Cadê os Partidos?

Brasília – Ouvidor da SEPPIR desde o ano passado, o advogado Humberto Adami cobra dos Partidos – inclusive do PT – uma postura pró-ativa na defesa das cotas para negros, em reação ao Partido Democratas (DEM), que patrocina no STF movimento contra as ações afirmativas.

 

Na entrevista, concedida ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira, Adami queixou-se da passividade dos Partidos. “Os partidos não podem e não devem, em minha opinião, ficar em papel contemplativo, simplesmente assistindo a tudo ou oferecendo solidariedade, na base do “estamos juntos!” que se ouve nas ruas. Devem partir para o enfrentamento nas mesmas bases e condições, utilizando suas máquinas partidárias e seus advogados, para contrabalançar o jogo”, afirma.

Ele cita o caso da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) movida no STF pelo DEM contra o sistema de cotas na Universidade de Brasília. “Ainda que estejamos num ano eleitoral, no caso das cotas da UNB em julgamento no STF, por exemplo, como se pode admitir que os outros partidos políticos não tenham, até o momento, ingressado com ações em favor das cotas raciais, como amigos da corte – amicus curiae – fazendo frente ao DEM?”, pergunta.

O Ouvidor da Seppir, que é apontado por militantes – inclusive do PT – como um dos responsáveis pelo desgaste político sofrido pela ex-ministra Matilde Ribeiro, que acabaram com a sua exoneração no caso dos cartões corporativos, nega que tenha sido hostil a ex-ministra.

” A ex-ministra Matilde se afastou do governo em função do desgaste de denúncias de uso do cartão corporativo, não de desgaste de imagem pública, em especial o causado por mim. Nunca desrespeitei a figura da ministra, quer como mulher, quer como política, quer como gestora, ou de qualquer outro modo. Não poderia agir de forma diferente. Só não concordava com certas medidas e efetuava críticas de frente, e com objetivo construtivo. Já me disseram que, se tivesse sido ouvido, os fatos teriam sido outros. Não sei se isso é verdade. Mas a relação pessoal com a ex-ministra nunca foi de conflito, e sim de divergência, num ambiente cordial”, acrescenta.

Veja, na íntegra, a entrevista do Ouvidor da Seppir, em que também faz uma prestação de contas do período em que passou a ocupar o cargo, em julho de 2.009.

Afropress – Qual o balanço que o senhor faz da sua atuação como Ouvidor da SEPPIR?

Humberto Adami – Cheguei à Ouvidoria em julho de 2009, a convite do Ministro Edson Santos, com tarefas delineadas. Penso que cumpri e estou cumprindo o que me foi solicitado. A Ouvidoria conseguiu, por exemplo, ampliar o quadro funcional dos ouvidores, que conta com mais três estagiários, dois de nível superior e um de nível médio. Por conta disso, de julho de 2009 até o mês de abril de 2010, tivemos um total de 200 memorandos e 1200 ofícios, o que significa uma avassaladora incrementação de correspondência da Ouvidoria, por meio da qual ela comunica denúncias que chegam diariamente por e-mail, carta ou telefone.

Há ainda a estimativa de centenas de ligações efetuadas e recebidas, com grande aumento na demanda da Ouvidoria em todo o País, amplificando-se, assim, a voz do cidadão que reclama algum serviço no âmbito da administração pública federal, estadual e municipal. Somos uma verdadeira boca no trombone do cidadão, que se encontra, no mais das vezes, em completo silêncio.

Afropress – Como avalia a gestão do ministro Edson Santos e qual a expectativa em relação ao seu substituto Elói Araújo?

Adami – Acho que o ex-ministro Edson Santos cumpriu fielmente a tarefa que o Presidente da República lhe conferiu. Restabeleceu o princípio da autoridade e da hierarquia e navegou em águas turvas, com tranqüilidade, chegando até um porto seguro. Ao concluir sua gestão, conseguiu triplicar o orçamento da SEPPIR, que vai para mais de R$ 68 milhões.

Agora, aguarda uma recondução ao Congresso Nacional, com votação tão consagradora quanto à anterior, que o elegeu deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro. Já o Ministro Elói tem a tarefa de, em curto espaço de tempo, consolidar as políticas que foram lançadas, em período pequeno e intenso, e criar ações que considerar importantes. O Presidente tem orientado todos os ministros de estado no sentido de que a hora é de consolidar, concretizar.

Afropress – Quais as dificuldades que tem encontrado na implementação das tarefas de Ouvidor? Qual é o papel de Ouvidor da SEPPIR? Quais os resultados práticos obtidos?

Adami – A Ouvidoria da SEPPIR, secretaria que tem status de Ministério, se reveste de importância fundamental. Muitas vezes, o assunto se resolve pela interferência direta do Ouvidor, ou por conta de inserção dentro dos assuntos que são demandados, que são os mais variados no que se refere às relações raciais. Há demandas da ouvidoria que são internas, outras externas. No caso da SEPPIR, ambas as formas são acolhidas: as reclamações, sugestões e elogios são encaminhados tanto internamente, quanto para todo e qualquer órgão que trate da questão racial. É um mundo. Neste sentido, também é uma ouvidoria temática.

Temos procurado repassar as solicitações que chegam, com interface com os próprios órgãos administrativos, através de suas ouvidorias, com os Ministérios Públicos, Federal e dos estados, com as defensorias públicas e os órgãos de investigação e repressão ao crime de racismo, como a Polícia Federal, as Secretarias de Segurança Pública dos estados, e mesmo os Comandos Militares, através do Ministério da Defesa, e sua ouvidoria. Amplificar a voz do cidadão, repito, que demanda combate ao racismo, com o aval da Presidência da República, tem sido o eixo de nossa atuação.

Os resultados práticos têm sido intensos, mas muitas vezes ainda são pouco ou simplesmente não são divulgados. Este problema – o volume insuficiente da divulgação dos resultados alcançados – causou estranheza em muita gente, em virtude de minha atuação anterior como presidente do IARA – Instituto de Advocacia Racial e Ambiental, no qual, além da atuação jurídica, tivemos a preocupação em desenvolver um marketing agressivo em relação às necessidades de combate ao racismo. Mas são tarefas diferentes que não se confundem.

Temos norteado nossa atuação pelo caráter nacional das demandas da Ouvidoria, nos 27 estados, de forma ampla, disseminada e incidente em todos os pontos do território nacional. Como advogado do Banco do Brasil, há 28 anos, e funcionário de carreira daquela instituição desde menor aprendiz, e também como advogado ligado à área ambiental, aprendi que devemos funcionar com escala e capilaridade, ou no jargão ambiental, “pensar globalmente e agir localmente”.

Tem sido uma inovação saudada entusiasticamente, principalmente em estados que jamais tinham tido qualquer relação com a Ouvidoria, que não pode atuar só no eixo Rio-São Paulo-Salvador-Belo Horizonte.

É preciso sair do eixo das grandes capitais e fazer com que o poder da Presidência da República se faça ouvir, também, nos pequenos centros, onde muitas vezes a atuação do Ouvidor, ainda que não presencial, pode produzir resultados efetivos e modelares. Penso que estamos conseguindo isso. Aumentou muito a solicitação de cidadãos brasileiros do interior que clamam intervenção da Ouvidoria e é impressionante como podemos fazer tais demandas serem atendidas.

Outro dia, por exemplo, um jardineiro de uma pequena cidade do interior de São Paulo, Atibaia, se não me engano, mandou um e-mail reclamando que todos os dias, “há 23 anos, era parado ‘para averiguações’ pela polícia local”. Foram tantos os ofícios expedidos pela Ouvidoria, para o Ministério Público, a Defensoria e outras autoridades, que o assunto acabou resolvido pela pressão de solicitar providências. Outro caso foi o de duas faxineiras negras de uma prefeitura de cidade do interior do Paraná, que foram convidadas a “beber água sanitária para ficarem mais brancas”.

Isto foi dito pelo superior imediato das funcionárias. Após a intervenção da Ouvidoria, no estilo “manda oficio para todo mundo”, as faxineiras, que tinham sido demitidas quando reclamaram do chefe, foram readmitidas, e este foi exonerado, graças à intervenção do Ministério do Trabalho e sua Comissão de Combate à Discriminação, que foi acionado pela Ouvidoria da SEPPIR. Podemos lembrar do caso do rapaz da GOL ofendido no aeroporto de Aracaju pela médica branca em face da perda do vôo da lua-de-mel em Buenos Aires; do caso das vendedoras da rede de lojas Riachuelo que foram presas pela delegada de polícia que queria trocar a bermuda da filha e dormiram na penitenciária de Vila Velha. Fato importante foi a reunião com as Centrais Sindicais que subscreveram documento em apoio à ação afirmativa.

