Campanha ‘Tem gente com fome’ beneficia 220 mil famílias em 2021

Desde março deste ano, a iniciativa da Coalizão Negra por Direitos em parceria com mais 10 organizações sociais arrecada fundos de enfrentamento à fome de população em situação de vulnerabilidade

FONTEPor Fernanda Rosário, do Terra
Na foto, mulher negra segura um papel com o nome da campanha "Se tem gente com fome, dá de comer". (Foto: Beatriz Domingos/ Campanha Tem gente com fome / Alma Preta)

A campanha nacional ‘Tem gente com fome‘ chega ao final de 2021 com um saldo de mais de 220 mil famílias contempladas por doações de enfrentamento à fome, à miséria e à violência.

A ação emergencial que busca arrecadar fundos contra a insegurança alimentar durante a pandemia da Covid-19 foi lançada em março deste ano e mapeou 222.895 famílias das populações mais atingidas pelas consequências do agravamento das desigualdades, como pessoas negras, moradores de favelas, quilombos, comunidades indígenas e ribeirinhas pelo Brasil.

A mobilização para as doações ganhou a adesão de diversos artistas e personalidades, como Gilberto Gil, Emicida e Camila Pitanga, e conseguiu captar cerca de 26 milhões de reais até dezembro de 2021 para auxiliar as famílias com cestas básicas, cartões de alimentação, produtos de higiene e alimentos agroecológicos.

Inspirada pelos versos “Se tem gente com fome, dá de comer”, do poeta Solano Trindade, a mobilização é uma iniciativa da Coalizão Negra por Direitos – articulação que reúne organizações e aliados do movimento negro brasileiro – em parceria com Anistia Internacional, Oxfam Brasil, Redes da Maré, Ação Brasileira de Combate às Desigualdades, 342 Artes, Nossas – Rede de Ativismo, Instituto Ethos, Orgânico Solidário, Grupo Prerrogativas e Fundo Brasil.

Segundo Vanda Menezes, representante da Coalizão Negra por Direitos e integrante da Rede de Mulheres Negras de Alagoas, 650 famílias foram beneficiadas em seu estado, que já está na quinta remessa dos recursos doados.

“A gente definiu que alimentaria, a cada remessa de doações, as mesmas famílias, porque a gente precisava dar segurança alimentar enquanto tivéssemos a campanha rolando. Quisemos também ter uma relação com essas pessoas, porque não se entrega somente as cestas, a gente também conversa sobre questões políticas, raciais, de gênero e sobre as discriminações que nós sofremos, porque a fome não é só de comida, também é de informação, de falta de educação e saúde”, pontua Vanda.

Durante este ano de mobilizações, a campanha conseguiu engajar mais de 40 mil doadores individuais que enviaram quantias de até 200 reais e também recebeu doações de 400 empresas e organizações. Em relação às distribuições de recursos, só em 10 de dezembro, Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mais de mil cestas básicas foram entregues para famílias de 12 estados brasileiros.

“A campanha ‘Tem gente com fome, dá de comer’ demonstra o quanto nós temos de solidariedade, porque as doações vão de 10 reais até milhões de reais que a gente recebeu de alguns bancos e empresas. Essa campanha também faz a denúncia de que nós temos um país que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo e que as pessoas estão passando fome e não têm segurança alimentar. E ao mesmo tempo em que a gente faz a denúncia, a gente exige do governo que assuma a sua parte”, destaca Vanda.

De acordo com Ingrid Farias, responsável pela coordenação da campanha em Pernambuco e integrante da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Renfa), inicialmente, a campanha tinha o objetivo de fazer três remessas.

“Era o que a gente tinha previsto do orçamento. Como conseguimos outras doações e possibilidades, a gente já está indo, aqui em Pernambuco, para a quarta remessa e terá ainda uma quinta”, pontua.

Ecossistema de solidariedade

Além da distribuição de alimentos e recursos para as famílias em vulnerabilidade, a campanha também se preocupa em gerar renda para os pequenos agricultores e empresários das próprias localidades que também sofreram com a crise econômica, o que também possibilita uma compra de alimentos mais saudáveis e sem agrotóxicos para as populações beneficiadas.

“A gente pensa não só em dar comida, mas também que essa pandemia trouxe um impacto terrível para os quilombolas, os agricultores familiares, as pessoas sem-terras que estão em ocupações, que plantam e que durante o isolamento tiveram prejuízos”, destaca Vanda Menezes.

Os recursos das doações são repassados para as organizações comunitárias de cada estado que possui autonomia para escolher onde as compras serão feitas, o que fortalece a economia local e garante empregos.

De acordo com Ingrid Farias, 10 mil famílias foram beneficiadas em seu estado, além dos pequenos produtores. “A gente também contratou as cestas agroecológicas da Conaq, que é a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas. Várias famílias que também são produtoras e agricultoras familiares também foram beneficiadas pela campanha, porque a gente comprou esses produtos da produção agroecológica deles”, explicou.

Se tem gente com fome, dá de comer

De acordo com informações do ‘Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil’, cerca de 116 milhões de pessoas passavam algum grau de insegurança alimentar no país e mais de 19 milhões já passavam fome em dezembro de 2020.

Segundo Ingrid Farias, a Coalizão Negra por Direitos tem feito diversas ações de incidência política, tanto em torno da renda básica, quanto em torno da garantia mínima das cidades e municípios darem apoio e solidariedade às populações em situação de vulnerabilidade.

“A campanha nasce em um contexto que é de esticamento das desigualdades. Então, quando partimos para pensar nessa campanha, a gente também parte para uma perspectiva política da garantia de direitos. A campanha tem feito uma luta óbvia para poder levar comida para a mesa do povo, mas também para levar a consciência de que este governo é quem tem na verdade afetado e violado os direitos da população mais vulnerável”, aponta.

Em relação aos planos futuros da campanha, a responsável pela coordenação das doações em Pernambuco pontua que os articuladores já estão em discussão de como se dará o modelo.

“No início da pandemia, tinha um apelo maior das pessoas para as doações, mas agora tem um apelo menor. Então, estamos pensando em como a gente constrói um fundo para o ano que vem que possa dar apoio a esses casos de insegurança alimentar e de fome”, coloca.

Quem quiser contribuir com a campanha, pode fazer uma transferência via PIX para o CNPJ 11.140.583/0001-72 ou consultar as outras possibilidades de ajudar no site da mobilização.

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