cadê o texto?

 

“O estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro que o entendam os que não sabem e tão alto que tenham muito que entender os que sabem.” Curioso que essa perfeita descrição tenha sido feita por um padre em cima de um púlpito.

Era o ano 1655. O púlpito, o da Capela Real em Lisboa. O padre, António Vieira (1608-1697). Autor dos celebérrimos Sermões – coletânea organizada por ele de suas várias pregações na capital alfacinha e na baiana Salvador. A passagem citada está no Sermão da Sexagésima.

Mas o assunto da nossa crônica não é o padre Vieira, nem o púlpito, nem o sermão e menos ainda uma discussão sobre estilo. É uma conversa mais direta e cotidiana. Quase um lamento. Quero registrar uma ausência que sinto em 90% das matérias, posts, comentários e quejandos que ando lendo. A ausência do texto.

Pois é claro que uma frase depois de outra e depois de outra terminando com um ponto final não constitui por si só um texto. Para ser, um texto precisa de um mínimo de tessitura. Uma costura mesmo que modesta. Um texto que pode até não ter brilho, mas que dê um pouco de sabor para quem o lê.

Jornalista, blogueiro, redator publicitário, pesquisador acadêmico, comentarista da internet, em suma todos os que lançam mão das palavras para tornar algo público, deveriam levar mais a sério a construção do texto.

Tentar separar o conteúdo da sua expressão verbal. Uma coisa é o que se pretende dizer. Outra, é como dizer. Esse como é a tessitura. Saber escrever bem o conteúdo, seja ele qual for, é o grande prazer dos escrevinhadores. E, por extensão, a fruição dos leitores.

Eu não sei se as faculdades de jornalismo mantêm cursos de redação. Não tenho notícia se a moçada da área exercita modos de escrever. Sei que se conversa muito acerca da convergência digital, o que é ótimo. Se conversa acerca de princípios éticos, o que é ótimo também.

Agora, será que a moçada debate sobre como contar uma história de forma que o leitor guarde, por um tempinho que seja, alguma sensação após a leitura? Será que alguém exclama: “Nossa, isso está bem escrito” ou “Puxa, isso está mal escrito”.

Tenho certeza: nenhuma história é boa ou ruim. O que a qualificará, para cima ou para baixo, é o jeito como é escrita. A mais correta ideologia do mundo não sobreviverá se os textos que a propagarem forem fracos, confusos, opacos.

Tanto faz se o texto será impresso ou exibido nas telas dos computadores, tablets, smartphones. Ele seguirá sendo um texto. Seguirá almejando o que António Vieira sacou no remoto século XVII: “O estilo há de ser muito fácil e natural”.

Repare. A ideia e a expressão podem, num primeiro pensar, parecer uma só. Mas não. A ideia se forma na mente. A expressão se concretiza no arranjo das palavras, frases, parágrafos.

Elementar, caros escribas.

fernanda pompeu, webjornalista e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé e do Yahoo. Escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

 

 

Fonte: Rodapé

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