O último caso ilustrativo, o da mulher negra cuspida na cara e ofendida racialmente, com o agressor ficando preso, obteve grande repercussão. Vários têm sido os casos de atuação da Ouvidoria em relação a comunidades de terreiro, intolerância religiosa e quilombolas, sem divulgação pela mídia. O que tem causado certa dificuldade é que muitos integrantes do Movimento Negro preferem acionar a Ouvidoria da SEPPIR, antes mesmo de procurar a defensoria pública local ou mesmo a delegacia do bairro. Aí não dá.

Outro dia, um companheiro quilombola do Rio de Janeiro ligou para o meu celular para saber do adiantamento que ele deveria receber de uma diária, para uma reunião. Já pensou se todo mundo faz o mesmo? Obviamente que isso congestiona o sistema e coisas mais importantes acabam prejudicadas.

Afropress – O senhor está sendo atacado por setores do Movimento Negro, que o acusam de ter aderido a um relacionamento inter-racial? Como vê isso? Ou seja: negros não podem casar com não negras, pois isso representaria alguma infração à ortodoxia militante? Não considera que essa seja uma forma de racismo com sinal trocado?

Adami – Primeiramente, não diria ter sido “atacado”. É uma coisa bem menor. Houve um questionamento individual, feito de forma isolada, grosseira e inadequada, realizado na lista de Direito e Discriminação Racial. Uma participante queria saber se eu era casado com uma mulher branca, e que, se assim fosse, não teria eu a “legitimidade” (sic) para ocupar o que ela considerava “cargo de representação do Movimento Negro”. Isso não existe, conquanto um cargo no Governo Federal seja de nomeação do Ministro da área, a pessoa de sua confiança e enquanto esta durar.

A partir daí, essa pessoa começou a fazer listas de homens negros casados com mulheres brancas e expedir cartas, todas divulgadas na internet, de indagação para vários companheiros do tipo “O Senhor é casado com uma mulher branca?”, uma coisa deprimente, irresponsável e racista. Recusei-me a responder porque isso não tem mesmo de ser respondido. Além de inegável invasão de privacidade, a forma indelicada, visando a exposição do outro, em nível pessoal, não dá margem a não ser à rejeição e ao repúdio.

Não foram poucas as manifestações que me chegaram asseverando tratar-se de uma manobra de provocação, com fins políticos, tudo com objetivos de “missa encomendada”, com a utilização de alguns “teleguiados” – pessoas quase inocentes que estariam sendo utilizadas por grupos que visavam, na verdade, atingir o governo.

Como na época ocorria a transição do Ministro Edson Santos para o Ministro Elói Araújo, essa operação, se de fato houve, acabou por fracassada, já que ambos de pronto rejeitaram-na. Tem é que ser repudiada mesmo. Posiciono-me pela liberdade democrática e constitucional de quem quiser casar com quem quiser, sem ser cobrado ou indagado por quem quer seja, ainda mais em lista pública. Primeiro, porque nem casado estou, há mais de dois anos. Estou casado com a luta contra a discriminação racial no Brasil. Segundo, porque tal assunto não é para ser tratado como se fosse um inquérito de um fundamentalismo conjugal inaceitável.

Há companheiras e companheiros valorosos casados com homens e mulheres negras e negros, brancos e brancas, que na minha opinião não têm de ser molestados com tal tipo de indagação. Isso não lhes retira ou acresce nenhuma “legitimidade”. Importa o trabalho que fazem. Ademais, a indagação da pessoa, que acabou repudiada por grande parte do grupo, veio acompanhada do mais puro ódio racial, na base do “Odeio os brancos. Os brancos não valem nada. Ensino minhas filhas a não falar quando tem brancos por perto. Os brancos são todos racistas. Mulheres brancas são todas prostitutas polacas”.

Temos mesmo de afastar essas pessoas de nosso convívio, pois isso é tudo o que não queremos e não precisamos. Não ajuda em nada e ainda municia aqueles que são contra as medidas de ação afirmativa. Foi um custo impedir que uma militante histórica das mulheres negras processasse a tal “indagadora da cor do casamento alheio” uma vez que expediu manifestações de explicito ódio racial. É importante dizer que, fruto do ódio, não há o que incluir, e só ao ódio beneficia.

Tais posições fundamentalistas e radicais foram explicitamente afastadas no cenário internacional, vide o que aconteceu com Farrakhan e com aqueles sujeitos que andavam pelas ruas dos EUA, pregando o retorno dos sete sábios de Sião e a separação da população afrodescendente.

Da mesma forma, aquele pastor do Obama, James Wright, que propôs medidas absurdas de segregação, foi sumariamente afastado e nunca mais se ouvir falar dele. Enquanto isso, Obama é um líder da inclusão racial em todo o mundo, com um verdadeiro parque da diversidade familiar na própria casa, com parentes em vários continentes. Radical tem de ser o combate à discriminação racial, como sempre fiz.

Terceiro, porque estou há muito tempo envolvido em várias frentes de combate ao racismo que demandam cuidados com a segurança própria e de familiares. Estive, como advogado, em casos de defesa de cotas para negros na universidade, quilombolas, casos pontuais de racismo, clandestinos africanos, enfrentamento de racismo institucional e defesa de interesse das mulheres negras, como por exemplo, o famoso caso do palhaço Tiririca e a Sony Music, em que estavam envolvidas 15 entidades de mulheres negras.

Ninguém me perguntou com quem era ou deixei de ser casado, quando assinaram a procuração, como advogado. Na Ouvidoria, diariamente instauramos procedimentos administrativos que repercutem em infratores raciais em todos os cantos do país. Há pouco tempo, identificamos um desses grupos, membro do White Power, grupo racista internacional com operação em vários países, já tendo sido alvos de seus integrantes a Afropress, o Geledés, entre outros. Divulgar dados pessoais expõe a um risco desnecessário pessoas queridas, inocentes e indefesas. Repito, estou casado com a luta contra a discriminação racial no Brasil.

Afropress – Como o senhor, que que não é oriundo de partidos políticos, mas sim do movimento social, se equilibra entre as forças que detêm o comando da SEPPIR?

Adami – Com trabalho técnico. Sou um técnico, por excelência, e advogado por profissão. Transito com facilidade em vários partidos, em face de amigos e admiradores desse trabalho. Mesmo minha aproximação com o movimento social, em especial os movimentos negro e ambiental, sempre se deu a partir da visão de advogado. Há, pois, um espaço em que esta advocacia é colocada a serviço da causa do combate à discriminação racial.

Neste sentido, não há necessidade de se “manter o equilíbrio”, pois como deve ser em qualquer lugar, o comando político é feito pelo titular da pasta, o Ministro de Estado. É ele quem dá o tom da realização do trabalho, e a todas as áreas, o que cabe é o cumprimento. Na Ouvidoria não haveria por que ser diferente. Minha relação com os partidos políticos também é muito boa, desde tempos anteriores.

Como não estou filiado a esse ou aquele partido, tenho transitado com facilidade por vários deles – e não poderia ser de outra forma, estando no governo federal. O exemplo maior vem do Presidente da República. Estou sugerindo abertamente que os partidos políticos, em especial os da base de sustentação do Governo Federal, tenham uma atitude mais proativa em relação às questões político-judiciais que têm sido desencadeadas pelo Partido dos Democratas, em vários episódios.

Veja que o DEM tem iniciado ações contra as cotas para negros na UNB; contra quilombolas de Alcântara, no Maranhão e na Marambaia, no Rio; contra o PROUNI; e até contra as cotas para negros na UERJ, através da CONFECON – Confederação Nacional de Estabelecimentos de Ensino Privado. Se você investigar, vai ver que são sempre as mesmas pessoas envolvidas. Quando não é o partido em si, como no caso das cotas da UERJ, são ramificações de uma mesma árvore, como no caso do Deputado Flávio Bolsonaro, do Rio de Janeiro.

Bem, os outros partidos não podem e não devem, em minha opinião, ficar em papel contemplativo, simplesmente assistindo a tudo ou oferecendo solidariedade, na base dos “estamos juntos!” que se ouve nas ruas. Devem partir para o enfrentamento nas mesmas bases e condições, utilizando suas máquinas partidárias e seus advogados, para contrabalançar o jogo.

Ainda que estejamos num ano eleitoral, no caso das cotas da UNB em julgamento no STF, por exemplo, como se pode admitir que os outros partidos políticos não tenham, até o momento, ingressado com ações em favor das cotas raciais, como amigos da corte – amicus curiae – fazendo frente ao DEM? Essa falta de combate entre partidos, no campo judicial, deixa à vontade o DEM e facilita o trabalho deles. É preciso, pois, em minha opinião, que outros partidos também ingressem neste campo e estejam nos tribunais, em especial os superiores, asseverando aos magistrados o que, na sua visão, deve ser ressaltado no campo político e jurídico e que está em julgamento.

