Brasil, país sem presente

Como se sustenta uma infância saudável sem sonho de futuro?

FONTEFolha de São Paulo, por Bianca Santana
Bianca Santana é Doutora em ciência da informação, mestra em educação e jornalista. Autora de "Quando me Descobri Negra" - João Benz/Divulgação

“Mãe, quando eu tiver 58 anos, o Brasil vai estar inabitável. Para onde você acha que eu deveria ir?”. Não tive coragem de responder para Cecília, minha filha de 12 anos, que não há para onde ir. Além das brutais alterações climáticas que se espalham por todo o planeta, as políticas imigratórias não são favoráveis às mulheres do Sul do mundo. E o resultado das eleições nos Estados Unidos desta semana não indica melhora alguma. Pelo contrário.

Nossas crianças e adolescentes estão ansiosos e sem esperança. Há excesso de uso de telas, sabemos. Mas há mais. Quem presta atenção ao que se passa ao redor, das ruas tomadas pela pobreza ao noticiário, dificilmente vai ter esperança. E como se sustenta uma infância saudável sem sonho de futuro?

Na semana passada, escrevi que a condenação dos assassinos de Marielle Franco representou para as mães vítimas da violência do Estado um ponto de virada. Oxalá aquela condenação inaugurasse o fim da impunidade aos que assassinam pessoas negras na certeza de que estão protegidos.

E então Ryan da Silva, um menininho de 4 anos de idade, foi baleado enquanto brincava na rua. Segundo a própria PM, é provável que o disparo tenha sido feito por um policial. O pai de Ryan, Leonel Andrade Santos, também foi assassinado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo em fevereiro deste ano, na chamada Operação Verão.

“Quantos mais vão ter que morrer até que essa guerra acabe?”, perguntou Marielle Franco antes de morrer, em vídeo que viralizou nas redes. A guerra do Estado brasileiro contra parte de sua população só tem se intensificado. E não há acordo internacional ou comoção coletiva para proteger corpos negros.

Para soterrar de vez qualquer esperança, o policial militar Rodrigo José de Matos Soares, autor do disparo de fuzil que assassinou a menina Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, foi absolvido por um júri popular.

Em setembro de 2019, Ágatha estava com a mãe no transporte coletivo, no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro, quando foi atingida. Na madrugada seguinte aos disparos, um grupo de 10 a 20 policiais militares invadiu o hospital onde Ágatha fora internada em busca da bala que atingiu a menina.

Mesmo que a bala tenha sido entregue à polícia, e que as investigações tenham apontado o autor dos disparos, ele foi absolvido nesta semana após o júri entender que Rodrigo José de Matos Soares não tinha a intenção de matar Ágatha.

Fica a autorização para agentes do Estado seguirem atirando, em qualquer horário do dia ou da noite, pelas favelas e periferias deste país. Mais crianças serão assassinadas, como foram Ryan, Ágatha, Jonatha, Eduardo, mas será possível argumentar que não existiu intenção de matar e, desse modo, sair impune.

Para minha filha Cecília, protegida dos disparos policiais pelo CEP, não há certeza de futuro.

Para Ryan, Ágatha e as cerca de 5.000 crianças assassinadas por ano no Brasil, não há presente.


Bianca Santana – Doutora em ciência da informação, mestra em educação e jornalista. Autora de “Quando me Descobri Negra”

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