Branquitude acrítica: sem tempo, irmão

FONTEEcoa, por Bianca Santana
Manifestante exibe cartaz durante manifestação no largo do Batata, em São Paulo Imagem: ETTORE CHIEREGUINI/ESTADÃO CONTEÚDO

Não é de hoje a quantidade de mensagens, perguntas, convites questionáveis e pedidos de ajuda relacionados à temática racial. Mas desde que vocês se descobriram antirracistas, na semana passada, o número aumentou exponencialmente. Muitas pessoas negras têm escrito nas redes sobre quão violento é receber ainda mais demandas de quem está acostumado à posição de ser servido por pessoas negras. Parem.

Esse alerta não vale, evidentemente, para as pessoas e entidades com quem se constrói de forma respeitosa, no tempo. Sigo em interlocução com não-negros que têm compromisso com a luta antirracista — interlocução que é de mão dupla, nunca de mão única — e que se aprofunda devagar.

Não me lembro de ter mandado mensagens para pessoas com quem nunca falei na vida pedindo para que revisassem um texto meu. Ou de oferecer a maravilhosa oportunidade de fazer uma live comigo alguém a quem nunca dirigi uma palavra, um apoio, um like que seja. Agradeceria muito se não fizessem isso comigo nem com pessoas negras que estão perdendo seus entes queridos por Covid-19, outras doenças negligenciadas por um sistema que não se assume em colapso, ou por violência policial. Pessoas que estão cozinhando e entregando marmita, carregando cesta básica, levando oxímetro de um lado para o outro, organizando atos em defesa da democracia, muitas vezes preocupadas com as dívidas a pagar,mas dedicando tudo o que podem para que permaneçamos vivas.

Quem quiser me ouvir neste período pode ler os textos que já publiquei neste veículo e em outros, nos livros em que escrevi ou organizei, nas conversas em vídeo ou áudio do passado e do presente. Mas não me escreva pedindo uma atenção especial. Entre no site da Uneafro, nos Agentes Populares de Saúde ou na Coalizão Negra por Direitos, conheça o trabalho maravilhoso e pouco reconhecido de centenas de pessoas negras que se organizam politicamente, e apoie como puder. Mas não peça nada. Sua culpa não é problema nosso.

Disparo essas palavras para fugir da dor de escrever sobre o menino Miguel e a violência do trabalho doméstico. Penso nas minhas crianças. Fico angustiada pelas vezes em que somos negligentes com quem é frágil e precisa de cuidado. Lembro do homem que ofereceu sabão como se fosse chocolate para minha mãe e meu tio, ainda crianças, enquanto minha avó trabalhava limpando a casa de alguém. Choro ao ouvir Mirtes Souza e Marta Santana.

A indignação coletiva com Sarí Gaspar Corte Real e com o tratamento recebido pela primeira-dama loira é necessária e importante. Que exijamos justiça. Que aprendamos. Mas a repulsa não tira de vocês a responsabilidade pelo racismo intrínseco ao trabalho doméstico mal remunerado em suas casas.

Você pode não ser responsável direto pela morte de uma criança. Mas seu lugar na pirâmide social brasileira, a forma como organiza a reprodução da sua vida, seu voto, seus hábitos de consumo, sua herança tem relação direta com o que é estrutural. Trata-se de responsabilidade, não de culpa. O que é possível fazer diferente a partir do lugar social que você ocupa? Se você gosta da palavra privilégio (eu detesto), pense com verdade no que é possível fazer a partir desse lugar para que todas as pessoas possam viver. A gente não aguenta mais.

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