Brasileira vai a ONU para denunciar casos de racismo no país

FONTEUniversa, por Rute Pina
Lúcia Xavier, assistente social e coordenadora da Ong Criola Imagem: Theo Marques/UOL

A brasileira Lúcia Xavier, coordenadora geral da ONG Criola, vai participar da 49ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) nesta segunda-feira (28). O objetivo da ativista é denunciar o racismo e as condições da população negra no país, principalmente das mulheres negras.

O encontro, marcado por conta do Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, no dia 21 de março, vai contar com a participação da ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, que hoje é alta comissária para os Direitos Humanos da organização internacional. Xavier falará na abertura do evento, que será online.

Ela adiantou o conteúdo do discurso a Universa: “Me cabe a tarefa sobre a qual minha organização está debruçada: apresentar a situação das mulheres negras e o quanto elas têm arcado com o ônus da falta de políticas pública ou mesmo com a negligenêcia do Estado, desde a violência às consequências das crises da pandemia”, diz ela.

“Minha intenção é lembrar que as mulheres negras têm passado por um momento muito difícil no país, não só pela violência estrutural, doméstica e sexual, mas também por situações como a mortalidade materna. Na pandemia, elas ficaram completamente desprotegidas. Foram as últimas a ganhar afastamento do trabalho, foram as últimas a serem orientadas sobre a vacina. É uma lista de problemas bastante graves, que não se encerram com o arrefecimento da pandemia.”

Xavier coordena a ONG Criola e se tornou uma das ativistas do movimento de mulheres negras mais atuantes do Brasil. Criada em setembro de 1992, a organização surgiu a partir de um núcleo de mulheres que fazia parte do CEAP (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas) e atua na defesa e garantia dos direitos das mulheres negras. Uma das primeiras campanhas foi contra a esterilização em massa em favelas do Rio.

O trabalho da ONG vinculado à saúde ganhou destaque —e essa é uma das áreas que a ativista mais vê retrocessos na gestão do governo de Jair Bolsonaro (PL). Ela pretende denunciá-los no evento internacional, citando, entre outros pontos, a escassez de dados sobre a saúde da população negra e o ataque aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

“Eles foram conquistados com base na autonomia das mulheres e, agora, isso é constantemente debatido como agenda de costumes, quando é um direito não sermos violentadas e não termos os corpos violados. Inclusive, a escolha da maternidade, optar se querem ter filhos ou não. Faltam políticas que garantam essa autonomia. Ações que estavam presentes antes não têm sido oferecidas regularmente para as mulheres.”

Xavier também cita a falta de acesso à educação para meninas negras e a retirada de direitos trabalhistas. “A revisão das leis trabalhistas afetou demais as empregadas domésticas, que ganham direitos em 2015, sofrem com a perda de emprego e são consideradas um trabalho essencial na pandemia. Mas esses novos tipos de contratos de trabalho deixam a situação delas ainda mais precária.”

Compartilhamento de experiências locais

Além de Xavier, mais três ativistas participam da cerimônia que vai escutar lideranças negras: o estadunidense Manjusha Kulkarni, o sul-africano May Kluk e o inglês Joshua Castellino.

A ideia é divulgar a ação desses ativistas para compartilhar experiências e olhar para a proteção da liberdade de expressão e o reconhecimento da autonomia das populações negras em tomadas de decisão políticas. “O momento é propício para uma chamada global contra o racismo”, diz a ativista.

A brasileira afirma que os quatro países com representantes no evento têm em comum, neste momento, o recrudescimento da violência policial e do Estado contra populações negras, migrantes e refugiadas.

“Todos eles passam pelo mesmo problema, em certa medida, com maior ou menos ênfase, com a violência policial. Além da perseguição, desigualdade e perda de direitos dessas populações”, afirma a militante. “Ao mesmo tempo, desde a morte de George Floyd, existe uma profunda mobilização entre diferentes países que tiveram que responder a essas questões”, continua.

Para ela, o discurso será uma oportunidade de promover uma agenda de enfrentamento ao racismo e à discriminação. “Muitos setores estão mobilizados pela busca de soluções para esse problema”, diz.

Por isso, ela acredita que seja um momento propício para cobrar em seu discurso que os países que integram a ONU retomem compromissos como os resultados da Conferência de Durban —assembleia da ONU que ocorreu em 2001 na África do Sul e estabeleceu a Declaração e Programa de Ação de Durban, documentos que instituem ações para combater as formas de racismo e discriminação racial.

“É bom retomá-los porque esse foi o último consenso sobre o tema, mas foi deixado de lado a partir do ataque às Torres Gêmeas, em 11 de setembro daquele ano. É uma documentação potente capaz de articular novos processos em todas as regiões”, diz Xavier.

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