho 2020, os negros representam 13,4% da população e 24% dos mortos por policiais, ou seja, morrem mais que pessoas brancas nestas abordagens.

Temos aqui evidentes diferenças nos dados comparativos, mas ambos os dados evidenciam a necessidade da sociedade brasileira bem como da sociedade americana de rever os valores e mudar a forma como enxergamos a cultura negra e povos afro descentes.

Talvez seja neste ponto de combate e enfrentamento ao preconceito e a violência contra a população negra que possa haver a contribuição da psicologia social, pois é a partir de seus estudos que identificamos as atrocidades ao longo da história como a questão do epistemicídio, que é caracterizado pela não transmissão da construção do conhecimento de um povo, que é negada a gerações futuras.

Denunciar e pensar novas formas de inclusão social e quais os seus impactos na subjetividade da população negra e da população branca passa ser uma contribuição acadêmica que reverbera na práxis das psicólogas que lidaram com a manutenção da qualidade de vida das subjetividades de pessoas negras, legitimando sua dor e sofrimento e podendo ressignificá-la a partir de um contexto social.

Mas que também por outro lado, deixaram de fazer a manutenção de questões raciais como aquelas que mais uma vez são invisibilizadas nos consultórios, sejam elas trazidas por pessoas negras ou brancas, por serem assuntos delicados.

Enfim, a Psicologia Social não pode se abster em lidar e se posicionar em relação ao produto de suas pesquisas e precisa se manter crítica, atuante e antirracista, na contribuição de uma sociedade mais justa, democrática e pautada em Direitos Humanos.

¹ Mestre em Psicologia Social pela PUC SP, especialista em Gestão pública pela FESPSSP, em Impactos da Violência na Saúde pela (ENSP/FIOCRUZ) e em Gestão da Clínica nas Regiões de Saúde, pelo Instituto Sírio-Libanês, é coordenadora da Rede de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Doméstica e Sexual de Suzano (SP). Ganhadora do prêmio Viva promovido na parceria entre o Instituto Avon e a Revista Marie Claire.
** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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