Pode-se pensar, ainda, que os mandatos de parlamentares estaduais e municipais, ligados ao combate ao racismo e à implementação de ação afirmativa para negros, deveriam estar conectados a uma agenda nacional, que fosse instigada no campo municipal ou estadual, de forma ampla e linear, em todos os 5.470 municípios brasileiros.

O fato é que em todos esses municípios o Feriado de Zumbi poderia estar sendo pautado por um mandato municipal ou estadual, assim como as cotas para negros nas universidades, bem como nos concursos públicos municipais e estaduais, a exigência da implementação da lei 10.639, e outros itens da chamada “agenda nacional”. Penso que isso mobilizaria os movimentos locais, bem como os direcionaria para tais agendas de forma multiplicadora. Creio que isso dificultaria a ação dos contrários à ação afirmativa.

Afropress – O senhor é acusado por setores próximos à ex-ministra Matilde Ribeiro de ser um dos principais responsáveis pelo desgaste de sua imagem pública. Como foi passar de estilingue a vidraça, ou seja, ocupar um cargo na gestão do órgão antes criticado?

Adami – Desconheço tais setores. A ex-ministra Matilde se afastou do governo em função do desgaste de denúncias de uso do cartão corporativo, não de desgaste de imagem pública, em especial o causado por mim. Pessoalmente, sempre tive com ela uma relação cordial e respeitosa, mesmo discordando de uma série de medidas na forma de programar as políticas da SEPPIR.

Isto não é segredo nenhum, e todos sabem disso. Sempre me incomodou o critério que, a meu juízo, se centrava em determinado estado e determinado partido político, embora tal situação também sempre fosse negada. Nunca desrespeitei a figura da ministra, quer como mulher, quer como política, quer como gestora, ou de qualquer outro modo. Não poderia agir de forma diferente. Só não concordava com certas medidas e efetuava críticas de frente, e com objetivo construtivo. Já me disseram que, se tivesse sido ouvido, os fatos teriam sido outros. Não sei se isso é verdade. Mas a relação pessoal com a ex-ministra nunca foi de conflito, e sim de divergência, num ambiente cordial.

Tanto é verdade que, quando ela quase foi indiciada pelo Ministério Público Federal, acusada de racismo por evocar os “tempos da chibata” e por dizer que entenderia se negros não gostassem de brancos, prontamente me ofereci para montar, como advogado, uma petição de assistente processual da acusada de pelo menos 50 instituições ligadas ao Movimento Negro.

A conversa foi iniciada com a participação do hoje Subsecretário de Ações Afirmativas da SEPPIR, Martvs Chagas, de Ivanir dos Santos, e de meu amigo Wilson Prudente, Procurador do Trabalho. Eu achava injusto processarem Matilde por racismo, e prontamente me dispus a ficar ao seu lado, judicialmente, liderando esse grande arco de entidades do movimento social. Inspirei-me no exemplo de Sobral Pinto que, mesmo adversário de Luís Carlos Prestes, foi defendê-lo quando este foi preso e acusado pelo regime ditatorial.

Achei que era o certo, mas a iniciativa não chegou a ser efetivada pelos fatos que se seguiram. Quanto a fazer parte da SEPPIR, atendi à solicitação de um companheiro, um amigo e uma liderança do movimento social nacional, o Deputado Edson Santos, com quem já havia desenvolvido vários trabalhos na área racial, inclusive a cobrança nacional, em 2005, pela implementação da lei 10.639, através de inquéritos civis públicos em 5.470 municípios.

O ministro Elói Araújo também fazia parte desse esforço. Convidado, não seria justo não colaborar. Você não pode ficar só criticando, como vejo alguns hoje, e não dar sua colaboração, quando solicitado a fazer. Não seria decente. Obviamente que tive de me preparar para a nova tarefa, visto que os papéis são muito diferentes.

Como Ouvidor Geral, não posso usar do mesmo ritmo, volume e intensidade dos trabalhos que realizava como Presidente do IARA. Isso parece que não foi entendido por alguns. Então vejo comentários do tipo: “O Adami foi para a SEPPIR e não fala mais nada. Calou-se. Foi cooptado. Só queria um cargo!”. Nada mais errado. Primeiro, porque sou funcionário do BB e apenas fui requisitado ao Ministro da Fazenda para trabalhar junto à Secretaria da Igualdade Racial.

Segundo, porque estamos trabalhando freneticamente, em ritmo intenso, alcançando grandes resultados e apenas não os podemos divulgar, como se fazia a todo instante, pois esse não é o ritmo da administração publica federal, onde tudo funciona com hierarquia e vinculado à letra da lei. Hoje, tudo o que falo é imediatamente transferido ao Governo Federal. É preciso muito cuidado para não causar embaraços e repercussões não previstas. E você tem de mudar seu foco para entender que seu trabalho hoje, é governo, é gestão federal.

Afropress – Qual a sua expectativa em relação à posição a ser adotada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação do DEM contra as cotas?

Adami – Estive com o Ministro Ricardo Lewandovski duas vezes após a Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal. Em ambas ele disse que pretende levar o processo a julgamento ainda esse ano. Minha avaliação é que a ADPF será julgada improcedente, com grande prejuízo para aqueles contrários à ação afirmativa no Brasil. Isto já ficou evidente. A grande organização das formas pró-ações afirmativas foi motivo de festa, de arrumação da casa. Quem pôde ir, gostou muito. Quem não pôde, viu pela TV Justiça e pode ver até hoje no YouTube.

Descobrimos muitas coisas boas. Pude contribuir em vários momentos e fiquei muito feliz com isso. A inclusão da Universidade de Juiz de Fora na Audiência Pública, que por pura sorte avisei ao Pró-Reitor Eduardo Magrone, um dia antes do prazo, quando fui receber uma medalha em Juiz de Fora, foi uma das coisas que me deixou satisfeito. A medida tomada em relação ao posicionamento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados foi outra coisa que me deixou muito satisfeito.

A OAB compareceu apenas para dizer que não tinha posição sobre o assunto: cotas raciais. No mesmo dia consegui uma audiência com o presidente do Conselho Federal da OAB, Dr. Ophir Cavalcante Jr., e acompanhado dos advogados Marcelo Dias, André Matos e Julio Romário, conseguimos a designação de uma audiência pública da própria OAB, de forma a poder extrair sua própria posição. O fato foi saudado pelo Ministro Lewandoviski como resultado da audiência do STF.

Afropress – Como membro do Governo, como está dando continuidade a denúncia que fez como militante em relação à ausência de negros nas Forças Armadas e nas empresas estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil?

Adami – Fui intimado recentemente, já como Ouvidor, em inquérito civil (nº. 1.00.000.007597/2006-61, MPF/DF, Procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira) que tramita na Procuradoria da República no Distrito Federal, em que é investigada a ausência de negros nos altos cargos das Forças Armadas (Exército, Aeronáutica e Marinha), no Itamaraty e na Igreja Católica.

A procuradora doutora Luciana Loureiro tem procedido a investigações com o fito de esclarecer este fenômeno de não haver negros nas principais posições militares do País, nos altos postos do Itamaraty, bem como na Igreja Católica. O Comando do Exército informou que dentre os 35.637 militares do Exército, há 337 identificados como “pretos” e 2054 identificados como “pardos escuros”, nenhum deles General, General de Divisão ou General de Brigada.

Um seminário realizado na Câmara dos Deputados, anos atrás, apontou como cinco os generais afrodescendentes da História do Brasil. O Comando da Aeronáutica informou que “a Academia de Força Aérea conta com 766 cadetes, dos quais 256 afrodescendentes; e a Escola de Especialistas da Aeronáutica apresenta 2.828 alunos, dos quais 1.084 afrodescendentes”.

E, mais recentemente, acrescenta que está em curso uma pesquisa no âmbito da Força para fornecer ao MPF os dados estatísticos sobre a presença dos militares afrodescendentes em cargos de altas patentes. Registra que, “embora com respostas incompletas, os Comandos da Aeronáutica e do Exército mostraram-se cooperativos e compreenderam a necessidade de informar ao Ministério Público os dados solicitados, em virtude da necessidade de instruir a representação formulada, tendo em vista inclusive o disposto no art. 2º. do Decreto 4.228….”. Estas coisas são importantes e devem ser saudadas como um tremendo avanço do governo brasileiro.

Afropress – Como funcionário afastado do Banco do Brasil, como acompanhou e o que acha do Mapa da Diversidade apresentado pela FEBRABAN como repostas às denúncias feitas por você próprio e depois assumidas pelo Ministério Público Federal do Trabalho?

Adami – Foi uma etapa na minha vida em que aprendi muito. Como já tinha lidado anteriormente com a FEBRABAN nas denúncias de dano ambiental causado por financiamentos de bancos (minha tese de dissertação de mestrado), e por ser da área bancária, tenho experiência com a turma de lá. Não direi que enrolam, mas vão demorar. O trabalho feito por alguns bancos é notável.

