Camila Pitanga será faxineira “invisível”

Personagem de “Cama de Gato”, nova trama das 18h, é inspirada em psicólogo que trabalhou como gari durante dez anos na USP

Camila Pitanga é uma negra de cabelo comprido, 1,71 m e 58 quilos. As boas curvas e a beleza, no entanto, não importam em seu primeiro trabalho como protagonista na TV e, numa missão quase impossível, devem até “desaparecer”.

O motivo: ela será uma faxineira na novela das 18h da TV Globo, “Cama de Gato”, que estreia no dia 5, e precisa passar despercebida. “Eu poderia me apoiar nessa qualidade [as boas curvas], mas não é o que vale ali”, diz Camila, 32. “O papel me exige uma tessitura muito delicada”, continua.

A faxineira “invisível” é inspirada no trabalho do psicólogo Fernando Braga da Costa em “Homens Invisíveis -Retratos de uma Humilhação Social” (ed. Globo, 2004). Por dez anos, ele trabalhou como gari na USP, sem ser notado por colegas e professores.

Camila entende. “Andava, no Projac, vestida de faxineira, e as pessoas não falavam comigo”, diz. “Por um lado, isso é muito bom, porque o papel está crível, bem composto, mas, ao mesmo tempo, é aterrador como se apaga a personalidade com o uniforme”, avalia.

Para criar Rose, conversou com faxineiras de empresas e viu filmes com Anna Magnani e Charlie Chaplin. Já em “Paraíso Tropical” (2007), conheceu garotas de programa para criar a prostituta Bebel.
“São temperaturas diferentes. Mesmo assim, tem a prostituta sofrida e a luminosa. Isso vale para as faxineiras. O pobre não é necessariamente contido. A Rose tem momentos luminosos, vê novela, gosta de samba, é feliz. A vaidade, lógico, não vem em primeiro plano.”

“Cama de Gato”, nome que custou R$ 15 mil à Globo -a emissora comprou o título, de um filme, sem anunciar para que seria usado-, é a estreia das autoras Duca Rachid, 48, e Thelma Guedes, 50, num roteiro original, supervisionadas por João Emanuel Carneiro.

Agilidade

Guedes seguiu carreira acadêmica em literatura, escreveu para “Turma do Didi” e para novelas como “Alma Gêmea” (2005). Rachid trabalhou em “Ossos do Barão” (1997), no SBT, em “Sítio do Pica-Pau Amarelo” e em novelas como “O Profeta” (2006), na Globo.

Precisam aprender a construir uma situação e resolvê-la no mesmo capítulo -algo como dar à novela, dirigida por Ricardo Waddington, a agilidade de um seriado, método que alavancou “A Favorita” e “Caras e Bocas” (esta no ar às 19h).

Em “Cama de Gato”, a agilidade será ferramenta para concorrer com programas sensacionalistas, exibidos por outras emissoras no horário. Sonia Abrão, por exemplo, levou audiência -e enfureceu diretores da Globo, como Roberto Talma- para a Rede TV! quando entrevistou Lindemberg Alves, que matou a ex-namorada Eloá após mantê-la refém. O “Programa do Ratinho”, do SBT, exibe bizarrices perto das 18h.

“Eu confio muito numa boa história. Acredito que as pessoas querem ver um pouco mais do que a realidade pura e simples na TV”, diz Rachid.

Outra tentativa das duas será criar personagens “ambíguos, menos estereotipados” -embora a pobre faxineira Rose seja demitida por desconfiança do rico patrão Gustavo (Marcos Palmeira). “Em novela, a gente precisa explicar muito bem os personagens. Não é cinema, não é Antonioni”, diz Guedes.

Novelas destacam Negros

A nova novela das 18h terá pelo menos sete atores negros, além de Camila Pitanga no papel principal. A das 20h, “Viver a Vida”, já tem sete, além de Taís Araújo. “Tem que aplaudir isso”, diz a atriz, para quem a presença de negros em tramas desligadas do tema da segregação racial é “uma das maiores conquistas”. Segundo Thelma Guedes, de “Cama de Gato”, a escolha da atriz não teve ligação com o fato de ela ser negra.

Manoel Carlos, da novela “Viver a Vida”, conta que escolheu Taís Araújo por querer sua Helena negra e jovem, não focando em “preconceito a combater”.

Fonte: Folha de S. Paulo

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