Local já foi porta de entrada de africanos escravizados entre os séculos XVI e XIX
No Brasil.gov
Porta de entrada no Brasil de milhões de africanos escravizados, o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro (RJ), teve sua candidatura a Patrimônio da Humanidade aceita pelo Centro de Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O dossiê da candidatura, elaborado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Nacional (Iphan) e pela Prefeitura do Rio de Janeiro, foi aceito em março deste ano. O material servirá como base para o trabalho da equipe do representante da Unesco, o arquiteto e arqueólogo argentino Daniel Schávelzon, que visitará a região portuária e o Cais do Valongo.
O presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, Washington Fajardo, falou sobre a ressignificação do Cais do Valongo. “Temos centros históricos que contêm o magnífico patrimônio brasileiro e, no caso do Rio de Janeiro, uma cidade que sempre foi dedicada à vida do porto, das chegadas e das partidas, há também outra história que procuramos esquecer, que é a história da escravidão.
História e cultura
O Brasil recebeu cerca de quatro milhões de escravos nos mais de três séculos de duração do regime escravagista, 40% de todos os africanos que chegaram vivos nas Américas, entre os séculos XVI e XIX. Destes, aproximadamente 60% entraram pelo Rio de Janeiro, sendo que aproximadamente 1 milhão pelo Cais do Valongo.
O objetivo era retirar da rua Direita, atual Primeiro de Março, o desembarque e o comércio de africanos escravizados. Após a chegada, eles eram destinados às plantações de café, fumo e açúcar do interior e de outras regiões do Brasil. A vinda da família real portuguesa para o Brasil e a intensificação da cafeicultura ampliaram consideravelmente o tráfico escravagista.
Em 1811, com o incremento do tráfico e o fluxo de outras mercadorias, foram feitas obras de infraestrutura, incluindo o calçamento de pedra de um trecho da Praia do Valongo, que constitui o Sítio Arqueológico do Cais do Valongo.
O local foi desativado como porto de desembarque de escravos em 1831, quando o tráfico transatlântico foi proibido por pressão da Inglaterra – norma solenemente ignorada, que recebeu a denominação irônica de lei para inglês ver. Doze anos depois, em 1843, o Cais do Valongo foi reformado para receber a princesa das Duas Sicílias e de Bourbon-Anjou, Teresa Cristina, esposa do imperador Dom Pedro II, recebendo o nome de Cais da Imperatriz.
Com a assinatura da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, pôs-se fim oficialmente ao tráfico para o Brasil, embora a última remessa conhecida date de 1872 e a escravidão tenha persistido até a Abolição, em 1888.
Em 1911, com as reformas urbanísticas da cidade, o Cais da Imperatriz foi aterrado. No entanto, durante as obras do Porto Maravilha, com as escavações realizadas no local, em 2011, foram encontrados milhares de objetos, como parte de calçados, botões feitos com ossos, colares, amuletos, anéis e pulseiras em piaçava de extrema delicadeza, jogos de búzios e outras peças usadas em rituais religiosos.
Preservação
Em 2012, a prefeitura do Rio de janeiro acatou a sugestão das Organizações dos Movimentos Negros e, em julho do mesmo ano, transformou o espaço em monumento preservado e aberto à visitação pública.
O Cais do Valongo passou a integrar o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, que estabelece marcos da cultura afro-brasileira na Região Portuária, ao lado do Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Pedra do Sal, Centro Cultural José Bonifácio e Cemitério dos Pretos Novos.
Em 20 de novembro de 2013, Dia da Consciência Negra, o Cais do Valongo foi alçado a patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro, por meio do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH). Representantes da Unesco também consideraram o sítio arqueológico como parte da Rota dos Escravos. O evento reforçou ainda mais a intenção da cidade de lançar a candidatura do Cais do Valongo a Patrimônio da Humanidade.
O Sítio Arqueológico do Cais do Valongo não só representa o principal cais de desembarque de africanos escravizados em todas as Américas, como é o único que se preservou materialmente. Pela magnitude do que representa, coloca-se como o mais destacado vestígio do tráfico negreiro no continente americano.