A aglutinação feita em torno da Unipalmares facilitou, com o resultado prático de pelo menos 600 estagiários terem conseguido trabalhar nos 10 maiores bancos privados do país, com cursos de extensão, concomitantes à graduação na Universidade Zumbi dos Palmares, de MBA de Gerente Executivo Júnior, com selo Unicamp e FGV. Isto foi fantástico. Diga-se que, embora a denúncia tenha sido minha, o trabalho foi alavancado por muitas instituições ligadas ao Movimento Negro.

Houve um ganho efetivo, mas a divisão de sempre acabou por atrapalhar a pressão em cima do Ministério Publico do Trabalho, que digamos, se desmotivou, bem como em cima dos próprios bancos. O Mapa da Diversidade elaborado pelo CEERT deve ser saudado como sendo resultado prático, pois uma entidade originada no Movimento Negro não foi substituída pelas ONGs de sempre.

O Mapa comprova a exatidão da denúncia feita ao MPT. E, portanto, o que é de se estranhar é que, comprovada a denúncia, outra deveria ser a postura do MPT, não o de dirigir afagos e carinhos ao denunciado, e sim o de partir para uma medida mais efetiva, de ministério público mesmo, e em caráter nacional, pois as tão saudadas ações civis públicas contra os cinco maiores bancos privados brasileiros só foram ajuizadas contras os bancos no Distrito Federal, e com os números do DF.

Aí a coisa complicou um pouco, pois o Tribunal Regional do Trabalho do DF julgou as ações improcedentes, afirmando que a “prova estatística não era suficiente para comprovar a desigualdade racial no âmbito do trabalho dos bancos”. Disse isso depois de afirmar na decisão que conhecia a doutrina do direito comparado afirmando que a estatística é prova suficiente (EUA); que conhecia a doutrina brasileira baseado no livro do Ministro Joaquim Barbosa, mas que ele, o TRT, não achava prova suficiente.

Como sempre digo, a placa na porta do banco escrito “Crioulo não entra” não vai ser nunca produzida no Brasil. Enquanto isto, o Estado brasileiro é vítima de denuncias e recomendações da OEA, e tais autoridades não são chamadas para um acerto de contas com o erário por causa de sua conduta, como no caso da empregada doméstica Simone Diniz (Relatório 066/2006), em que nunca se chamou delegado de polícia, promotor e juiz de direito para acerto de contas com o estado, em ação regressiva.

Penso que todos os casos de arquivamentos e improcedências em tema racial devem ser conectados ao caso Simone Diniz, para que se identifique logo a autoridade em omissão. Recebi na Ouvidoria uma reclamação contra essa situação, e após falar com o Procurador Geral do Trabalho, Otávio Brito, e com o Ministro Corregedor da Justiça do Trabalho, Carlos Alberto Reis de Paula, penso que a Ouvidoria encaminhará uma reclamação ao CNJ – Conselho Nacional de Justiça, em breve.

Isto porque um eventual prejuízo de condenação, que deveria ser paga pelos supostos praticantes dos atos de racismo, passa, com as recomendações da OEA, muitos anos depois, para o erário público, sendo suportado por nós, contribuintes, ao invés daquele que praticou desigualdade racial. Isto não esta correto, e é uma oportunidade para que o tema racial frequente aquele conselho com repercussão em outros casos.

Mas isso não deveria impedir que novas denúncias e novas ações fossem ajuizadas nas 27 capitais, de novo, por novos autores, especialmente sindicatos, de todas as categorias profissionais, uma vez que as centrais sindicais, em ação da Ouvidoria, acabaram de subscrever documento em poder do ministro Elói Araújo, de dar total apoio à ação afirmativa. Isso, com certeza, mobilizaria não só a FEBRABAN, que está conversando com o Subsecretário de Ações Afirmativas da SEPPIR, Martvs Chagas, bem como o próprio Ministério Público do Trabalho, em suas 27 representações nos estados. O que não é possível é que o denunciado produza a prova que o incrimina na denúncia – e nada, ou pouca coisa, aconteça.

Afropress – Faça as considerações que julgar pertinentes.

Adami – Acho pertinente mencionar três operações da Ouvidoria que realmente me empolgam.

DECRETO 4228/2002 – metas de inclusão de afrodescendentes em cargos DAS, na licitação e na terceirização da Administração Pública Federal – A Ouvidoria encaminhou a todos os órgãos da Administração Pública Federal oficio indagando o que havia sido realizado a partir do referido decreto 4228, nos últimos cinco anos, tendo em vista a existência do PLANAPIR, como instrumento de monitoramento e fiscalização da igualdade racial, e as múltiplas declarações do Presidente da República, de determinação de consolidação dos resultados de seu governo.

Acho isso da maior importância porque, ao mesmo tempo em que bancos, universidades, forças armadas, empresas privadas, etc., estão se esforçando para a inclusão racial, a administração pública federal deve participar e elaborar um esforço conjunto, transversal e total, para incluir mais de seus cidadãos afro-brasileiros.

O decreto 4228 determina que sejam observadas metas percentuais de inclusão de afrodescendentes no preenchimento de cargos DAS; metas de inclusão de bonificação de empresas que incluam afrodescendentes na licitação e terceirização da administração pública federal. Há muita resistência por parte de executivos estatais que silenciam sobre o assunto, constituindo isso o tal “racismo institucional” que tanto se fala, e que foi recentemente enfrentado em seminário nacional conduzido pelo Ministro Elói Araújo. O relatório da Ouvidoria, em mais de 250 respostas aos ofícios, constituirá o mais atualizado retrato da Administração Pública Federal no tema, e com certeza auxiliará os gestores na condução de políticas públicas.

Art. 8º. da Resolução 04/2004 – do CNE – Conselho Nacional de Educação – Comunicação detalhada ao MEC e SEPPIR de relatório periódico de medidas implementação da Lei 10.639 na rede de ensino pública e privada – A Ouvidoria da SEPPIR encaminhou aos 27 Conselhos Estaduais de Educação, ao Conselho Nacional de Educação, aos 27 Prefeitos das Capitais, aos 27 Secretários Estaduais de Educação, ofícios solicitando cópia da comunicação detalhada que a rede de ensino privada e pública tem de fazer, em relatórios periódicos, desde 2004, sobre as medidas de implementação. O material que tem chegado à Ouvidoria é rico em ótimos exemplos, e com certeza, é o que há de mais atual sobre o assunto.

Além de ser disponibilizado ao Presidente da República, pretende-se que possa servir de ferramenta ao PLANAPIR, na efetiva fiscalização do cumprimento da lei de História da África e Cultura Afro-brasileira. Há também espaço para apresentação das muitas iniciativas municipais que estão sendo produzidas nos 5.470 municípios brasileiros, sem que grande parte da população tome conhecimento. A resposta dos gestores públicos em todo o país tem sido de extrema boa vontade para com tal iniciativa, que propicia sejam demandados dentro de seus organismos. Vamos precisar de ajuda nos relatórios.

Art. 1º. da Resolução 04/2004 – do CNE – Conselho Nacional de Educação – Conteúdo das relações étnico-raciais em todas as matérias de todos os departamentos das instituições universitárias – A ouvidoria da SEPPIR encaminhou a todos os reitores de universidades brasileiras, sejam elas públicas, federais, estaduais, confessionais ou particulares, num total de aproximadamente 1200 ofícios, solicitação de cumprimento do art. 1º. da resolução 04/2004, do CNE, que prevê que o conteúdo de relações étnico-raciais deve estar presente em todas as matérias de todos os departamentos das instituições universitárias, condicionando, ainda, a avaliação de cumprimento dessas diretrizes ao funcionamento das instituições.

A inspiração tem sido a palavra do Presidente da República, que quer consolidar os avanços obtidos em seu governo para os próximos, assim como a instrumentalização do PLANAPIR como ferramenta de gestão e monitoramento da igualdade racial. Trata-se da maior operação administrativa de cobrança e incentivo de implementação da lei, que não pode ser obrigação apenas da escola pública e do professor municipal. A universidade brasileira, pública e privada, tem de entrar firme na produção desse conhecimento, com a utilização de todo o aparato federal para isso, como CAPES, FNE, CNPq, descobrindo linhas de incentivo de financiamento para tanto.

De pronto, alguns resultados que podemos citar. Uma universidade do sul do país remeteu conteúdo programático em que constava a “História da Escravidão do Negro no Brasil – módulos de 1 a 4”. Este é o verdadeiro cumprimento da lei de História da África e Cultura Afro-brasileira, o permanente retorno a Historia da Escravidão do Negro? Penso que não. Outro caso: uma das maiores universidades do país remeteu seu conteúdo, em que só constam quatro matérias, todas de graduação, somente ligadas a História, Artes e Música. Não é o suficiente. Apontar tais lacunas, em escala nacional, penso poder ser uma das mais gratificantes e producentes contribuições da Ouvidoria da SEPPIR.

