Chimamanda: a voz do feminismo critica o racismo e defende homens feministas

Chimamanda Ngozi Adichie é protagonista de dois TEDs com mais de 20 milhões de views, virou música da Beyoncé e tema de coleção da Dior. Trajetória para lá de incomum para uma escritora de ficção que jamais pensou em ser ícone feminista. A nigeriana de 41 anos, autora de seis livros e mãe de uma menininha de 3, encontrou-se com Marie Claire Brasil em Washington para uma conversa franca e exclusiva sobre liberdade, gênero, racismo e amor. Polêmica, cravou que os homens são essenciais na luta das mulheres e que podem (e devem) ser feministas

Quando Chimamanda Ngozi Adichieentrou no estúdio em Washington D.C. onde foram realizadas as fotos e a entrevista desta edição de aniversário, chegava ao fim uma epopeia marcada por intensas emoções e muitos altos e baixos (por vezes, desanimadores), que começou há pouco mais de um ano e envolveu a dedicação e a energia de uma incansável equipe transcontinental, incluindo o time de Marie Claire; da Cia. das Letras, editora responsável por publicar a obra da escritora nigeriana no Brasil; além da própria entourage da autora, encabeçada por sua assistente Mureji – que mobilizou até o governo da Nigéria para tornar esse encontro possível.

Tudo isso porque, como uma das mais requisitadas intelectuais do mundo, Chimamanda tem uma agenda repleta de compromissos. Num dia, ela pode estar na cidade de Lagos, na Nigéria, onde tem uma casa e vive parte do ano. No outro, em seu segundo lar, nos Estados Unidos, onde o marido, o médico Ivara Esege, integra o corpo docente da prestigiada Universidade de Medicina de Maryland. Quando não se encontra num desses dois endereços, a escritora pode estar em qualquer parte da Europa, África, Ásia ou América, assistindo a desfiles de moda, participando de conferências, ministrando palestras ou conduzindo entrevistas, como a que realizou com Michelle Obama em Londres, dezembro passado, durante a tour de lançamento da autobiografia da ex-primeira dama. São todos eventos concorridos, com ingressos esgotados e clima de show de rock, em que a plateia, majoritariamente feminina, vibra a cada uma de suas frases de efeito – e Chimamanda tem muitas.

Foi um privilégio, portanto, conseguir 40 minutos com ela em Paris, em 2016, quando eu ainda atuava como correspondente internacional para esta revista. A conversa, publicada no ano seguinte e na qual Chimamanda revelou pela primeira vez a uma jornalista que tinha acabado de dar à luz sua primeira filha, instigou na diretora de redação Laura Ancona o desejo de torná-la nossa estrela de capa – e, em mim, deixou um gostinho de quero muito mais. Assim começaram as negociações, sempre com desestimulantes retornos de “ela não tem data”. Com a firme ideia de que, para tê-la, todo esforço era válido, decidimos ir a qualquer parte do mundo por Chimamanda. Por isso, em março, quando os assessores da Cia. das Letras, os queridos Mariana e Felipe, deram a notícia de que ela finalmente poderia nos receber em sua casa, em Lagos, não hesitamos em montar uma operação mirabolante para ir ao seu encontro. Mas como todo o processo em torno desta odisseia, tudo parecia estar contra nós: é preciso visto para entrar na Nigéria, e estávamos a menos de uma semana do Carnaval, o que nos colocou numa corrida maluca para reunir os documentos necessários, entregues exatamente na véspera do feriado. Além disso, o shooting foi marcado para 10 de março, um dia após as eleições nigerianas, adiadas mais de uma vez, o que aumentou a lista de exigências para a entrada de jornalistas no país. Nosso Carnaval não teve folia. Quando, enfim, o recesso terminou, nos restava um dia para ter os vistos em mãos e partir rumo à África. Mas eles não chegaram a tempo, e a viagem para Lagos foi cancelada no próprio dia do embarque.

