Carta da estudante Beatriz Sousa para as mulheres e jovens negras

Ao longo dos anos (e só tenho 15), cresci sem identidade, sem saber se era negra, morena, parda, mulata, fui até chamada de “café com leite” e eu aceitei cada um desses termos porque, no real, eu estava confusa demais para debater.

Por Beatriz Sousa Do Instituto Odara

A nossa raça é algo interessante, porque até quando dizemos que somos de tal raça, aparece alguém para dizer que somos de outra. Essa miscigenação brasileira é algo maravilhoso, embora tenha sido aos poucos criada a base de estupros, essa “raça meio termo” que para alguns é a chave para acabar com a desigualdade e racismo, pois “une as duas raças em uma só”, é também a causa de muitas insônias.

O meu cabelo crespo me intitulava negra, já minha pele mais clara, em comparação a dos outros negros que eu conhecia, me intitulava “branca”, por tanto, eu era negra demais para ser branca e branca demais para ser negra, eu era morena, mas morena é raça? Quer dizer, não tinha na história uma terra sequer colonizada, descoberta ou povoada por morenos. Moreno é cor, mas não é raça, não é povo e as pessoas não querem te chamar de negra porque acreditam que isso possa ser exagero ou racismo e como já diria meu pai, “Não vejo branco brigando quando chamam ele de branco, eu sou preto e quero que me chamem de preto.”

E quando você não sabe sua raça você não tem uma bela história para contar e um nariz empinado, na melhor forma possível, um peito estufado de orgulho para debater sobre racismo, cotas, dívida histórica e tudo mais. Não vou dizer que já chorei por isso ou coisa do tipo, eu estaria mentindo, mas sempre tem aquela amiguinha racista, ainda mais quando seus pais se desdobram em mil para te pagar uma escola particular no bairro mesmo, aquela que sempre faz “brincadeiras” com seu cabelo trançado e sua cor mais “queimadinha” e como você não é negra, é café com leite/moreninha/cor de chocolate/parda ou qualquer outra coisa que não seja negra, tudo bem ela fazer piadinhas.

Aí vem os 11 anos quando bate vontade de se modificar toda para ficar igual qualquer pessoa que você admire e aí você alisa o cabelo e todo mundo gosta menos você, mas você sorri, passa um gloss e tira foto mesmo assim, já que isso te faz aceitar, então por que não?!

Porém, existe salvação, quando você conhece uma pessoa que não é café com leite ou moreninha ou nenhuma dessas coisas, uma pessoa que é negra, N E G R A, a minha primeira imagem negra foi minha professora de português, Deisiele Souza, espero que um dia ela leia isso, “Pró Deise” tinha black e usava ele bem alto mesmo com todo volume e falava dele e era a pessoa mais “good vibes” que eu conhecia, via beleza em tudo e era linda… É linda. Mesmo que não tenha sido logo depois dela eu sei que foi olhando para aquela professora escrevendo no quadro e gritando com a gente, porque é o que professores fazem de melhor, que eu pensei “Quero ser ela!”.

Agora eu sei que não quero ser Deise, nem Taís Araújo, nem Maju, nem ninguém, eu quero ser eu, porque sou a pessoa mais linda que conheço e não sabia disso um tempo atrás. E por isso, cortei o cabelo e por isso entendi sobre feminismo e por isso briguei com meu tio sobre os mais variados tabus sociais durantes diversos almoços calmos de domingo.

Não posso dizer que me orgulho de toda briga que comecei ou de tudo que postei dando opinião contra ou a favor no Facebook. É que Depois de Deise, eu olhei com mais atenção para fotos dos meus pais nos anos 90, minha mãe com o cabelo black e parecida demais comigo e meu pai sendo… meu pai, minha tia Paloma e meu tio Fábio e por aí vai, mesmo que eu não queira admitir devo muita coisa a minha amiga Júlia, porque a transição é aquela fase que você pensa até vender a alma para o diabo para que seu cabelo crescer, e eu tive uma amiga maravilhosa da minha idade  com o cabelo curtinho me dizendo sempre que essa hidratação era boa e me incentivando a continuar, obrigada!

E hoje me pergunto porque tantas dúvidas se eu sou negra e isso não é problema, isso não é extraordinário, isso é normal, assim que vejo, é como respirar, mesmo que o preconceito seja uma espécie de asma, mas não pense que estou dizendo que ser negro é fácil ou que é só questão de cortar o cabelo, queria eu que fosse, talvez seja diferente para cada pessoa, espero que seja mais fácil para você do que foi pra mim e também espero que eu tenha te ajudado, porque mesmo sendo Beatriz, quero ser a Deise da vida de alguém!

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*Beatriz Sousa – Tem 15 anos é moradora do Nordeste de Amaralina, estudante do ensino médio do Colégio Estadual Polivalente de Amaralina e negra jovem comunicadora da Agência Yalodês (Ampliando os Direitos das Jovens Negras através da Comunicação/Odara).

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