 

 

 

Fonte: AFROPRESS

Brasília – Ouvidor da SEPPIR desde o ano passado, o advogado Humberto Adami cobra dos Partidos – inclusive do PT – uma postura pró-ativa na defesa das cotas para negros, em reação ao Partido Democratas (DEM), que patrocina no STF movimento contra as ações afirmativas.

 

Na entrevista, concedida ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira, Adami queixou-se da passividade dos Partidos. “Os partidos não podem e não devem, em minha opinião, ficar em papel contemplativo, simplesmente assistindo a tudo ou oferecendo solidariedade, na base do “estamos juntos!” que se ouve nas ruas. Devem partir para o enfrentamento nas mesmas bases e condições, utilizando suas máquinas partidárias e seus advogados, para contrabalançar o jogo”, afirma.

Ele cita o caso da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) movida no STF pelo DEM contra o sistema de cotas na Universidade de Brasília. “Ainda que estejamos num ano eleitoral, no caso das cotas da UNB em julgamento no STF, por exemplo, como se pode admitir que os outros partidos políticos não tenham, até o momento, ingressado com ações em favor das cotas raciais, como amigos da corte – amicus curiae – fazendo frente ao DEM?”, pergunta.

O Ouvidor da Seppir, que é apontado por militantes – inclusive do PT – como um dos responsáveis pelo desgaste político sofrido pela ex-ministra Matilde Ribeiro, que acabaram com a sua exoneração no caso dos cartões corporativos, nega que tenha sido hostil a ex-ministra.

” A ex-ministra Matilde se afastou do governo em função do desgaste de denúncias de uso do cartão corporativo, não de desgaste de imagem pública, em especial o causado por mim. Nunca desrespeitei a figura da ministra, quer como mulher, quer como política, quer como gestora, ou de qualquer outro modo. Não poderia agir de forma diferente. Só não concordava com certas medidas e efetuava críticas de frente, e com objetivo construtivo. Já me disseram que, se tivesse sido ouvido, os fatos teriam sido outros. Não sei se isso é verdade. Mas a relação pessoal com a ex-ministra nunca foi de conflito, e sim de divergência, num ambiente cordial”, acrescenta.

Veja, na íntegra, a entrevista do Ouvidor da Seppir, em que também faz uma prestação de contas do período em que passou a ocupar o cargo, em julho de 2.009.

Afropress – Qual o balanço que o senhor faz da sua atuação como Ouvidor da SEPPIR?

Humberto Adami – Cheguei à Ouvidoria em julho de 2009, a convite do Ministro Edson Santos, com tarefas delineadas. Penso que cumpri e estou cumprindo o que me foi solicitado. A Ouvidoria conseguiu, por exemplo, ampliar o quadro funcional dos ouvidores, que conta com mais três estagiários, dois de nível superior e um de nível médio. Por conta disso, de julho de 2009 até o mês de abril de 2010, tivemos um total de 200 memorandos e 1200 ofícios, o que significa uma avassaladora incrementação de correspondência da Ouvidoria, por meio da qual ela comunica denúncias que chegam diariamente por e-mail, carta ou telefone.

Há ainda a estimativa de centenas de ligações efetuadas e recebidas, com grande aumento na demanda da Ouvidoria em todo o País, amplificando-se, assim, a voz do cidadão que reclama algum serviço no âmbito da administração pública federal, estadual e municipal. Somos uma verdadeira boca no trombone do cidadão, que se encontra, no mais das vezes, em completo silêncio.

Afropress – Como avalia a gestão do ministro Edson Santos e qual a expectativa em relação ao seu substituto Elói Araújo?

Adami – Acho que o ex-ministro Edson Santos cumpriu fielmente a tarefa que o Presidente da República lhe conferiu. Restabeleceu o princípio da autoridade e da hierarquia e navegou em águas turvas, com tranqüilidade, chegando até um porto seguro. Ao concluir sua gestão, conseguiu triplicar o orçamento da SEPPIR, que vai para mais de R$ 68 milhões.

Agora, aguarda uma recondução ao Congresso Nacional, com votação tão consagradora quanto à anterior, que o elegeu deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro. Já o Ministro Elói tem a tarefa de, em curto espaço de tempo, consolidar as políticas que foram lançadas, em período pequeno e intenso, e criar ações que considerar importantes. O Presidente tem orientado todos os ministros de estado no sentido de que a hora é de consolidar, concretizar.

Afropress – Quais as dificuldades que tem encontrado na implementação das tarefas de Ouvidor? Qual é o papel de Ouvidor da SEPPIR? Quais os resultados práticos obtidos?

Adami – A Ouvidoria da SEPPIR, secretaria que tem status de Ministério, se reveste de importância fundamental. Muitas vezes, o assunto se resolve pela interferência direta do Ouvidor, ou por conta de inserção dentro dos assuntos que são demandados, que são os mais variados no que se refere às relações raciais. Há demandas da ouvidoria que são internas, outras externas. No caso da SEPPIR, ambas as formas são acolhidas: as reclamações, sugestões e elogios são encaminhados tanto internamente, quanto para todo e qualquer órgão que trate da questão racial. É um mundo. Neste sentido, também é uma ouvidoria temática.

Temos procurado repassar as solicitações que chegam, com interface com os próprios órgãos administrativos, através de suas ouvidorias, com os Ministérios Públicos, Federal e dos estados, com as defensorias públicas e os órgãos de investigação e repressão ao crime de racismo, como a Polícia Federal, as Secretarias de Segurança Pública dos estados, e mesmo os Comandos Militares, através do Ministério da Defesa, e sua ouvidoria. Amplificar a voz do cidadão, repito, que demanda combate ao racismo, com o aval da Presidência da República, tem sido o eixo de nossa atuação.

Os resultados práticos têm sido intensos, mas muitas vezes ainda são pouco ou simplesmente não são divulgados. Este problema – o volume insuficiente da divulgação dos resultados alcançados – causou estranheza em muita gente, em virtude de minha atuação anterior como presidente do IARA – Instituto de Advocacia Racial e Ambiental, no qual, além da atuação jurídica, tivemos a preocupação em desenvolver um marketing agressivo em relação às necessidades de combate ao racismo. Mas são tarefas diferentes que não se confundem.

Temos norteado nossa atuação pelo caráter nacional das demandas da Ouvidoria, nos 27 estados, de forma ampla, disseminada e incidente em todos os pontos do território nacional. Como advogado do Banco do Brasil, há 28 anos, e funcionário de carreira daquela instituição desde menor aprendiz, e também como advogado ligado à área ambiental, aprendi que devemos funcionar com escala e capilaridade, ou no jargão ambiental, “pensar globalmente e agir localmente”.

Tem sido uma inovação saudada entusiasticamente, principalmente em estados que jamais tinham tido qualquer relação com a Ouvidoria, que não pode atuar só no eixo Rio-São Paulo-Salvador-Belo Horizonte.

É preciso sair do eixo das grandes capitais e fazer com que o poder da Presidência da República se faça ouvir, também, nos pequenos centros, onde muitas vezes a atuação do Ouvidor, ainda que não presencial, pode produzir resultados efetivos e modelares. Penso que estamos conseguindo isso. Aumentou muito a solicitação de cidadãos brasileiros do interior que clamam intervenção da Ouvidoria e é impressionante como podemos fazer tais demandas serem atendidas.

Outro dia, por exemplo, um jardineiro de uma pequena cidade do interior de São Paulo, Atibaia, se não me engano, mandou um e-mail reclamando que todos os dias, “há 23 anos, era parado ‘para averiguações’ pela polícia local”. Foram tantos os ofícios expedidos pela Ouvidoria, para o Ministério Público, a Defensoria e outras autoridades, que o assunto acabou resolvido pela pressão de solicitar providências. Outro caso foi o de duas faxineiras negras de uma prefeitura de cidade do interior do Paraná, que foram convidadas a “beber água sanitária para ficarem mais brancas”.

Isto foi dito pelo superior imediato das funcionárias. Após a intervenção da Ouvidoria, no estilo “manda oficio para todo mundo”, as faxineiras, que tinham sido demitidas quando reclamaram do chefe, foram readmitidas, e este foi exonerado, graças à intervenção do Ministério do Trabalho e sua Comissão de Combate à Discriminação, que foi acionado pela Ouvidoria da SEPPIR. Podemos lembrar do caso do rapaz da GOL ofendido no aeroporto de Aracaju pela médica branca em face da perda do vôo da lua-de-mel em Buenos Aires; do caso das vendedoras da rede de lojas Riachuelo que foram presas pela delegada de polícia que queria trocar a bermuda da filha e dormiram na penitenciária de Vila Velha. Fato importante foi a reunião com as Centrais Sindicais que subscreveram documento em apoio à ação afirmativa.

