Branquitude acadêmica, ações afirmativas e o “ethos” acadêmico nas universidades brasileiras

FONTEPor Zwanga Nyack , enviado para o Portal Geledés
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É muito desolador as diversas formas que o racismo acadêmico encontra para controlar nossas mentes e nossos corpos. Pessoas negras que vivenciam esse espaço, seja por passagem ou com objetivos de ocupá-lo, assistem diariamente a falta de caráter explícita do pacto narcísico da branquitude (termo cunhado por Maria Aparecida Silva Bento, que trata de descrever os pactos que as pessoas brancas possuem entre si, em todos os espaços, fazendo com que seus privilégios se mantenham, mesmo que estes sejam diferentes entre eles). Tal pacto ocorre na medida em que pessoas brancas, que passam ou ocupam esse espaço, são beneficiadas constantemente e pouco são criticadas por não agirem da forma como a universidade espera que elas ajam, num primeiro momento (constituida nos moldes brancx-euro-ocidental). Não estou falando das pessoas brancas que não se encaixam na lógica da academia e também são vitimadas pelo modo como os seus iguais hegemônicos estruturam a sociedade e esse espaço em questão. Mas escrevo sobre as pessoas brancas que pouco se comprometem com a própria academia, mas que mesmo assim conseguem galgar esses espaços e possuem suas produções e seus modos de ver aclamados pela branquitude acadêmica, visto de forma eloquente. Quando saem do dito padrão são até percebidas como excêntricas, intelectuais alternativas, etc.

Em relação às pessoas negras, o mesmo não ocorre. Primeiro que a estratégia de sobrevivência de muitos é se assimilar: falar na língua acadêmica, beber de todas as fontes ocidentalizadas, incorporar o “ethos acadêmico”. Assim, é comum vermos pessoas negras se sentirem pressionadas para serem sempre as melhores, organizadas, cujo trabalho não pode fugir dos padrões da academia, senão não vão ser ouvidas, lidas, creditadas. As pessoas negras que se recusam a se assimilarem de tal forma, cujo não querem se aproximar desse modo de estar na academia e assim não reproduzir esta estrutura, portanto, não se submeter a mesma, são vistas como ultrajantes, egocêntricas, de difícil contato, e até mesmo esnobe. Isso quando conseguem reconhecer minimamente (minimamente mesmo) alguma coisa positiva que façam, mas para não elogiar ou reconhecer, de fato, tentam deslegitimar as mesmas (louco não?! A psicanálise explica direitinho isso! Grada Kilomba, que se utiliza de tal teoria, também!). Ademais, ainda falta descrever o “equivalente” (me desculpem por usa palavra e por ter que usar aspas) da pessoa branca que não trabalha do mesmo modo como seus iguais hegemônicos, mas que mesmo assim são vistos como excêntricos e com bons olhos. Se pessoas negras fugirem dessa norma, se agirem conforme as expectativas da branquitude acadêmica (vulgo assimilação) e nem se recusarem a isso, mas continuarem nesse espaço, elas automaticamente são colocada no lugar de descrédito total, desorganizadas, e vistas como incompetentes.

Enfim, com isso, quero chamar atenção para esse fenômeno cruel, que massacra as pessoas negras e demais sujeitos não hegemônicos (mas que também possui suas variantes no modo como são “inseridos” nesses espaços e sofrem com tal estrutura) e apontar para algo que venho percebendo como mais uma das positivas mudanças que as políticas de ações afirmativas estão fazendo acontecer nas universidades. Com tais políticas não só os números de estudantes negros e negras e indígenas, mas também um aumento significativo de professores pertencentes à estes grupos que faz com que tal estrutura se modifique. Ou seja, há mais possibilidades de se distanciar desse “ethos” acadêmico, que só desumaniza e gerencia sofrimento psíquico nos estudantes não-hegemônicos, uma vez que professores e estudantes não-hegemônicos conseguem se alinhar na construção de um outro espaço acadêmico, que seja mais libertador, criativo, que exalte as diferenças e que não seja adoecedor.

Sim, estou sendo otimista. Prefiro me manter assim. Grato.


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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