Cem anos depois, sobreviventes de massacre racial que ficou impune pedem justiça no Congresso dos EUA

FONTEPor France Presse, do G1
Viola Fletcher, a mais velha sobrevivente do massacre de Tulsa, testemunhou no Subcomitê de Direitos e Liberdades Civis do Congresso americano — Foto: Tim Watson/AFP

Três cidadãos negros centenários que sobreviveram a um dos massacres raciais mais sangrentos dos Estados Unidos pediram nesta quarta-feira (19) justiça ao Congresso, depois de uma vida de dor provocada por uma tragédia que muitos americanos ignoravam.

Em depoimento emocionante, Viola Fletcher, 107 anos, sobrevivente mais velha do massacre de 1921 em Tulsa, Oklahoma, lembrou os horrores do ataque e como ela e outras pessoas foram abandonadas por uma nação que ela acusou de enterrar seu passado e seguir em frente.

“Ninguém se importou conosco por quase 100 anos. Nós e nossa história fomos esquecidos, apagados”, disse ela em uma audiência no Comitê Judiciário da Câmara de Representantes.”Este Congresso deve nos reconhecer e reconhecer nossa história”, reclamou a centenária.

Fletcher, que precisou abandonar o ensino fundamental e sofreu décadas de pobreza, disse que “viveu o massacre todos os dias” por um século

“Ainda vejo negros sendo baleados, corpos negros jogados na rua… Ainda vejo negócios de pessoas negras pegando fogo. Ainda ouço os gritos”, lembrou ela, em um depoimento comovente. “Nosso país pode esquecer essa história, mas eu não posso. Não vou esquecer jamais, e outros sobreviventes também não vão, e nossos descendentes não vão”, acrescentou.

Total impunidade

O massacre de Tulsa, no qual até 300 afro-americanos foram mortos quando turbas de pessoas brancas atearam fogo em um bairro negro, continua sendo um assunto delicado nos Estados Unidos. Indenizações nunca foram pagas às famílias que perderam suas casas ou negócios, e os responsáveis nunca foram acusados.

Cem anos depois, a cidade de 400 mil habitantes, que tem cerca de 15% de população negra, ainda está dividida. No ano passado, o então presidente Donald Trump acendeu as tensões ao realizar um comício de campanha na cidade em 16 de junho, feriado não oficial que marca o fim da escravidão nos Estados Unidos.

O irmão de Fletcher, Hughes Van Ellis, agora com 100 anos e um bebê quando os ataques ocorreram, disse que as famílias negras sobreviventes ficaram sem nada, expulsas como refugiadas em seu próprio país. “Estamos pedindo justiça para uma vida inteira de danos persistentes”, disse Van Ellis. “Dê-nos a oportunidade de sermos completos”, acrescentou. “Por favor, não nos deixe partir desta Terra sem justiça.”

A poucos dias de se completarem 100 anos do massacre, deputados democratas renovaram os pedidos de indenização para as vítimas. O congressista Hank Johnson anunciou a apresentação de um projeto de lei para atender a demandas relacionadas ao massacre de Tulsa.

“Se não aprendemos com a História, estamos condenados a repeti-la”, declarou Steve Cohen, presidente do painel da Câmara. “Infelizmente”, muitos americanos desconhecem o ocorrido, lamentou.

Lessie Benningfield Randle, 106 anos, disse se lembrar de quando “homens brancos armados chegaram e destruíram minha comunidade”, um século atrás. “Esperei muito por justiça. Estamos cansados. Estou pedindo aos senhores hoje que nos deem alguma paz”, pediu, durante sua intervenção.

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