Brasil omite violações sistemáticas a negros em relatório sobre direitos humanos à ONU

Governo Bolsonaro distorce informações sobre sistema de combate à tortura e não cita racismo estrutural

FONTEFolha de São Paulo, por Gabriel Sampaio e Camila Asano
Moradores do Complexo do Alemão protestam contra forças de segurança em operação policial que deixou 18 mortos - Mauro Pimentel - 21.jul.22/AFP

O governo Jair Bolsonaro (PL) tornou pública nesta semana em relatório às Nações Unidas sua versão sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. O documento faz parte de um procedimento que avalia regularmente a situação dos direitos humanos em cada um dos países-membros da ONU.

O relatório enviado pelo Estado brasileiro, entretanto, apresenta uma série de supressões e distorções da realidade em que o país se encontra, como no campo da segurança pública e do combate à tortura.

A Revisão Periódica Universal (RPU) da ONU, como é chamada, pretende avaliar o que o governo tem feito para assegurar proteção e promoção dos direitos humanos de sua população, bem como combater violações sistemáticas, seguindo recomendações feitas pelos demais membros das Nações Unidas.

Embora tenha recebido mais de 50 recomendações relacionadas ao tema da segurança pública no último período, o governo federal optou por não dar prioridade a esse tema em seu relatório. Isso reflete a falta de compromisso no combate à letalidade policial e ao encarceramento em massa que atingem majoritariamente a população negra, pobre e periférica do país.

O governo parece ignorar um dos marcadores mais graves de violação de direitos humanos no país: o racismo sistêmico e estrutural. Segundo dados do 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, quase 80% das pessoas mortas pela polícia em 2020 eram negras, ao passo que 66,3% da população privada de liberdade, no mesmo ano, também era composta por negros.

Em relação à prática do desaparecimento forçado, há menção a supostos esforços empenhados pelo Estado brasileiro. No entanto, ainda não há no direito interno a tipificação da conduta como crime, a fim de que seja apurada como tal e encontre respaldo legal -inclusive para a responsabilização do Estado por crime praticado por seus agentes ou para omissões quanto a investigação e tutela das vítimas.

Do mesmo modo é tratado o tema do sistema de Justiça. São indicadas tão somente as iniciativas do Poder Judiciário em relação ao enfrentamento da tortura no país. Não constam iniciativas do Executivo ou do Legislativo objetivando, por exemplo, a redução da taxa de encarceramento, como recomendado no último período da RPU.

Aliás, no combate à tortura no Brasil, é possível afirmar que houve um grande retrocesso, visto que o governo federal não só deixou de propor iniciativas que fortalecessem o Sistema Nacional de Combate e Prevenção à Tortura, como contribuiu ativamente para seu esvaziamento desde o primeiro ano do mandato de Bolsonaro, em 2019.

É evidente que a versão do governo brasileiro se limita a elencar a ratificação de tratados e convenções internacionais, mesmo que as não tenha cumprido internamente. A escassez de espaços de participação e diálogo com a sociedade civil, a constante falta de transparência no fornecimento de dados e informações precisas e a disseminação de desinformação são características da atual gestão federal.

Sem o mínimo para se discutir a proteção e promoção dos direitos humanos, é impossível garantir políticas públicas que, de fato, atendam a toda população brasileira -especialmente aquelas parcelas mais vulnerabilizadas pelo racismo estrutural.

Nesse sentido é que se faz necessário que organizações da sociedade civil e demais coletivos e movimentos sociais tenham participação ativa em espaços como o da RPU, para denunciar as ações e omissões do Estado, a fim de que haja constrangimento internacional que o faça assumir um compromisso efetivo na proteção dos direitos humanos.

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