Vivemos um final de semana triste. Quando finalmente havíamos conseguido negociar a capa com um dos maiores ícones (intelectuais, de estilo e beleza) de nosso tempo, um problema técnico nos impediu. Mas a frustração não durou muito. Mureji, a agente das negativas, ligou no domingo e disse que teríamos mais uma data, desta vez em Washington D.C., cidade vizinha à sua casa, em Maryland, dali a uma semana, para onde corremos sem hesitar. Acompanhada pela filha de 3 anos, Chimamanda chegou ao estúdio com os cabelos trançados, cobertos por um lenço, e usando uma legging e blusa pretas, sobre as quais se destacava um elegante sobretudo de seda estampado (da Zara, segundo ela). Apresentou a menina sem revelar seu nome [ela jamais a mostrou em público] e, como toda mãe, reclamou do fato de Bubu, como ela a chama carinhosamente, ser “a cara do pai” – um homem alto, de olhos claros, muito belo e educado, que foi buscar a criança poucas horas depois.

“Meu cozinheiro ficou muito decepcionado por vocês não terem ido a Lagos”, disse ela. “Ele me falou: ‘Ah, como são brasileiras, precisamos preparar um menu especial’. Quando soube que vocês não iriam, reclamou: ‘O que vamos fazer agora com toda essa comida?’”, contou Chimamanda. Foi nesse clima amoroso, descontraído, embalado por música nigeriana – principalmente o highlife do cantor Phyno, de quem ela é fã –, que a autora finalmente posou para esta edição de aniversário.

Ícone pop

Comprovando que todo o esforço para chegar até ali não fora em vão, Chimamanda mostrou-se uma daquelas pessoas de personalidade arrebatadora, cuja presença preenche todo o ambiente. A fala pausada, clara e contundente se reveza entre momentos da mais pura ironia, ao lembrar os revezes de sua trajetória, e um envolvente e bem articulado discurso político, quando se posta em frente à câmera para falar sobre racismo, machismo e feminismo – nos vídeos que acompanham esta reportagem. Nesse momento, o cansaço e a fome (que ela enganou comendo chocolates) desapareceram, e a escritora se transformou na sedutora palestrante que destacou-se num TEDx realizado em 2012, em Londres, quando discorreu sobre os motivos pelos quais devemos abraçar o feminismo para garantir uma sociedade igualitária, na conferência “Todos devemos ser feministas” – mesmo título de um ensaio lançado em 2014.

Até então, Chimamanda tinha reconhecimento acadêmico e uma carreira consolidada, mas restrita ao meio literário: acumulava prêmios por seus três livros publicados – os romances Hibisco Roxo (2003) e Meio Sol Amarelo(2006) e os contos reunidos em No Seu Pescoço (2009) – e já era best-seller em seu país natal, graças ao talento de envolver o leitor em tramas que borram a fronteira entre ficção e realidade, protagonizadas por personagens que retratam a Nigéria contemporânea.

Em Meio Sol Amarelo, por exemplo, duas irmãs gêmeas com personalidades opostas vivem as terríveis consequências da guerra civil que ocorreu entre 1967 e 1970, quando a parte do país onde se concentra a etnia Igbo (a mesma de Chimamanda) declarou independência, criando o estado de Biafra. “Todas as histórias desse livro aconteceram de verdade”, revela a escritora – cujos avós paternos morreram em decorrência do conflito. “Li tudo o que foi publicado sobre o período, ouvi transmissões de rádio, li artigos de jornal… E aí, é claro, os transformei em ficção.”

Hibisco Roxo, por sua vez, retrata uma família cujo pai, um homem ao mesmo tempo religioso e progressista, trata os filhos e a mulher com extrema violência. “Você sofreu lendo o livro?”, questiona, ao perceber minha expressão desolada. “Ah bom. Isso me deixa feliz!”, diz, rindo. “Talvez seja por isso que ser escritora para mim é ter a esperança de arrebatar as pessoas. Fico muito contente quando alguém me diz que leu um livro meu e chorou. Ou riu.”

Mas ainda que sua obra seja mesmo arrebatadora, Chimamanda só se tornou um fenômeno mundial em 2013, após seu segundo TED, quando Beyoncé reproduziu ipsis litteris um trecho de sua fala na música “Flawless”. A repercussão foi explosiva: o vídeo com registro da palestra se tornou um viral, com mais de 5 milhões de visualizações, e o ensaio, traduzido em 32 línguas, leitura obrigatória, adotado por escolas em países como a Suécia, onde é distribuído aos estudantes do ensino médio. Não bastasse, em sua primeira coleção logo após assumir a direção criativa da grife Dior, em 2016, a estilista italiana Maria Grazia Chiuri, primeira mulher à frente da maison em 70 anos, estampou a frase We Should All Be Feminists em bolsas e camisetas, completando o processo que transformaria Chimamanda num ícone – inclusive na moda, posando para capas de revistas e campanhas de beleza –, e seu manifesto, numa das principais inspirações para a então crescente quarta onda do feminismo.