O último caso ilustrativo, o da mulher negra cuspida na cara e ofendida racialmente, com o agressor ficando preso, obteve grande repercussão. Vários têm sido os casos de atuação da Ouvidoria em relação a comunidades de terreiro, intolerância religiosa e quilombolas, sem divulgação pela mídia. O que tem causado certa dificuldade é que muitos integrantes do Movimento Negro preferem acionar a Ouvidoria da SEPPIR, antes mesmo de procurar a defensoria pública local ou mesmo a delegacia do bairro. Aí não dá.

Outro dia, um companheiro quilombola do Rio de Janeiro ligou para o meu celular para saber do adiantamento que ele deveria receber de uma diária, para uma reunião. Já pensou se todo mundo faz o mesmo? Obviamente que isso congestiona o sistema e coisas mais importantes acabam prejudicadas.

Afropress – O senhor está sendo atacado por setores do Movimento Negro, que o acusam de ter aderido a um relacionamento inter-racial? Como vê isso? Ou seja: negros não podem casar com não negras, pois isso representaria alguma infração à ortodoxia militante? Não considera que essa seja uma forma de racismo com sinal trocado?

Adami – Primeiramente, não diria ter sido “atacado”. É uma coisa bem menor. Houve um questionamento individual, feito de forma isolada, grosseira e inadequada, realizado na lista de Direito e Discriminação Racial. Uma participante queria saber se eu era casado com uma mulher branca, e que, se assim fosse, não teria eu a “legitimidade” (sic) para ocupar o que ela considerava “cargo de representação do Movimento Negro”. Isso não existe, conquanto um cargo no Governo Federal seja de nomeação do Ministro da área, a pessoa de sua confiança e enquanto esta durar.

A partir daí, essa pessoa começou a fazer listas de homens negros casados com mulheres brancas e expedir cartas, todas divulgadas na internet, de indagação para vários companheiros do tipo “O Senhor é casado com uma mulher branca?”, uma coisa deprimente, irresponsável e racista. Recusei-me a responder porque isso não tem mesmo de ser respondido. Além de inegável invasão de privacidade, a forma indelicada, visando a exposição do outro, em nível pessoal, não dá margem a não ser à rejeição e ao repúdio.

Não foram poucas as manifestações que me chegaram asseverando tratar-se de uma manobra de provocação, com fins políticos, tudo com objetivos de “missa encomendada”, com a utilização de alguns “teleguiados” – pessoas quase inocentes que estariam sendo utilizadas por grupos que visavam, na verdade, atingir o governo.

Como na época ocorria a transição do Ministro Edson Santos para o Ministro Elói Araújo, essa operação, se de fato houve, acabou por fracassada, já que ambos de pronto rejeitaram-na. Tem é que ser repudiada mesmo. Posiciono-me pela liberdade democrática e constitucional de quem quiser casar com quem quiser, sem ser cobrado ou indagado por quem quer seja, ainda mais em lista pública. Primeiro, porque nem casado estou, há mais de dois anos. Estou casado com a luta contra a discriminação racial no Brasil. Segundo, porque tal assunto não é para ser tratado como se fosse um inquérito de um fundamentalismo conjugal inaceitável.

Há companheiras e companheiros valorosos casados com homens e mulheres negras e negros, brancos e brancas, que na minha opinião não têm de ser molestados com tal tipo de indagação. Isso não lhes retira ou acresce nenhuma “legitimidade”. Importa o trabalho que fazem. Ademais, a indagação da pessoa, que acabou repudiada por grande parte do grupo, veio acompanhada do mais puro ódio racial, na base do “Odeio os brancos. Os brancos não valem nada. Ensino minhas filhas a não falar quando tem brancos por perto. Os brancos são todos racistas. Mulheres brancas são todas prostitutas polacas”.

Temos mesmo de afastar essas pessoas de nosso convívio, pois isso é tudo o que não queremos e não precisamos. Não ajuda em nada e ainda municia aqueles que são contra as medidas de ação afirmativa. Foi um custo impedir que uma militante histórica das mulheres negras processasse a tal “indagadora da cor do casamento alheio” uma vez que expediu manifestações de explicito ódio racial. É importante dizer que, fruto do ódio, não há o que incluir, e só ao ódio beneficia.

Tais posições fundamentalistas e radicais foram explicitamente afastadas no cenário internacional, vide o que aconteceu com Farrakhan e com aqueles sujeitos que andavam pelas ruas dos EUA, pregando o retorno dos sete sábios de Sião e a separação da população afrodescendente.

Da mesma forma, aquele pastor do Obama, James Wright, que propôs medidas absurdas de segregação, foi sumariamente afastado e nunca mais se ouvir falar dele. Enquanto isso, Obama é um líder da inclusão racial em todo o mundo, com um verdadeiro parque da diversidade familiar na própria casa, com parentes em vários continentes. Radical tem de ser o combate à discriminação racial, como sempre fiz.

Terceiro, porque estou há muito tempo envolvido em várias frentes de combate ao racismo que demandam cuidados com a segurança própria e de familiares. Estive, como advogado, em casos de defesa de cotas para negros na universidade, quilombolas, casos pontuais de racismo, clandestinos africanos, enfrentamento de racismo institucional e defesa de interesse das mulheres negras, como por exemplo, o famoso caso do palhaço Tiririca e a Sony Music, em que estavam envolvidas 15 entidades de mulheres negras.

Ninguém me perguntou com quem era ou deixei de ser casado, quando assinaram a procuração, como advogado. Na Ouvidoria, diariamente instauramos procedimentos administrativos que repercutem em infratores raciais em todos os cantos do país. Há pouco tempo, identificamos um desses grupos, membro do White Power, grupo racista internacional com operação em vários países, já tendo sido alvos de seus integrantes a Afropress, o Geledés, entre outros. Divulgar dados pessoais expõe a um risco desnecessário pessoas queridas, inocentes e indefesas. Repito, estou casado com a luta contra a discriminação racial no Brasil.

Afropress – Como o senhor, que que não é oriundo de partidos políticos, mas sim do movimento social, se equilibra entre as forças que detêm o comando da SEPPIR?

Adami – Com trabalho técnico. Sou um técnico, por excelência, e advogado por profissão. Transito com facilidade em vários partidos, em face de amigos e admiradores desse trabalho. Mesmo minha aproximação com o movimento social, em especial os movimentos negro e ambiental, sempre se deu a partir da visão de advogado. Há, pois, um espaço em que esta advocacia é colocada a serviço da causa do combate à discriminação racial.

Neste sentido, não há necessidade de se “manter o equilíbrio”, pois como deve ser em qualquer lugar, o comando político é feito pelo titular da pasta, o Ministro de Estado. É ele quem dá o tom da realização do trabalho, e a todas as áreas, o que cabe é o cumprimento. Na Ouvidoria não haveria por que ser diferente. Minha relação com os partidos políticos também é muito boa, desde tempos anteriores.

Como não estou filiado a esse ou aquele partido, tenho transitado com facilidade por vários deles – e não poderia ser de outra forma, estando no governo federal. O exemplo maior vem do Presidente da República. Estou sugerindo abertamente que os partidos políticos, em especial os da base de sustentação do Governo Federal, tenham uma atitude mais proativa em relação às questões político-judiciais que têm sido desencadeadas pelo Partido dos Democratas, em vários episódios.

Veja que o DEM tem iniciado ações contra as cotas para negros na UNB; contra quilombolas de Alcântara, no Maranhão e na Marambaia, no Rio; contra o PROUNI; e até contra as cotas para negros na UERJ, através da CONFECON – Confederação Nacional de Estabelecimentos de Ensino Privado. Se você investigar, vai ver que são sempre as mesmas pessoas envolvidas. Quando não é o partido em si, como no caso das cotas da UERJ, são ramificações de uma mesma árvore, como no caso do Deputado Flávio Bolsonaro, do Rio de Janeiro.

Bem, os outros partidos não podem e não devem, em minha opinião, ficar em papel contemplativo, simplesmente assistindo a tudo ou oferecendo solidariedade, na base dos “estamos juntos!” que se ouve nas ruas. Devem partir para o enfrentamento nas mesmas bases e condições, utilizando suas máquinas partidárias e seus advogados, para contrabalançar o jogo.

Ainda que estejamos num ano eleitoral, no caso das cotas da UNB em julgamento no STF, por exemplo, como se pode admitir que os outros partidos políticos não tenham, até o momento, ingressado com ações em favor das cotas raciais, como amigos da corte – amicus curiae – fazendo frente ao DEM? Essa falta de combate entre partidos, no campo judicial, deixa à vontade o DEM e facilita o trabalho deles. É preciso, pois, em minha opinião, que outros partidos também ingressem neste campo e estejam nos tribunais, em especial os superiores, asseverando aos magistrados o que, na sua visão, deve ser ressaltado no campo político e jurídico e que está em julgamento.

