Candidaturas coletivas podem acabar já em 2024; a quem isso interessa?

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Uma das candidaturas coletivas eleitas pelo PSOL, o Quilombo Periférico, promete priorizar políticas públicas para a periferia e para população negra e de mulheres - Imagem: Divulgação

As candidaturas coletivas podem deixar de existir já a partir das eleições municipais do ano que vem. O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou uma emenda à minirreforma eleitoral (PL 4438/23) que proíbe o modelo. A discussão segue para o Senado. Para valer em 2024, o texto precisa ser aprovado até 6 de outubro.

Se fosse uma pessoa, a Câmara seria um homem branco, acima de 50 anos, com ensino superior completo e um patrimônio acima de R$ 2 milhões. O perfil foi traçado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com dados da eleição 2022. Como se percebe, a Casa do Povo tem bem pouco de povo. Não para por aí.

Na sexta-feira, 15, um dia depois dessa votação, o Datafolha divulgou pesquisa revelando que apenas 16% da população aprova o trabalho do Congresso Nacional, que é a soma das duas casas: Câmara e Senado. É esse mesmo Congresso que pode barrar uma das mais importantes portas de entrada da sociedade civil organizada na política institucional. Não parece ser uma coincidência.

“As candidaturas coletivas são hoje uma maneira revolucionária de participação social”, defende Alex Barcellos. “É a única alternativa que trouxe a oportunidade de algum avanço na participação da diversidade brasileira dentro da política”. Mobilizador cultural e especialista em economia solidária, Alex faz parte do Quilombo Periférico (PSOL), que ocupa uma cadeira na Câmara de Vereadores de São Paulo. Integrantes vieram dos movimentos social e cultural das periferias e favelas da cidade.

Uma candidatura coletiva funciona assim: um grupo de pessoas se junta numa chapa. Por conta da legislação, apenas um nome aparece na urna, nesse caso é o da Elaine do Quilombo Periférico, responsável legal pelo mandato. É ela quem toma posse, enquanto as outras pessoas passam a trabalhar no gabinete. Alex e mais cinco. Todas as decisões acontecem no grupo, onde o poder é igualmente dividido. O modelo está amparado numa resolução do TSE, de 2021.

“Ele (o modelo) vem também para isso, para a gente ter mais transparência. Quem vota sabe exatamente quem está indo. Para não ter os fantasmas de gabinete”, explica Alex. Para ele, a candidatura coletiva é uma ferramenta que cria oportunidades para mais participação de grupos sub representados nos espaços de poder. O Brasil conta com 20 mandatos assim, organizados numa frente nacional. Se a minirreforma passar como está hoje, todos deixarão de existir.

Anistia a partidos que desrespeitaram repasses do fundo partidário, afrouxamento de regras eleitorais, diminuição das verbas proporcionais a candidaturas negras e femininas são apenas alguns dos pontos que estão presentes no texto que será analisado pelos senadores. Pontos, como bem se percebe, que só fazem uma coisa: mudam tudo para que nada mude. Quem está dentro com muitas chances de continuar, quem está fora com poucas chances de conseguir entrar.

“A minirreforma eleitoral é um ataque ao recente, e ainda pequeno, acesso de mulheres, negros e periféricos à política eleitoral. Não à toa retira direitos das mulheres e mira nas candidaturas coletivas. Nos elegemos por aí”, aponta Mônica Seixas. Ela faz parte do Movimento Pretas (PSOL), que ocupa uma das cadeiras da Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP).

“Para as mulheres e negros, coletivo é, na maioria das vezes, a única forma que conhecemos e que queremos fazer política. Ter uma organização e uma rede de apoio para a formulação, para o acolhimento e para dividir as minhas inseguranças e até o cuidado do meu filho foi essencial para que eu tivesse coragem de concorrer a uma eleição”, explica a codeputada estadual.Continua após a publicidade

Há 4 anos, Mônica fez parte de uma das mais conhecidas experiências do país, quando foi eleita com a Bancada Ativista para a mesma ALESP. Foi o primeiro mandato do tipo na história do parlamento paulista. Agora, ela constrói politicamente com mais seis mulheres negras, com longas trajetórias na luta por direitos. “A política coletiva é uma realidade e não dá pra parar isso”, defende.

Mônica aponta que se trata de um movimento sem volta, já que se mostrou como uma possibilidade real para entrada na política institucional de quem historicamente esteve à margem da discussão dos rumos do país. À margem da construção de leis que influenciam suas próprias vidas. Volte ao começo do texto para se lembrar do perfil da Câmara Federal. Então, não parece mesmo ser uma coincidência que quase todos os pontos da minirreforma eleitoral barrem, justamente, um crescimento da diversidade na política brasileira.

Alex concorda e sinaliza que, o grupo que tem se organizado, vai defender o modelo em Brasília. “A gente vai lutar até o fim para mostrar que não dá para deixar de lado 24 candidaturas que estão fortalecendo uma política nova. Uma política que se faz com seriedade, sem corrupção. Uma política com muito compromisso e participação social”, finaliza.

A Frente Nacional das Mandatas e Mandatos Coletivos lançou um abaixo assinado e tem se articulado para pressionar Brasília. Caso passe pelo Senado, a proibição às candidaturas coletivas ainda poderá ser vetada pelo Presidente Lula.

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