“Vou ser muito honesta, mas não me vejo como um ícone”, diz Chimamanda. “A coisa que mais amo, que dá sentido à minha vida, é escrever. Essa é minha maior alegria, e acredito profundamente que nasci com essa dádiva de contar histórias. As outras coisas, sabe, ser ícone feminista, da moda, surgiram por causa da escrita”, afirma ela, que estreou sua carreira literária aos 10 anos. “Com essa idade, eu já dizia que era escritora porque estava fazendo meus livrinhos. Como não venho de uma cultura que vê a escrita como uma grande ambição, não me perguntava se era ou não escritora. Achava que era e pronto. Não importava o que ou se alguém iria ler. Isso nunca me deixou inquieta.”

Criada no campus da Universidade de Nsukka, em Enugu, onde seu pai, James Nwoye Adichie, atuava como professor e sua mãe, Grace Ifeoma, como secretária, Chimamanda pertence a uma família de origem Igbo, etnia que ocupa principalmente o sudeste da Nigéria e cuja língua a escritora fala com a filha. Quinta de um clã de seis irmãos, ela se empolga ao falar dos oito sobrinhos. “Nosso Natal é a coisa mais linda: nos reunimos em Lagos, e quase todos ficam hospedados na minha casa, o que é maravilhoso. Sou muito focada em minha família”, diz ela. “Acabei de ligar para os meus pais e minha mãe disse: ‘Você está com cara de cansada, estou muito preocupada com como você vai sair nas fotos. Não dá para você adiar isso para poder descansar? Porque eu preciso que você fique perfeita’.”

Essa inquietação é algo que a acompanha desde a infância. Em nosso primeiro encontro, em Paris, Chimamanda revelou que a mãe sempre se afligia em ela estar “apresentável”, o que incluía cabelos, unhas e roupas impecáveis. Hoje, ninguém jamais verá a escritora usando sapatos baixos ou jeans. Sua conta no Instagram é usada para divulgar looks elegantes, assinados por estilistas nigerianos (como os deste ensaio), num projeto que ela batizou Wear Nigerian – e que pretende transformar em Wear Black, incluindo costureiros negros do mundo todo.

Mas nem sempre ela pôde assumir-se fashionista. Logo que se mudou para os Estados Unidos, aos 19 anos, para estudar comunicação e ciência política – após deixar o curso de medicina, na Nigéria –, Chimamanda se viu obrigada a abandonar os saltos, entre outros adereços que adora, para provar que era uma intelectual “séria”. O sucesso e a idade permitiram que, enfim, pudesse voltar a ser “apresentável”. “A triste realidade é que, se tivesse começado sendo quem sou de verdade, usando salto alto e batom, provavelmente teriam reagido a mim de maneira diferente”, acredita. “Isso é algo particularmente comum no Ocidente. Na Nigéria, as pessoas não criticam tanto a aparência das mulheres quanto nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Europa Ocidental, onde existe esse ideal de ter que ser uma coisa só. Eu me considero uma contadora de histórias, uma escritora, uma intelectual, uma pensadora, mas também uma pessoa que ama moda, maquiagem, cabelo. Quando cheguei aos 30 anos, simplesmente me cansei de fingir, porque era o que eu estava fazendo. Acho que isso é resultado da autoconfiança de envelhecer.”

Aos 41 anos, Chimamanda concorda que o passar do tempo é o que pode acontecer de melhor e põe na conta do machismo tudo o que é dito ao contrário. “As mulheres não falam o suficiente sobre como é bom envelhecer, pois, supostamente, temos de pensar que é uma coisa ruim e ter vergonha de nossa idade”, diz ela. “Faço 42 anos em setembro e isso me trouxe autoconfiança. Estou mais em paz comigo mesma do que aos 20, época em que ligava muito para o que os outros pensavam”, afirma. “Além disso, alcancei um certo nível de sucesso. Estou num estágio em que ficou claro que consigo escrever um livro e não vejo como alguém poderia dizer: ‘Bom, como você usa salto, não é uma intelectual’. Espero que uma jovem que está começando hoje não tenha de esperar o sucesso para ser ela mesma.”

