Por Giovanni Harvey* Do Mama Press
Prezad@s amig@s, como alguns devem ter percebido, estou ausente das redes sociais há algum tempo em função de compromissos profissionais que me exigem dedicação integral.
Esta postagem tem, neste contexto, dois propósitos:
1 – O primeiro propósito é externar a minha Gratidão aos que me citaram, sabedores do meu interesse e engajamento, em função do reconhecimento do Cais do Valongo como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO.
O “novo status” concedido ao Cais do Valongo, resultado da contribuição de vários atores sociais, nacionais e internacionais, tem um grande significado para a História do Brasil e para a História da Humanidade.
O Cais do Valongo pertence a Humanidade mas cabe a nós brasileiros a responsabilidade de cuidar dele e de fazer com os demais locais que nos permitem compreender a extensão do seu significado tenham condições de receber pessoas de todas as partes do mundo.
Por esta razão ilustro esta postagem com imagens de um outro sítio histórico, também reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade: a Ilha de Gorée, no Senegal.
Foto II – Visita do Papa João Paulo II a Maison de Les Esclaves. Foto tirada na “porta da viagem sem regresso” – 22.02.1992
Foto III – Visita do primeiro presidente negro dos Estados Unidos e da primeira dama (Barack e Michelle Obama) a Maison de Les Esclaves. Foto tirada na “porta da viagem sem regresso” – 27.06.2013
É muito difícil alguém entender o real significado de um “cais de chegada” sem ter igual compreensão do que foram os “cais de partida”, como os situados na Ilha de Gorée.
O Cais do Valongo é, paradoxalmente, um “cais de chegada” para o passado e um “cais de partida” para o futuro.
O seu reconhecimento como Patrimônio Cultural da Humanidade é um vigoroso estímulo a continuidade do processo de “resgate” da memória do Brasil e da Humanidade.
A continuidade deste processo de resgate nos impõe a necessidade de discutir, sem subterfúgios, a destinação do prédio “Docas Pedro II”, construído sem o uso de mão de obra escravizada pelo engenheiro abolicionista André Rebouças e localizado em frente ao Cais do Valongo.
O imóvel pertence ao Governo Federal e esta situação precisa ser resolvida.
2 – O segundo propósito é salientar o protagonismo das organizações e instituições do movimento negro brasileiro que, desde que a equipe de arqueologia do Museu Nacional (liderada pela arqueóloga Tânia Andrade Lima) confirmou o achado arqueológico, se mobilizaram, construíram consensos, elaboraram estratégias, atuaram em conjunto e estabeleceram diálogo com a Prefeitura do Rio de Janeiro, com o Governo do Estado do Rio de Janeiro, com o Governo Federal e com diversas instituições e organismos internacionais.
As organizações e as instituições do movimento negro tiveram um papel ativo ao longo de todo o processo e subsidiaram, notadamente o Poder Público Municipal, com informações sobre a importância histórica, geopolítica e econômica do achado arqueológico na Região Portuária do Rio de Janeiro.
Oportunamente, quando me desincumbir dos compromissos profissionais que exigem a minha integral dedicação, compartilharei elementos (documentos e imagens) com o objetivo de subsidiar a atuação de organizações e instituições que, em condições semelhantes, tenham de lidar com o desafio de preservar o legado dos seus ancestrais.
Chamo a atenção para este segundo aspecto pois tenho receio (embora por aqui haja bastante “bambu” e “flechas”) que a contribuição das organizações e instituições negras seja narrada num plano secundário e que nós tenhamos (mais uma vez na História do Brasil) o triunfo de um legado diretamente associado aos negros (embora seja uma causa da sociedade como um todo) com protagonistas exclusivamente brancos.
O Brasil consegue a proeza de ter uma sociedade na qual tod@s condenam a escravidão ao tempo no qual reproduzem práticas discriminatórias e racistas!
Ainda não é uma crítica, é apenas um alerta.
*Giovanni Harvey é um operário, segundo suas palavras.