Carola é a 1ª DJ brasileira e negra a tocar no Tomorrowland: ‘Todos ganham’

Confirmada como atração no principal festival de música eletrônica do mundo, em julho, Carola espera abrir caminhos para outras meninas pretas, mas também faz questão de ser reconhecida por seu talento para além da representatividade

FONTEPor Gabryella Garcia, da Revista Marie Claire
Carola será a primeira brasileira negra a tocar no maior festival de música eletrônica do mundo (Foto: Thiago Durann)

No último dia 9 de março, quando é comemorado o Dia Internacional do DJ, a DJ e produtora Carola, nascida em Porto Alegre, celebra o fato de ser a primeira artista brasileira negra a tocar no maior festival de música eletrônica do mundo, o Tomorrowland, na Bélgica. Antes da gaúcha, DJ ANNA era a única mulher brasileira a ter se apresentado no festival.

Ciente do tamanho de sua conquista em um meio que já chegou elitizado ao Brasil, Carola espera que esse seja um dos primeiros passos em direção a uma mudança mais do que necessária, mas também afirmou que antes de ser vista como a primeira mulher negra a conquistar esse espaço, quer ser reconhecida pelo seu talento.

“Todo mundo ganha com isso e as pessoas entendem que podem chegar lá, porque a representatividade é uma preocupação que trago dentro do meu trabalho, é preciso lutar em busca de mais acesso para as pessoas. Mas também não gosto de resumir minha carreira apenas nisso”, afirma a Marie Claire.

“Estou chegando lá porque sou boa e quero que vejam primeiro isso, e depois entendam que uma mulher pobre e preta pode chegar lá. É utópico dizer que basta lutar para chegar, mas espero que minha história possa inspirar outras meninas e uma possa puxar a outra.”

Carola

Essa falta de representatividade, explica Carola, é causada sobretudo por questões sociais. A DJ afirma que uma das primeiras barreiras está na língua, uma vez que o universo da música eletrônica se criou na língua inglesa e, além disso, também há uma questão financeira.

“Acho que a questão da língua exclui muitas pessoas porque ao contrário do funk, para fazermos uma comparação, a música eletrônica nunca falou a linguagem da favela. Se criou uma atmosfera na música eletrônica de fazer tudo em inglês e só depois de muito tempo começaram a surgir vocais em português”, elenca.

“Também tem o lance da questão social e financeira. A música eletrônica vem de um recorte menos favorecido da sociedade que nasceu do house music com pretos e gays nos Estados Unidos, e depois evoluiu para a música eletrônica de hoje, mas já chegou muito elitizada no Brasil. Passou pela Europa e veio com aquela coisa de Ibiza, iates e que não ia se comunicar com pessoas menos favorecidas”.

“Acho super problemático chegar em um evento e ser a única pessoa preta além dos seguranças. A pista e o backstage não têm pessoas pretas, então eu gostaria que fosse uma parada mais universal. A música eletrônica é muito de sentimento e eu quero alcançar outras pessoas menos favorecidas”

Carola

Hoje, apesar de ver seu nome no line-up mais famoso do mundo, Carola ainda enxerga o mercado brasileiro muito receoso com novos artistas, sempre apostando nos mesmos “medalhões” da música eletrônica.

Ela enxerga o mercado internacional mais aberto para novidades, assim como os próprios artistas acabam dando mais abertura para quem ainda está construindo uma trajetória.

“Eu mesma sou uma artista nova e vejo que as oportunidades chegam mais de fora do Brasil. Os próprios artistas internacionais dão mais abertura para nós, mas entendo essa dificuldade no Brasil porque aqui é muito concorrido e difícil ocupar um lugar de destaque, então a galera se fecha por uma questão de sobrevivência”, conta.

“Acho que falta um pouco de união entre os novos artistas para se alavancarem. Não penso que é essencial buscar o mercado internacional para ‘dar certo’, mas é fato que hoje todo mundo busca isso.”

Carola

Mas também se engana quem pensa que a artista está satisfeita em chegar ao Tomorrowland e alcançar o sucesso fora do Brasil. Agora, Carola tem o sonho de consolidar cada vez mais sua carreira, mas também se apresentar em grandes festivais brasileiros. “Meu principal objetivo é me consolidar entre as maiores artistas do Brasil e ter uma agenda de shows consistente. Muita gente só me conhece do streaming, então quero levar a música e minha arte para as pessoas verem de perto em diferentes lugares e também quero tocar no Rock in Rio, no Lollapalooza e Coachella para as pessoas me ouvirem cada vez mais”.

Início de carreira e referências

A relação de Carola com a música começou desde muito cedo, dentro de casa, mas ainda longe da música eletrônica. Ela conta que escutava muito rock e MPB com a sua mãe, e em um primeiro momento suas referências musicais eram U2, Rolling Stones e Cássia Eller.

“A partir dali comecei a criar uma relação com o meio artístico, porque achava incrível, mas o primeiro contato com a música eletrônica veio quando eu já tinha 14 anos.”

Ela conta que foi em uma rave e acabou se apaixonando por aquele universo e sobretudo, pelo ambiente. “Eu me sentia acolhida nos eventos e não me sentia diminuída por ser pobre, nem preta e nem me sentia julgada por um padrão de beleza. As primeiras festas que eu ia só ouvia um som de repetição por uma hora e não sabia distinguir nada, mas depois fui me familiarizando e entendendo mais”, relata.

Depois desse primeiro contato em festivais, Carola começou a discotecar em 2012, sempre estudando pelo YouTube ou por blogs, pois não tinha recursos financeiros para aulas. O começo, conta, foi bastante complicado. Ela revelou que muitas pessoas a desencorajam, até mesmo pela falta de uma referência feminina e preta.

“Foi muito difícil e as pessoas viam que não tinha nenhuma Carola no mercado e me diziam isso, sempre desencorajando. A falta dessa referência complicou, mas eu tentava extrair de outras meninas como a Groove DelightNervo e Cruella“.

Três anos depois de começar a discotecar, em 2015, Carola ingressou no ramo da produção musical e começou a lançar oficialmente em 2018. Hoje, ela já possui collabs com artistas como Groove Delight e Kohen e também já teve uma produção sua tocada por ninguém menos do David Guetta, fazendo com que chamasse a atenção de todo o planeta.

Além de Guetta, recentemente ela também contou com o suporte de grandes nomes como Martin GarrixTiëstoDon DiabloFedde Le GrandMorgan PageMike Williams e Alok.

No mês de julho, quando desembarcar na Bélgica para a 16ª edição do Tomorrowland, Carola irá tocar ao lado de outros artistas que representam diversidade e inclusão dentro da música eletrônica: Jana Vitiligo (Bélgica), Mandidextrous (Reino Unido), Moore Kismet (Estados Unidos), Odyssey (Bélgica) e RayRay (Taiwan).

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