Pode-se pensar, ainda, que os mandatos de parlamentares estaduais e municipais, ligados ao combate ao racismo e à implementação de ação afirmativa para negros, deveriam estar conectados a uma agenda nacional, que fosse instigada no campo municipal ou estadual, de forma ampla e linear, em todos os 5.470 municípios brasileiros.

O fato é que em todos esses municípios o Feriado de Zumbi poderia estar sendo pautado por um mandato municipal ou estadual, assim como as cotas para negros nas universidades, bem como nos concursos públicos municipais e estaduais, a exigência da implementação da lei 10.639, e outros itens da chamada “agenda nacional”. Penso que isso mobilizaria os movimentos locais, bem como os direcionaria para tais agendas de forma multiplicadora. Creio que isso dificultaria a ação dos contrários à ação afirmativa.

Afropress – O senhor é acusado por setores próximos à ex-ministra Matilde Ribeiro de ser um dos principais responsáveis pelo desgaste de sua imagem pública. Como foi passar de estilingue a vidraça, ou seja, ocupar um cargo na gestão do órgão antes criticado?

Adami – Desconheço tais setores. A ex-ministra Matilde se afastou do governo em função do desgaste de denúncias de uso do cartão corporativo, não de desgaste de imagem pública, em especial o causado por mim. Pessoalmente, sempre tive com ela uma relação cordial e respeitosa, mesmo discordando de uma série de medidas na forma de programar as políticas da SEPPIR.

Isto não é segredo nenhum, e todos sabem disso. Sempre me incomodou o critério que, a meu juízo, se centrava em determinado estado e determinado partido político, embora tal situação também sempre fosse negada. Nunca desrespeitei a figura da ministra, quer como mulher, quer como política, quer como gestora, ou de qualquer outro modo. Não poderia agir de forma diferente. Só não concordava com certas medidas e efetuava críticas de frente, e com objetivo construtivo. Já me disseram que, se tivesse sido ouvido, os fatos teriam sido outros. Não sei se isso é verdade. Mas a relação pessoal com a ex-ministra nunca foi de conflito, e sim de divergência, num ambiente cordial.

Tanto é verdade que, quando ela quase foi indiciada pelo Ministério Público Federal, acusada de racismo por evocar os “tempos da chibata” e por dizer que entenderia se negros não gostassem de brancos, prontamente me ofereci para montar, como advogado, uma petição de assistente processual da acusada de pelo menos 50 instituições ligadas ao Movimento Negro.

A conversa foi iniciada com a participação do hoje Subsecretário de Ações Afirmativas da SEPPIR, Martvs Chagas, de Ivanir dos Santos, e de meu amigo Wilson Prudente, Procurador do Trabalho. Eu achava injusto processarem Matilde por racismo, e prontamente me dispus a ficar ao seu lado, judicialmente, liderando esse grande arco de entidades do movimento social. Inspirei-me no exemplo de Sobral Pinto que, mesmo adversário de Luís Carlos Prestes, foi defendê-lo quando este foi preso e acusado pelo regime ditatorial.

Achei que era o certo, mas a iniciativa não chegou a ser efetivada pelos fatos que se seguiram. Quanto a fazer parte da SEPPIR, atendi à solicitação de um companheiro, um amigo e uma liderança do movimento social nacional, o Deputado Edson Santos, com quem já havia desenvolvido vários trabalhos na área racial, inclusive a cobrança nacional, em 2005, pela implementação da lei 10.639, através de inquéritos civis públicos em 5.470 municípios.

O ministro Elói Araújo também fazia parte desse esforço. Convidado, não seria justo não colaborar. Você não pode ficar só criticando, como vejo alguns hoje, e não dar sua colaboração, quando solicitado a fazer. Não seria decente. Obviamente que tive de me preparar para a nova tarefa, visto que os papéis são muito diferentes.

Como Ouvidor Geral, não posso usar do mesmo ritmo, volume e intensidade dos trabalhos que realizava como Presidente do IARA. Isso parece que não foi entendido por alguns. Então vejo comentários do tipo: “O Adami foi para a SEPPIR e não fala mais nada. Calou-se. Foi cooptado. Só queria um cargo!”. Nada mais errado. Primeiro, porque sou funcionário do BB e apenas fui requisitado ao Ministro da Fazenda para trabalhar junto à Secretaria da Igualdade Racial.

Segundo, porque estamos trabalhando freneticamente, em ritmo intenso, alcançando grandes resultados e apenas não os podemos divulgar, como se fazia a todo instante, pois esse não é o ritmo da administração publica federal, onde tudo funciona com hierarquia e vinculado à letra da lei. Hoje, tudo o que falo é imediatamente transferido ao Governo Federal. É preciso muito cuidado para não causar embaraços e repercussões não previstas. E você tem de mudar seu foco para entender que seu trabalho hoje, é governo, é gestão federal.

Afropress – Qual a sua expectativa em relação à posição a ser adotada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação do DEM contra as cotas?

Adami – Estive com o Ministro Ricardo Lewandovski duas vezes após a Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal. Em ambas ele disse que pretende levar o processo a julgamento ainda esse ano. Minha avaliação é que a ADPF será julgada improcedente, com grande prejuízo para aqueles contrários à ação afirmativa no Brasil. Isto já ficou evidente. A grande organização das formas pró-ações afirmativas foi motivo de festa, de arrumação da casa. Quem pôde ir, gostou muito. Quem não pôde, viu pela TV Justiça e pode ver até hoje no YouTube.

Descobrimos muitas coisas boas. Pude contribuir em vários momentos e fiquei muito feliz com isso. A inclusão da Universidade de Juiz de Fora na Audiência Pública, que por pura sorte avisei ao Pró-Reitor Eduardo Magrone, um dia antes do prazo, quando fui receber uma medalha em Juiz de Fora, foi uma das coisas que me deixou satisfeito. A medida tomada em relação ao posicionamento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados foi outra coisa que me deixou muito satisfeito.

A OAB compareceu apenas para dizer que não tinha posição sobre o assunto: cotas raciais. No mesmo dia consegui uma audiência com o presidente do Conselho Federal da OAB, Dr. Ophir Cavalcante Jr., e acompanhado dos advogados Marcelo Dias, André Matos e Julio Romário, conseguimos a designação de uma audiência pública da própria OAB, de forma a poder extrair sua própria posição. O fato foi saudado pelo Ministro Lewandoviski como resultado da audiência do STF.

Afropress – Como membro do Governo, como está dando continuidade a denúncia que fez como militante em relação à ausência de negros nas Forças Armadas e nas empresas estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil?

Adami – Fui intimado recentemente, já como Ouvidor, em inquérito civil (nº. 1.00.000.007597/2006-61, MPF/DF, Procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira) que tramita na Procuradoria da República no Distrito Federal, em que é investigada a ausência de negros nos altos cargos das Forças Armadas (Exército, Aeronáutica e Marinha), no Itamaraty e na Igreja Católica.

A procuradora doutora Luciana Loureiro tem procedido a investigações com o fito de esclarecer este fenômeno de não haver negros nas principais posições militares do País, nos altos postos do Itamaraty, bem como na Igreja Católica. O Comando do Exército informou que dentre os 35.637 militares do Exército, há 337 identificados como “pretos” e 2054 identificados como “pardos escuros”, nenhum deles General, General de Divisão ou General de Brigada.

Um seminário realizado na Câmara dos Deputados, anos atrás, apontou como cinco os generais afrodescendentes da História do Brasil. O Comando da Aeronáutica informou que “a Academia de Força Aérea conta com 766 cadetes, dos quais 256 afrodescendentes; e a Escola de Especialistas da Aeronáutica apresenta 2.828 alunos, dos quais 1.084 afrodescendentes”.

E, mais recentemente, acrescenta que está em curso uma pesquisa no âmbito da Força para fornecer ao MPF os dados estatísticos sobre a presença dos militares afrodescendentes em cargos de altas patentes. Registra que, “embora com respostas incompletas, os Comandos da Aeronáutica e do Exército mostraram-se cooperativos e compreenderam a necessidade de informar ao Ministério Público os dados solicitados, em virtude da necessidade de instruir a representação formulada, tendo em vista inclusive o disposto no art. 2º. do Decreto 4.228….”. Estas coisas são importantes e devem ser saudadas como um tremendo avanço do governo brasileiro.

Afropress – Como funcionário afastado do Banco do Brasil, como acompanhou e o que acha do Mapa da Diversidade apresentado pela FEBRABAN como repostas às denúncias feitas por você próprio e depois assumidas pelo Ministério Público Federal do Trabalho?

Adami – Foi uma etapa na minha vida em que aprendi muito. Como já tinha lidado anteriormente com a FEBRABAN nas denúncias de dano ambiental causado por financiamentos de bancos (minha tese de dissertação de mestrado), e por ser da área bancária, tenho experiência com a turma de lá. Não direi que enrolam, mas vão demorar. O trabalho feito por alguns bancos é notável.