Filhas de Chimamanda

Por opiniões como essas (e, claro, pelo famoso TEDx), o nome de Chimamanda é muito mais ligado ao feminismo do que a obras consagradas, como seu romance mais recente, Americanah (2013), pelo qual ganhou o National Book Critics Circle Awards – e isso é algo que a incomoda. “Quero ser conhecida como romancista. Como uma contadora de histórias que por acaso é feminista”, diz. “Não quero ser uma feminista que escreve romances. Feminista é um rótulo que me deixa feliz, e que eu assumo e amo, então, não estou me afastando dele nem nada disso, mas me considero uma artista e carregar esse tipo de etiqueta, muitas vezes, é ser limitada por ela”, defende. “Sei, por exemplo, que existem algumas feministas ferozes que mandam e-mails raivosos para mim porque acham que uma história que escrevi não foi feminista o suficiente, sabe? Mas não posso abordar minha ficção de maneira ideológica. Não posso escrever histórias nas quais todas as mulheres são perfeitas e fortes, porque o mundo não é assim. E é por isso que não gosto de ser conhecida principalmente como feminista, porque significa que as pessoas vão ler o que eu escrevo só procurando o feminismo.”

Ela também costuma deixar as radicais de cabelo em pé quando defende pontos polêmicos, como ao afirmar que homens também podem ser feministas: “Temos que parar de pensar no feminismo como uma espécie de festinha exclusiva para a qual poucas pessoas são convidadas. Nosso objetivo é a igualdade no mundo. Queremos chegar a um ponto em que não vamos mais precisar do feminismo. Para isso acontecer, todo mundo tem que se envolver. Portanto, precisamos de homens feministas para mudar outros homens”, garante. “Em Lagos, uma cidade cosmopolita, acontece de um homem e uma mulher entrarem num restaurante, e o garçom ou o segurança dizerem: ‘Boa tarde, senhor’, ignorando a mulher. Então, costumo falar aos homens que eles precisam dizer: ‘Isso é inaceitável. Entrei aqui com outro ser humano que é meu igual. E você precisa reconhecer a presença de nós dois’”, diz ela. Mas qual homem Chimamanda já viu tomar atitude semelhante? “Meu marido”, responde, rindo. “A não ser que sejam cooptados para o feminismo, os homens não vão participar de livre e espontânea vontade. Meu marido o faz porque falei com ele sobre isso. Até então, nem ele percebia.”

Esse discurso, no entanto, é também uma construção. Até pouco tempo, Chimamanda dizia não ter sido vítima de assédio, mas, recentemente, numa conferência na Suécia, revelou o que considera ser seu “momento #MeToo”: aos 17 anos, durante uma visita a um editor para apresentar seu livro, ele pegou em seus seios por baixo da blusa. “Não tinha contado isso para ninguém com exceção da minha melhor amiga e do meu marido”, diz ela. “Mas senti que devia isso às jovens e, na verdade, às mulheres em geral. Falo muito sobre feminismo, e esse movimento [#metoo] tão importante está acontecendo e eu tenho uma história pessoal. Para ser sincera, não gostei de falar disso. Entendo por que as mulheres não falam, pois, às vezes, isso toma conta, se torna a história delas, e você quer seguir em frente”, acredita. “Depois que contei, quase senti uma espécie de arrependimento, mas fico feliz que a história esteja circulando. O que não quero fazer é continuar, dizer quem ele é. Não estou interessada, não quero dar a ele esse poder. Acabou, passou.”

Por essas e outras, na Nigéria suas ideias são controversas e causam grande repercussão: é ame ou a odeie. “Uma vez, um jornalista me disse: ‘Os nigerianos adoram quando você escreve ficção, mas não gostam quando fala sobre feminismo. Querem que cale a boca e escreva’”, lembra. “Hibisco Roxofez muito sucesso, porque as pessoas não tinham um livro que refletisse nossa experiência contemporânea. Meio Sol Amarelo foi um pouco polêmico. Então, comecei a falar sobre feminismo e, de repente, as estações de rádio diziam: ‘Ela é uma feminista louca e quer destruir os casamentos’. Já me contaram que, quando mulheres mais jovens saem com um rapaz, e demonstram sua opinião sobre algum assunto, mas o cara é um babaca, ele diz: ‘Ah, você deve ser filha da Chimamanda’”, descreve, gargalhando.

