Se perguntarem: “Nega do cabelo duro, qual é o pente que te penteia?”, muitas mulheres responderão que não há pente que dê jeito na vasta cabeleira, outras dirão que o melhor remédio é a chapinha. No entanto são raras as que manifestarão satisfação com umas das mais expressivas heranças que o povo africano deixou para os brasileiros: o tal cabelo pixaim. Um dos fatores que influenciam essa preferência pelo cabelo alisado é a mídia. O negro é pouco representado nos veículos de comunicação e a ditadura estética sempre valoriza o branco com suas características europeias.
Porém, para essa indagação, Fábio de Paula tem a resposta. Cabeleireiro há 15 anos, é um dos proprietários do salão Art e Tranças, localizado na Zona Leste de São Paulo, que compõe o ainda pequeno mercado especializado em cabelos crespos na periferia. Fábio herdou da mãe o talento de cuidar do cabelo afro. Na profissão desde os 17 anos, vê a identidade afro-brasileira crescer nas bordas da cidade. “Às vezes a gente recebe reclamação de cliente porque o patrão não aceita o cabelo armado ou rastafári. Alguns querem sair do emprego porque não podem assumir o visual. A mulher tem que estar convicta da sua beleza, porque a cultura negra também tem sua beleza”, afirma. Cliente do salão há dois anos, Rafael Souza é um grande entusiasta do estilo black: “Não me sinto representado pela mídia nem um pouco”, diz.
O Brasil ainda é um país preconceituoso e uma das mais recorrentes manifestações é o preconceito racial. Noêmia Matilde, técnica em enfermagem e também cliente do salão, é a única funcionária negra da casa de repouso onde trabalha há um ano. Foi vítima de preconceito há cerca de três meses. Ao ser perguntada sobre que trem usava para chegar ao trabalho, localizado na Vila Prudente, causou espanto à interlocutora ao responder que ia de carro diariamente. “Ela me olhou de cima a baixo e perguntou se eu conseguia bancar”, Noêmia lembra. “Entendi que ela quis dizer que o negro tem que andar a pé ou de transporte público. Eu me valorizo, me senti super bem ao dar o troco e mostrar que estou em um patamar igual ou superior ao dela.” Noêmia também vê nas mulheres em seu ambiente de trabalho uma vaidade que, antes da sua entrada, não existia. “Fico feliz porque elas tentam me copiar. Isso é ótimo!”
A relação social com o negro tem passado por mudanças, desde o sistema de cotas para as universidades federais até papeis como protagonista em novelas. Ainda não é o suficiente, mas um primeiro passo é reconhecer que vivemos em um país com preconceito racial. No entanto, é inquestionável que aqueles que não abrem mão de sua identidade afro-brasileira ainda são poucos. Não há necessidade de se render a uma construção estética ditatorial que evidentemente é fantasiosa e o negro tem que se valorizar – e não se fantasiar de branco.
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