Cai número de héteros no Brasil. E os gays com isso?

Seria o sonho da “ditadura gay” ou de repente as previsões apocalípticas sobre extinção, sobre o fim da família tradicional e  a homossexualidade adquirida estariam certas? Será que no fim das contas eram os conservadores mais fanáticos que tinham razão? O “ser gay” passou de “tolerável” a “ideal”, e agora caminha para o status de “obrigatório”? Tantas perguntas, o número de heterossexuais caindo… Tem culpa eu?

Por FABRICIO LONGO, do Os Entendidos 

Bem, não dá para colocar a mão no fogo pela afirmação. A notícia sobre a pesquisa, supostamente conduzida pela Universidade de Victoria, em Melbourne,Austrália, repercutiu através da mídia informal por causa da chamada alarmante, sem ser confirmada por portais tradicionais ou mesmo por  buscas internacionais. O texto afirma que 70 alunos da universidade questionaram 57.563 pessoas durante sete meses, observando que 78% delas se declaravam heterossexuais no início da pesquisa, mas depois de uma “eventualidade” assumiram o rótulo de bissexuais. Além disso, 20% dos héteros entrevistados se declararam gays ao fim do período de pesquisa.

Digamos que talvez essa seja a verdade.

A partir dos anos 1970, o movimento LGBT brasileiro ganhou forças. Com muito sangue, o preconceito contra as identidades sexuais “dissidentes”, ou seja, qualquer coisa diferente do modelo heterossexual, permitiu pelo menos que se lutasse por direitos civis e por um reconhecimento social que ainda está vindo. Apesar dos pesares, até mesmo porque o segmento LGBT representa uma fatia de mercado de consumo também, ficou mais fácil discutir essas questões e obter informações sobre a sexualidade. A situação ainda é alarmante, já que os níveis de violência contra essa população são gritantes. Além disso, o fato de que parte da população já entende os LGBT pelo menos como parte legítima da sociedade também acirra preconceitos e faz com que os LGBTfóbicos tenham delírios de “aumento da viadagem”.

O discurso é sempre esse. De que uma coisa “errada” está sendo apresentada como “certa”, de que as pobres criancinhas estão sendo influenciadas. A ideia é que o desejo homossexual é uma escolha, mas ao mesmo tempo um “gosto adquirido” que ameaça virar imposição simplesmente porque aparece representado em novela ou porque dois adultos recebem permissão para casar. Quer dizer, esses “pecadores degenerados” escolheram isso, mas se ficarem exibindo muito a gente vai escolher também. Não é isso?

Não duvido que o número de heterossexuais esteja menor. Tanto a heterossexualidade quanto a homo são fantasias sociais, definições em cima de práticas afetivas e sexuais que são tratadas e hierarquizadas como identidades, como se fossem a coisa mais importante a definir os indivíduos. Ah, tem gente que só sente atração por pessoas do mesmo sexo e outros que só sentem atrações por membros do sexo oposto? Tem. Seja por vontade, seja por escolha política, seja por não admitir outra possibilidade, seja pelo que for! Independente de conceitos e pré-conceitos, entre paredes e lençóis – e parques, banheirões, motéis de período, etc – existe de tudo, fazendo das etiquetas “hétero” e “homo” uma simplificação quase infantil.

No contexto atual, com o debate social centrado no indivíduo e com as redes sociais ligando pessoas e ideias, faz todo sentido que tenha mais gente se identificando das mais variadas formas. De novo, “hétero” e “homo” são opções simplistas, já que nomenclaturas pseudo-técnicas, baseadas em vocabulário teórico de diversas ciências, passam também a ser reivindicadas como identidade. Entre héteros, bis e homos, temos pansexuais, assexuais, demissexuais, gouines, além de “g0ys”, “HSH” – um termo do Ministério da Saúde para definir homossexuais que não se identificam como gays – queer, e no caso  das identidades de gênero (coisa distinta da sexualidade) temos genderfluid, não-binários e agêneros – que aparecem como a mesma coisa, mas também como coisas distintas dentro de um segmento -, além de travestis e transgêneros e até dos tradicionais gêneros masculino e feminino. Todos demonizados como invencionices pós-modernosas, mas todos muito reais porque estão aí, nas praças e avenidas, fazendo parte de nosso cotidiano prático. E todos se entendendo como identidades à parte e, por isso, com reivindicações específicas.

No fim das contas, é isso. Qualquer grito alarmista é apenas manobra política, quando muito um medinho de ver ruir o status quo. Ninguém está inventando nada e nem escolhendo ser nada, quando muito as pessoas estão conquistando aparatos para se autoidentificar da maneira que preferirem. E isso é bom. Agora, se por acaso tem mais gente não querendo ser nem acusada de ser hétero, não podemos fazer nada.

Não temos culpa que do lado de cá é mais divertido.

Permita-se. Seja livre. Seja fabuloso.

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