A aglutinação feita em torno da Unipalmares facilitou, com o resultado prático de pelo menos 600 estagiários terem conseguido trabalhar nos 10 maiores bancos privados do país, com cursos de extensão, concomitantes à graduação na Universidade Zumbi dos Palmares, de MBA de Gerente Executivo Júnior, com selo Unicamp e FGV. Isto foi fantástico. Diga-se que, embora a denúncia tenha sido minha, o trabalho foi alavancado por muitas instituições ligadas ao Movimento Negro.

Houve um ganho efetivo, mas a divisão de sempre acabou por atrapalhar a pressão em cima do Ministério Publico do Trabalho, que digamos, se desmotivou, bem como em cima dos próprios bancos. O Mapa da Diversidade elaborado pelo CEERT deve ser saudado como sendo resultado prático, pois uma entidade originada no Movimento Negro não foi substituída pelas ONGs de sempre.

O Mapa comprova a exatidão da denúncia feita ao MPT. E, portanto, o que é de se estranhar é que, comprovada a denúncia, outra deveria ser a postura do MPT, não o de dirigir afagos e carinhos ao denunciado, e sim o de partir para uma medida mais efetiva, de ministério público mesmo, e em caráter nacional, pois as tão saudadas ações civis públicas contra os cinco maiores bancos privados brasileiros só foram ajuizadas contras os bancos no Distrito Federal, e com os números do DF.

Aí a coisa complicou um pouco, pois o Tribunal Regional do Trabalho do DF julgou as ações improcedentes, afirmando que a “prova estatística não era suficiente para comprovar a desigualdade racial no âmbito do trabalho dos bancos”. Disse isso depois de afirmar na decisão que conhecia a doutrina do direito comparado afirmando que a estatística é prova suficiente (EUA); que conhecia a doutrina brasileira baseado no livro do Ministro Joaquim Barbosa, mas que ele, o TRT, não achava prova suficiente.

Como sempre digo, a placa na porta do banco escrito “Crioulo não entra” não vai ser nunca produzida no Brasil. Enquanto isto, o Estado brasileiro é vítima de denuncias e recomendações da OEA, e tais autoridades não são chamadas para um acerto de contas com o erário por causa de sua conduta, como no caso da empregada doméstica Simone Diniz (Relatório 066/2006), em que nunca se chamou delegado de polícia, promotor e juiz de direito para acerto de contas com o estado, em ação regressiva.

Penso que todos os casos de arquivamentos e improcedências em tema racial devem ser conectados ao caso Simone Diniz, para que se identifique logo a autoridade em omissão. Recebi na Ouvidoria uma reclamação contra essa situação, e após falar com o Procurador Geral do Trabalho, Otávio Brito, e com o Ministro Corregedor da Justiça do Trabalho, Carlos Alberto Reis de Paula, penso que a Ouvidoria encaminhará uma reclamação ao CNJ – Conselho Nacional de Justiça, em breve.

Isto porque um eventual prejuízo de condenação, que deveria ser paga pelos supostos praticantes dos atos de racismo, passa, com as recomendações da OEA, muitos anos depois, para o erário público, sendo suportado por nós, contribuintes, ao invés daquele que praticou desigualdade racial. Isto não esta correto, e é uma oportunidade para que o tema racial frequente aquele conselho com repercussão em outros casos.

Mas isso não deveria impedir que novas denúncias e novas ações fossem ajuizadas nas 27 capitais, de novo, por novos autores, especialmente sindicatos, de todas as categorias profissionais, uma vez que as centrais sindicais, em ação da Ouvidoria, acabaram de subscrever documento em poder do ministro Elói Araújo, de dar total apoio à ação afirmativa. Isso, com certeza, mobilizaria não só a FEBRABAN, que está conversando com o Subsecretário de Ações Afirmativas da SEPPIR, Martvs Chagas, bem como o próprio Ministério Público do Trabalho, em suas 27 representações nos estados. O que não é possível é que o denunciado produza a prova que o incrimina na denúncia – e nada, ou pouca coisa, aconteça.

Afropress – Faça as considerações que julgar pertinentes.

Adami – Acho pertinente mencionar três operações da Ouvidoria que realmente me empolgam.

DECRETO 4228/2002 – metas de inclusão de afrodescendentes em cargos DAS, na licitação e na terceirização da Administração Pública Federal – A Ouvidoria encaminhou a todos os órgãos da Administração Pública Federal oficio indagando o que havia sido realizado a partir do referido decreto 4228, nos últimos cinco anos, tendo em vista a existência do PLANAPIR, como instrumento de monitoramento e fiscalização da igualdade racial, e as múltiplas declarações do Presidente da República, de determinação de consolidação dos resultados de seu governo.

Acho isso da maior importância porque, ao mesmo tempo em que bancos, universidades, forças armadas, empresas privadas, etc., estão se esforçando para a inclusão racial, a administração pública federal deve participar e elaborar um esforço conjunto, transversal e total, para incluir mais de seus cidadãos afro-brasileiros.

O decreto 4228 determina que sejam observadas metas percentuais de inclusão de afrodescendentes no preenchimento de cargos DAS; metas de inclusão de bonificação de empresas que incluam afrodescendentes na licitação e terceirização da administração pública federal. Há muita resistência por parte de executivos estatais que silenciam sobre o assunto, constituindo isso o tal “racismo institucional” que tanto se fala, e que foi recentemente enfrentado em seminário nacional conduzido pelo Ministro Elói Araújo. O relatório da Ouvidoria, em mais de 250 respostas aos ofícios, constituirá o mais atualizado retrato da Administração Pública Federal no tema, e com certeza auxiliará os gestores na condução de políticas públicas.

Art. 8º. da Resolução 04/2004 – do CNE – Conselho Nacional de Educação – Comunicação detalhada ao MEC e SEPPIR de relatório periódico de medidas implementação da Lei 10.639 na rede de ensino pública e privada – A Ouvidoria da SEPPIR encaminhou aos 27 Conselhos Estaduais de Educação, ao Conselho Nacional de Educação, aos 27 Prefeitos das Capitais, aos 27 Secretários Estaduais de Educação, ofícios solicitando cópia da comunicação detalhada que a rede de ensino privada e pública tem de fazer, em relatórios periódicos, desde 2004, sobre as medidas de implementação. O material que tem chegado à Ouvidoria é rico em ótimos exemplos, e com certeza, é o que há de mais atual sobre o assunto.

Além de ser disponibilizado ao Presidente da República, pretende-se que possa servir de ferramenta ao PLANAPIR, na efetiva fiscalização do cumprimento da lei de História da África e Cultura Afro-brasileira. Há também espaço para apresentação das muitas iniciativas municipais que estão sendo produzidas nos 5.470 municípios brasileiros, sem que grande parte da população tome conhecimento. A resposta dos gestores públicos em todo o país tem sido de extrema boa vontade para com tal iniciativa, que propicia sejam demandados dentro de seus organismos. Vamos precisar de ajuda nos relatórios.

Art. 1º. da Resolução 04/2004 – do CNE – Conselho Nacional de Educação – Conteúdo das relações étnico-raciais em todas as matérias de todos os departamentos das instituições universitárias – A ouvidoria da SEPPIR encaminhou a todos os reitores de universidades brasileiras, sejam elas públicas, federais, estaduais, confessionais ou particulares, num total de aproximadamente 1200 ofícios, solicitação de cumprimento do art. 1º. da resolução 04/2004, do CNE, que prevê que o conteúdo de relações étnico-raciais deve estar presente em todas as matérias de todos os departamentos das instituições universitárias, condicionando, ainda, a avaliação de cumprimento dessas diretrizes ao funcionamento das instituições.

A inspiração tem sido a palavra do Presidente da República, que quer consolidar os avanços obtidos em seu governo para os próximos, assim como a instrumentalização do PLANAPIR como ferramenta de gestão e monitoramento da igualdade racial. Trata-se da maior operação administrativa de cobrança e incentivo de implementação da lei, que não pode ser obrigação apenas da escola pública e do professor municipal. A universidade brasileira, pública e privada, tem de entrar firme na produção desse conhecimento, com a utilização de todo o aparato federal para isso, como CAPES, FNE, CNPq, descobrindo linhas de incentivo de financiamento para tanto.

De pronto, alguns resultados que podemos citar. Uma universidade do sul do país remeteu conteúdo programático em que constava a “História da Escravidão do Negro no Brasil – módulos de 1 a 4”. Este é o verdadeiro cumprimento da lei de História da África e Cultura Afro-brasileira, o permanente retorno a Historia da Escravidão do Negro? Penso que não. Outro caso: uma das maiores universidades do país remeteu seu conteúdo, em que só constam quatro matérias, todas de graduação, somente ligadas a História, Artes e Música. Não é o suficiente. Apontar tais lacunas, em escala nacional, penso poder ser uma das mais gratificantes e producentes contribuições da Ouvidoria da SEPPIR.

 

 

 

Fonte: AFROPRESS

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