Negritude

Chimamanda nutre sentimentos ambíguos pelo Brasil, que ela visitou em 2008 para participar da Flip – Festa Literária de Paraty. Amou (“muito!”) e sentiu-se em casa (“parece a Nigéria, mas com estradas melhores”), mas constatou que a propagada democracia racial não existe. Por isso, ficou feliz em saber que a quarta onda do feminismo no país é relevante principalmente graças à atuação de mulheres negras como a filósofa e escritora Djamila Ribeiro, cujo discurso interseccional aborda temas ligados a raça e classe social.

“Acho que qualquer coisa que faça o país começar a confrontar seu racismo é muito importante”, defende ela. “Lembro que meu marido e eu íamos a restaurantes sofisticados e não víamos nenhuma pessoa negra. Acho que o Brasil conta para si mesmo uma história sobre a questão racial que não é verdade, de que não existe racismo e todos são iguais. Os negros claramente não têm acesso a posições de poder. A invisibilidade dos negros foi chocante para mim, então fico feliz de saber que as mulheres negras estão na linha de frente da conversa sobre gênero”, afirma.

Nascida no país que concentra a maior população negra do mundo – seguido pelo Brasil –, Chimamanda costuma repetir que só descobriu ser negra quando chegou aos Estados Unidos e foi confrontada com todos os clichês que perseguem a diáspora africana. “Não me via como negra, porque, na Nigéria, todo mundo é negro”, explica. “Então, vim para os Estados Unidos e percebi que era negra, o que não tem só a ver com a cor da minha pele – que, aliás, eu amo. Se tivesse que voltar como ser humano na Terra, ia querer ser desta cor”, afirma. “Aqui, ser chamado de negro tem um significado. Não é uma identidade livre de valor, é repleta de estereótipos negativos. Na Nigéria, o sucesso negro é comum, enquanto nos EUA percebi que era extraordinário ser negro e se sair bem”, conclui.

Essa descoberta inspirou o livro Americanah, cuja protagonista, Ifemelu, reflete a trajetória de Chimamanda: uma nigeriana que troca Lagos pelos EUA para estudar e se descobre negra. A obra, que se transformará em uma série com Lupita Nyong’o no papel principal – e roteiro adaptado por Danai Gurira –, trata não só de identidade cultural quanto de temas ligados à beleza, passando por questões como aceitação e empoderamento por meio dos penteados.

Chimamanda tem, ela própria, uma longa história com suas madeixas: “Quando era criança, tinha muito cabelo. Ele era longo e cheio e eu não gostava de penteá-lo, porque era doloroso. Na infância, cabelo para mim era dor”, lembra. “Uma das coisas que disse para mim mesma foi que, se um dia tivesse uma filha, faria questão de que ela não fizesse a mesma associação entre cabelo e dor. Não a penteio do jeito que meu cabelo era penteado e trançado. Só meio que desembaraço. Não precisa ser perfeito”, descreve. “Na adolescência, tudo o que eu queria era ter cabelo liso. Me lembro da primeira vez que usei o relaxante e fiquei tão feliz: meu cabelo ficou comprido, liso e eu gostava do balanço. Quando me mudei para os Estados Unidos, não tinha dinheiro para ir ao salão, por isso, eu mesma coloquei o relaxante e queimei o couro cabeludo. Fiquei com umas cicatrizes horríveis. Aí comecei a pensar: ‘Por que eu estou fazendo isso?’. Os Estados Unidos me fizeram parar e refletir sobre quem eu sou. Comecei a gostar do meu cabelo do jeito que ele é. Parei de alisar há 25 anos. E amo que o cabelo negro seja versátil: posso fazer tranças ou trabalhá-lo como uma arquitetura”, diz Chimamanda, se levantando e seguindo para a sessão de beleza que a deixaria linda e descansada – como sua mãe queria –, com os cabelos mais armados e bem desenhados que jamais se viu numa capa de revista.

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